quinta-feira, 26 de março de 2020

Entrevista: Paulo Sérgio Almeida, diretor do Portal Filme B


“Para a indústria do cinema,
o que está acontecendo é uma devastação.”

Paulo Sérgio Almeida, diretor do Filme B
Nada é mais importante do que a preservação das vidas humanas nessa pandemia do coronavírus. As medidas de não aglomeração de pessoas diante da proliferação do COVID-19 fizeram muitos filmes cuja demanda de público lotariam salas de cinemas em situações normais serem adiados para o final do ano, diminuído, assim, um imenso e já certo prejuízo financeiro. São obras como Um Lugar Silencioso Parte II, continuação do esmero de 2018 dirigido por John Krasinski; o novo filme da Marvel Studios, Viúva Negra, além dos novos 007 e o mais novo longa da lucrativa franquia Velozes e Furiosos.


Sobre o assunto, o A Tarde conversou com Paulo Sergio Almeida, fundador da Filme B, empresa brasileira especializada em análise e números do mercado cinematográfico no Brasil. Mais completo site no acesso a informações relacionadas ao aspecto de negócios oriundos da produção de cinema e distribuição de filmes em território nacional, o Filme B é peça fundamental na pesquisa para quem se interessa ou tem o cinema como meio de subsistência direta ou indireta. Confira a entrevista.

Por João Paulo Barreto

Com o adiamento e suspensão dos lançamentos, como você prevê os próximos meses no mercado das salas de cinema no Brasil?
Em 2020, você pode contabilizar um janeiro e fevereiro muito bons. Março com sinais de crise. Havia algumas salas abertas no começo do mês, mas, a partir de agora aí, temos zero de cinemas funcionando no Brasil. Abril, maio, junho e julho, zero de salas. Nós nunca vivemos uma situação como essa. É o colapso! O cinema, como o resto da economia, vai entrar em colapso. A previsão é de no mínimo três meses sem possibilidade de reabertura de salas. 
A mesma previsão vale para outros países. China, Itália, França, Inglaterra, Coréia do Sul, Japão, Espanha, Portugal e EUA. Todas as salas fechadas. Quer mais do que isso? É uma devastação. Para a indústria do cinema, o que está acontecendo é uma devastação. Quando acabar a crise, a gente vai ver quem sobrou.

Com os adiamentos das estreias internacionais, como o streaming entra nisso?  
O cinema hoje está globalizado. Eu não posso lançar um filme no Brasil ou em qualquer outro lugar de maneira separada. Ou o filme vai para o mundo todo ou não vai. Isso em relação ao filme estrangeiro. Todos os lançamentos de blockbusters estão sendo adiados, um depois do outro. Acabou de ser adiado o Minions, grande blockbuster infantil para as férias de julho. Já foi adiado 007, Trolls e o novo Velozes e Furiosos. Não é caso destes citados, mas há uma série de filmes que deverão ser lançados diretamente no streaming. Essa é a grande revolução. Os filmes estão, na sua maioria, prontos. Exceto Minions 2, que foi cancelado e o Ilumination, o estúdio de animação sediado em Paris, foi fechado. Mas todos os outros estão prontos e com a campanha na rua. Os investimentos estão feitos, e não podem parar de repente para ser lançados apenas no ano que vem. Aí você tem que investir de novo no marketing, fazer tudo de novo, para recuperar as campanhas. O que está acontecendo é que os filmes estão indo direto para streaming. Vai ser um ano perdido para o cinema. Praticamente perdido. Se voltar à atividade no Brasil, deverá voltar por volta de agosto, setembro. Mas aí com títulos debilitados, com a frequência ao cinema debilitada. Não podemos esperar grande coisa. 

