quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack

(Room) Direção: Lenny Abrahamson. Com Brie Larson, Jacob Tremblay, Joan Allen, William H. Macy, Sean Bridges.



Por João Paulo Barreto

De dentro do quarto, o garotinho olha pela claraboia sem ter nenhuma ideia do que aquilo representa. É apenas a luz do sol a iluminar o seu mundo. Sim, todo o seu mundo representado por aquele cubículo que é tudo o que ele conhece em seus cinco anos de vida.

Analisar O Quarto de Jack como uma experiência cinematográfica a partir de suas técnicas de representação daquele ambiente, no qual a direção de arte e a montagem conseguem a proeza de transformar o minúsculo lugar em todo o universo de uma criança, é um modo pertinente de penetrar naquela história.

Mas, diferente do pequeno Jack, sua mãe, Joy, colocada ali à força e obrigada a criar aquela fantasia para o bem de seu filho, a claustrofobia é inevitável. E, paradoxalmente, o espectador consegue perceber e discernir as duas “visões de mundo” que aquele ambiente apresenta. Conseguimos nos sentir claustrofóbicos pela óptica materna e esperançosos pela infantil.

O mundo de Jack e cativeiro de Joy
No território técnico, esse é o primeiro grande acerto de Room, novo filme de Lenny Abrahamson (do enigmático Frank), algo que torna a inicial apresentação do longa menos desconfortável para o espectador que é colocado, também, dentro daquele cubículo e é levado a experimentar, mesmo que em pequena escala, a mesma sensação dos seus personagens.  

Não há muito para se conhecer naquele ambiente, de fato. No entanto, somos surpreendidos a cada nova camada que o lugar parece apresentar. Isso, claro, quando o estamos vendo a partir da experiência de Jack, que costuma dar bom dia às poucas peças de mobília como se fossem seus amigos e brinca com um cachorro que só existe em sua mente.

Com seus cabelos longos, olhos curiosos e voz sempre inquiridora, o pequenino descobre a cada dia algo novo, dentro da fantasia que sua mãe precisou criar para que a vida do garotinho não se tornasse tão insuportável quanto a sua. E descobrindo cada nuance do seu planeta, Jack (uma atuação surpreendente de Jacob Tremblay) completa cinco anos de idade achando se tratar aquela sua realidade. 

Joy tornando aquele mundo mais palatável para Jack
Ao gritar para pedir ajuda, Joy diz ao garoto estar chamando por alienígenas. Ao se referir a TV, diz se tratar de mágica, do mesmo modo a origem da comida que o seu captor costuma trazer, momentos estes em que Jack precisa ser colocado dentro do armário para não ter contato com o psicopata.

De inicio, Room trata-se justamente do modo como somos levados àquele ambiente. É somente em seu segundo ato que percebemos o quão ainda mais profundo é o roteiro de Emma Donoghue, baseado no seu próprio livro. Não é segredo que ambos conseguem escapar de seu cativeiro. Mas é no retorno ao mundo real que está a verdadeira força da obra. No quão frágil aparenta ser a criança em relação a sua mãe, mas é justamente nele que estará a readaptação à nova realidade de ambos.

Seja no reencontro familiar, com um inesperado confronto por parte do avô (William H. Macy em um papel pequeno, mas tocante) e no modo como vemos Jack entrar gradativamente em contato com todas aquelas descobertas, o segundo ato e conclusão de Room traz uma análise do fato de que sair do cubículo parece ter sido somente uma ação física por parte de Joy (Brie Larson), mas que ela ainda se vê presa àquele quarto. Como em Alice no País das Maravilhas, livro que a garota lia para seu filho, as fronteiras que ambos precisam atravessar mesclam-se bastante às da sanidade. Afinal, para estar dentro daquele mundo (o real e o do quarto) é preciso ser um pouco louco.

Rotina criada em torno de Jack
Na tentativa de Joy pela sua volta, percebemos seu esforço quase vão neste intento. Após nos habituarmos com sua aparência pálida, o choque de a vermos maquiada e em roupas elegantes na cruel entrevista concedida a um canal de TV, demonstra bem o contraste e a longa caminhada que ela terá que seguir naquele retorno. O poder para voltar estará, curiosamente, naquele que ela protegeu.

No corte das longas madeixas de Jack, algo que oportunamente Joy usava para representar a força da criança em sua imprescindível fantasia, denota-se que ela pertencia de forma integral a ele. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário