sábado, 15 de maio de 2021

Endless Arcade - TFC

 Teenage Fanclub
e
a energia sem fim do pop




NOVO DISCO  Com Endless Arcade, décimo segundo  álbum de estúdio, banda escocesa  apresenta seu pop puro em melodias e letras que nos fazem respirar com mais calma em um presente no qual isso se faz urgente

Por João Paulo Barreto

Há um texto escrito há vinte anos por Nick Hornby no qual ele aborda o lançamento do Howdy!, o então novo disco da banda escocesa Teenage Fanclub. Nele, o autor de Alta Fidelidade, Um Grande Garoto e Febre de Bola fala sobre a proposta de um disco "quase insanamente feliz", e, também, sobre o direcionamento cínico, ressentido e repleto de uma falta de interesse da crítica especializada em relação ao "ensolarado, alegre e entusiástico" Songs from Nothern Britain, álbum anterior da grupo de Glasgow, lançado três anos antes. No texto em questão, publicado na revista Mojo em 2000 e, no ano seguinte, no site Scream & Yell (com tradução de Claudia Ferrari), o escritor referencia Brian Eno quando este reflete sobre como as sensações de alegria, entusiasmo, curiosidade e fascinação presentes na rotina de criação esbarravam no acima citado áspero direcionamento da crítica para com o produto finalizado. E olha que estamos falando de um período no qual a Internet engatinhava e as maldades levianas oriundas das redes sociais ainda ficavam restritas às mentes perigosas dos trolls que as criavam. Reler este texto, hoje, confirma como o Teenage conseguiu escapar de todo sarcasmo e cinismo de uma sociedade marcada por pessoas que acham que essas duas características rimam com inteligência. "Não tenha medo desta vida", canta o refrão da faixa título do novo disco. Quer algo mais direto do que isso?

Neste abril  de 2021, o TFC lançou seu décimo segundo disco de estúdio em 32 anos de carreira. Endless Arcade é um álbum no qual o Teenage Fanclub faz jus à sua premissa de pureza lírica do pop. Mas não confundir tal pureza com ingenuidade ou manuais de autoajuda. O otimismo notório de sua letras se faz presente aqui, mas há as asperezas que nos incomodam. Há o reflexo da dor, também. Logo em sua abertura, uma canção intitulada "Lar" nos faz imaginar se tratar da calorosa sensação de se sentir bem vindo, de se sentir abraçado. Mas, na real, não é sobre isso. É, sim, sobre a noção da perda. A letra, de fato, canta sobre a incerteza de voltar a ser feliz e toda angústia atrelada a essa desesperança. Porém, mágico e belo, o set instrumental de mais de três minutos que encerra a música a partir de sua metade em diante nos acalenta após a pancada inicial de realidade.

Veteranos com energia adolescente: 30 anos de estrada

MUDANÇAS

Duas décadas se passaram desde Howdy!, sétimo álbum da banda citado por Nick Hornby em seu texto para a Mojo. O Teenage Fanclub lançou ainda mais quatro discos (sendo um deles chamado Words of Wisdom and Hope - quer mais provas das intenções positivas desta banda?). Além disso, passou pela saída de Gerard Love, baixista e vocalista, em 2018, mas manteve seus outros membros fundadores de 1989 (e vozes inconfundíveis) Norman Blake e Raymond McGinley nas guitarras, bem como Francis Macdonald na bateria. No lugar de Gerard Love, o já tecladista e guitarrista, Dave McGowan, assumiu o contrabaixo, com a banda dando boas vindas a um novo tecladista, Euros Childs, a partir de 2019.  Chegamos à terceira década do século XXI e a sonoridade otimista somada a letras que, distante da plasticidade falsa e de tons furados de discursos de coach, nos fazem escapar um pouco do peso de uma realidade pesarosa e trágica que vivemos.

FOCO NO SIMPLES

Sim, admito. É verdade que soa clichê citar a simplicidade do pop que sobressaí em uma canção de 2min ou de 2min e meio. Soa clichê, também, citá-la como sendo um clichê. Mas é preciso pedir licença para este pontuar da capacidade singular que tal tipo de canção pode lhe causar. Ao ouvir The Sun Won't Shine On Me, com sua letra composta com apenas seis frases (sendo uma delas o título e o refrão), em uma valsa que te convida a bailar abraçando a si mesmo (sim, pode me chamar de cafona) enquanto ouve nos fones de ouvido o personagem te dizer que "à deriva como gelo no mar, enquanto, com a mente problemática, estou em declínio e percebo que o sol não mais brilhará sobre mim", é impossível não se cativar por tal poder presente na canção. Exagero ao dizer que dá para sentir as ondas de tal mar gelado? Talvez. Mas, no fundo, creio que não.

Norman Blake e Raymond McGinley: três décadas de parceria

Do mesmo modo, as mensagens diretas nas faixas seguintes, I'm More Inclined e Back In The Day, fazem o ouvinte perceber como a música pop é capaz de te embalar por momentos de introspecção (ou de perigosa nostalgia), mas sem deixar de te divertir. Afinal, é para isso que levantamos de manhã, não? Em algum momento do seu dia, você precisa sorrir. E sendo um ateu (ou a toa, como já fui chamado em mais uma fracassada tentativa citada lá no começo de fazerem sarcasmo rimar com sapiência), uma letra no qual o personagem diz que "não encontrou a religião e que nunca precisou dela" por ter colocado sua fé na pessoa que ama... bom, a música fala por si. O que é mais importante do que depositar a fé no amor concreto por alguém para além de qualquer foco em dogmas ou supostas vidas eternas? A vida é apenas uma. Faça-a valer.

E sobre o perigo de se idealizar e romantizar tempos passados, ao final de Back In The Day não surge uma solução para este processo de superar o que ficou para trás, desanuviando a angústia atual. Mas, do mesmo modo, você sorri por perceber a mensagem clara de identificação. E aprende a dar mais um passo à frente, ansiando por um futuro tão bonito quanto este passado que você idealiza.

Ainda dá para sorrir e renovar sua fé e energia positiva a partir do simples ato de colocar uma música nos fones de ouvido. E não é para isso que Música serve? Sim. E não há cinismo, sarcasmo ou menosprezo que tire a verdade disso. Ainda bem.

ENDLESS ARCADE /  TEENAGE FANCLUB
MERGE RECORDS /
VINIL (IMPORTADO) R$230,00  / CD (IMPORTADO) R$110,00 /
DISPONÍVEL EM PLATAFORMAS DE STREAMING


 *Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 08/05/2021


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