sábado, 3 de abril de 2021

É Tudo Verdade 2021


 A Função da Lembrança


DOCUMENTÁRIOS  
Com homenagem a Caetano e a Chris Marker, Festival  É Tudo Verdade começa na quinta-feira  sua 26ª edição (e segunda virtual) trazendo
leva preciosa de visões do cinema real

Por João Paulo Barreto

Começa na próxima quinta-feira, dia 08, e segue até o dia 18 de abril, totalmente gratuita, a 26ª edição do Festival É Tudo Verdade. Pelo segundo ano consecutivo, a tradicional mostra com foco no cinema documental acontece de forma virtual, respeitando a necessidade urgente de se manter o isolamento social no sentido de conter o avanço da pandemia. Em 2020, o evento chegou a ser anunciando para o primeiro semestre,  mas foi adiado, acontecendo on line entre setembro e outubro. Neste ano, apesar do formato ainda virtual, sua seleção de 69 filmes será apresentada agora em abril, apenas seis meses após a última edição.  

Amir Labaki, fundador e diretor do festival, pontua a necessidade da realização em meios digitais e salienta o momento de dificuldade econômica do país. "Nós estamos realizando, agora, o segundo festival em streaming por conta da pandemia. É o segundo festival em que sabemos que a crise econômica que atingiu de maneira geral o país, mas, particularmente, a produção cultural, é avassaladora", explica Labaki. Nesse sentido, o diretor da mostra fez questão de citar os nomes de parceiros como o SESC São Paulo, o Spcine, o Canal Brasil e o selo Itaú Cultural, que tornaram possível, financeiramente e de maneira logística, realizar as edições. "O selo Itaú Cultural faz frente a esse esforço  com uma série de projetos muito amplos e muito importantes para apoiar os artistas do país inteiro. E atividades cultuais como o É Tudo Verdade é um deles", frisa.

Animação Fuga, filme vencedor de Sundance, abre festival


ANIMAÇÃO NA ABERTURA

Vencedor do Grande Prêmio do Júri na edição deste ano do Festival de Sundance, Fuga (Flee, 2020), animação documental dirigida pelo dinamarquês  Jonas Poher Rasmussen, traz a história de Amin, nome fictício dado a um amigo do diretor. Amin é um refugiado de origem afegã, que, para salvar a sua vida, precisa sair do Afeganistão em direção a Rússia e, de lá, para a Dinamarca. A opção de se contar tal história através de uma animação fica evidente no sentido de priorizar a segurança e a vida do protagonista. Sobre a importância da dimensão política de um documentário de animação abrir o É Tudo Verdade desse ano, Amir Labaki explana sobre a escolha pontuando que "uma das coisas mais interessantes que está acontecendo no cinema nos últimos tempos é essa porosidade na fronteira entre os gêneros. E a utilização da animação em narrativas documentais tem essa marca, também. E tem várias estratégias que levam cineastas a escolherem fazer uso da animação em documentários", salienta Labaki e completa: "tem essa dimensão política, sim, mas tem, também, uma dimensão de colocar um documentário animado na abertura do É Tudo Verdade, sinalizando essa amplitude do campo documental, que é muito importante fazermos sempre".

 

Cena de Cartas da Sibéria (1958), de Chris Marker - homenagem

HOMENAGENS  E CURTA BAIANO

O título dessa matéria faz referência a uma frase atribuída ao cineasta francês Chris Marker, cujo centenário de nascimento é comemorado em 2021. A citação vem do clássico de 1983, Sem Sol (Sans Soleil), quando a leitura de uma carta creditada a Sandor Krasna (um pseudônimo de Marker) aborda a função da lembrança não como um oposto do esquecimento, mas seu avesso, afirmando que a memória é recriada da mesma forma que a história. Na obra de Marker, essa recriação da memória, as imagens marcantes do passado, é uma construção constante. 