Um Lugar Silencioso - Parte II é dum dos filmes adiados

E para o cinema nacional?
Em relação ao cinema nacional, o panorama é mais dramático. Porque toda a operação de cinema nacional no Brasil, a Ancine, Secretaria Especial de Cultura, está tudo paralisado desde que o governo Bolsonaro entrou.  Todos os lançamentos já vinham sendo adiados por falta não de recurso da Ancine, pois eles existem, mas por falta de uma diretoria, por falta de comando e de gestão. São atos que esse governo vem fazendo com a cultura propositadamente. O que os filmes nacionais estão tentando fazer, também, é ir direto para o streaming. Mas a Ancine proíbe esse lançamento direto nas plataformas. Em relação ao filme americano, não tem lei que proíba. É um acordo entre o exibidor e o distribuidor de se manter uma janela. Mas em um momento como esse, de força maior, os exibidores estão compreendendo que eles não podem fazer nada, já que as salas estão fechadas e o distribuidor não pode ficar com o filme parado sem faturamento. Ele tem que pagar seus empregados. Tem que fazer a máquina girar. Aqui no Brasil, os principais filmes são financiados com dinheiro do fundo setorial, via Ancine, via BNDES, e tem uma regulação que obriga os filmes a estrearem antes nos cinemas e depois no streaming. Os produtores estão tentando, junto à agência, que essa proibição seja cancelada. Pelo menos momentaneamente, para que os filmes possam entrar direto no streaming, também. Porque, senão, vão ficar dois anos parados. 

Filmes de alto orçamento como 007, Um Lugar Silencioso Parte 2 e Velozes e Furiosos, apesar de já adiados, podem ser lançados no streaming?
Não. Hoje, os filmes de orçamento muito alto precisam da bilheteria do cinema. Mesmo a Disney, que já tem o seu próprio canal. Ela até poderia lançar os filmes no seu próprio streaming, mas não teria um bom retorno. Só poderia ser feito com filmes médios e pequenos. Filmes de grandes orçamentos, não. Isso poderia até quebrar a MGM, que é a detentora dos direitos dos filmes da franquia 007. Não pode abrir mão da bilheteria. Principalmente da China. Hoje, o mercado dos grandes filmes é guiado pela China. Então, esses filmes não podem ir para o streaming diretamente. Um Lugar Silencioso Parte II não vai direto para o streaming nunca. O retorno é muito baixo. Minions 2 seria um desperdício lançar direto no streaming. O que está sendo lançado no streaming são filmes como Bloodshot, da Sony, que teve a bilheteria interrompida e tem que ser lançado no streaming, ou Trolls, que é um desenho da Universal que já está com a sua campanha no ar e tem uma bilheteria média. Agora, é importante ressaltar o seguinte: não é só ver isso na área da produção dos filmes, a gente tem que ver isso na área do mercado. Poucos exibidores vão resistir a ficar quatro meses fechados. Só os grandes. E, assim mesmo, com medidas drásticas de demissão de funcionários, de corte de custos violentos. Enfim, vai ser uma loucura. Realmente, a indústria nunca mais será a mesma. 

Nova aventura do 007, principal investimento da MGM, pode dar prejuízo

Podemos prever como será a relação entre shoppings e salas de cinema quanto a taxas de aluguel?
Isso vai ser uma longa negociação. Depende, primeiro, de determinações oficiais. Se o governo do estado determinou que os shoppings e cinemas têm que fechar,  ou que existe um estado de calamidade pública, isso abre um espaço enorme para os exibidores negociarem com os shoppings. De pagar o mínimo, que eles chamam de mínimo garantido. Fora isso, tem a negociação com os empregados. O governo autorizou a você fazer o pagamento de férias de um mês. Após isso, ou a pessoa trabalha em casa com 50% de redução de salário, ou partem para demissão voluntária. A exibição no Brasil é muito diferenciada. Existem desde de empresas internacionais, multinacionais, como Cinemark e UCI, como empresas nacionais familiares, como a Orient, aí em Salvador. Todos os outros, tirando a Cinemark, a Cinepólis e a UCI, são empresas nacionais familiares que não têm acesso a crédito como as multinacionais têm. Cada uma precisará de uma solução. Já lá fora, a situação é preocupante no seguinte sentido: os estúdios de hoje estão ligados a conglomerados de mídia. Estúdios como Universal Pictures  e a Paramount, por exemplo, estão alavancados em Wall Street. E a bolsa de valores está virando pó. Eles estão pedindo ajuda ao Trump. E eu tenho certeza que Trump vai dar. Tanto os exibidores como os estúdios vão ter um apoio. Para eles, o cinema é uma questão de Estado. Enquanto aqui no Brasil, o Estado é contra o cinema.

*Entrevista originalmente publicada no Jornal A Tarde, dia 26/03/2020



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