"Era incontornável celebrarmos o centenário de nascimento de um dos raros grandes revolucionários do documentário. Diretor do Carta da Sibéria (1958); Le Joli Mai (1963); O Fundo do Ar é Vermelho (1977); do grande curta La Jetée (A Pista, de 1962), que influenciou tanta gente. Ele que veio da fundação, mesmo. Do estabelecimento do cinema chamado de documentário ensaístico", explica Amir Labaki. Focado na trajetória de Chris Marker, o É Tudo Verdade trará nesse ano a 18ª Conferência Internacional do Documentário, nos dias 7 e 8 de abril, através do site do Itaú Cultural. O evento on line contará com a participação do crítico francês, Jean-Michel Frodon (Le Monde, Cahiers du Cinéma).

Outro nome de peso a ser homenageado é o nosso ilustre santo-amarense, Caetano Veloso, cuja mostra Caetano.Doc trará diversas obras sobre e/ou com a participação do cantor e compositor. "Não precisamos de maiores justificativas para homenagear, celebrar e louvar Caetano Veloso. A mostra desse ano é uma declaração de gratidão a ele. Caetano, neste ano tão duro, tão difícil para todos nós na pandemia, tem cumprido um dos seus papéis históricos mais importantes. Esteve conosco nos alegrando, nos iluminando, se entristecendo junto com a gente de várias maneiras. Das lives que ele fez. Da forma corajosa como ele lembrou, no lançamento de Narciso em Férias, da cruel maneira como foi tratado pela ditadura militar instalada em 1964. É um filme que muito nos honra poder exibir dentro dessa mostra", celebra Amir Labaki.

Cena de Coleçaõ Preciosa, de Rayssa Coelho e Filipe Gama 

Também dentro dessa proposta  de valorização da memória, será exibido um documentário em curta metragem oriundo de Vitória da Conquista que ilustra bem, em tempos nos quais cinematecas perdem investimentos e acervos correm o risco de serem descartados, como a lembrança é crucial para a construção de um futuro rico em Cultura. Coleção Preciosa, filme de Rayssa Coelho e Filipe Gama, aborda a trajetória de Ferdinand WillI Flick, que, durante 52 anos, reuniu uma coleção de itens cinematográficos e, hoje, fazem parte do Museu Pedagógico - Casa Padre Almeida, em Conquista. Rayssa Coelho aprofunda essa valorização. "Na relação da preservação da memória no Cinema e o fazer do sr. Flick, é importante observar que o colecionador visa a preservação. É o objetivo dele. Ele não é um acumulador. Existe uma tentativa de uma prática muito intuitiva de cuidado e, também, de organização dessas coisas que efetivamente ficam sob guarda desta pessoa. Este é o papel do individuo na sua relação com as coisas que, para ele, têm significado e para as quais ele também dá importância. Deveria ser este, também, consideradas as escalas, o perfil da guarda da memória institucional. Afinal de contas, essas instituições são justamente para que não apenas guardem os itens e assegurem a sobrevivência, a possibilidade de existência deles por mais tempo, mas, a guarda de uma memória. Que é muito maior do que os itens que elas podem assegurar alguma garantia", explica Rayssa.

ENCERRAMENTO

Após a consagração do seu filme anterior, Ex Pajé (2018), o cineasta Luiz Bolognesi retorna ao É Tudo Verdade, na sessão de encerramento, com A Última Floresta (2021), longa exibido na Mostra Panorama, do Festival de Berlim 2021. Para Amir Labaki, "trata-se de um filme hibrido que combina documentário e ficção de uma maneira muito harmônica e coesa. E que chama atenção para a tragédia nacional que está acontecendo. Mais uma que está acontecendo nestes dias que estamos, infelizmente, a acompanhar e precisamos combater: a extrema vulnerabilidade das tribos indígenas. Destes que são os primeiros brasileiros. É um filme com um sentido de urgência para exibição e um exemplo do grau de excelência na realização de documentários no Brasil", finaliza.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 04/04/2021








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