sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Regresso

(The Revenant, EUA, 2015) Direção: Alejandro Iñárritu. Com Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Domhnall Gleeson, Will Poulter, Forrest Goodluck. 


Por João Paulo Barreto

Muito mais do que julgar a obra pelos notórios aspectos de sua criação, no qual um intenso processo de captação foi posto em prática em uma terra selvagem com temperaturas excruciantemente baixas e condições de luz quase nulas (aqui, belamente captadas pelo diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki), O Regresso, novo trabalho de Alejandro Iñárritu, apresenta em seu resultado justamente a provação que aqueles homens tiveram que passar na construção sua fílmica. Ao final, percebe-se que, muito mais do que um esquema de publicidade na divulgação do longa, sua execução encontra todo respaldo de qualidade no resultado entregue.

Na história dos homens contratados para retirar peles de animais selvagens para confecção de casacos ao exército no norte dos Estados Unidos do começo do século XIX, encontra-se justamente um retrato não somente daquela época no que tange à exploração de terras indígenas, mas de algo cuja reparação se estende obrigatoriamente até os dias de hoje. E Iñárritu insere essa discussão em seu roteiro, escrito em parceria com Mark L. Smith e baseado em parte no livro de Michael Punke, de modo a tornar a necessidade de diálogo acerca do assunto ainda mais relevante.


Fitzgerald e Glass: antes da vingança
Hugh Glass (DiCaprio) é um dos caçadores do grupo e líder guia nas terras inóspitas onde índios selvagens fazem valer o controle do seu território matando todo e qualquer homem que não faça parte do seu grupo. Em seu histórico, Glass, que já foi casado com uma índia e com quem teve um filho que hoje o acompanha, possui problemas relacionados a preconceito e racismo sofrido por ele e por seu rebento, a quem salvou no passado ao defender sua família de um ataque militar à tribo com quem vivia. 

No seu atual grupo, John Fitzgerald (Hardy), cujo nome carrega uma ironia fina no que se refere à exploração estadunidense dos territórios indígenas, é o único a não esconder seu racismo perante o jovem filho de Glass. A relação dos dois homens é o que pautará toda a história do filme, colocando-os em extremos opostos onde a vingança norteará a trajetória de ambos. Gravemente ferido após sobreviver ao ataque de um urso, Glass é deixado sob os cuidados de seu filho e de Bridger, outro rapaz fiel ao homem, bem como de Fitzgerald, cuja vontade declarada seria terminar o sofrimento do colega desde o inicio. 

Glass e sua frágil relação pai e filho com um rebento de origem indígena 
Ao agir por conta própria e enganando o jovem Bridger no processo, Fitzgerald deixa Glass em uma cova rasa e segue seu caminho no intuito de recolher a recompensa por ter ficado como responsável pelo moribundo. Neste ponto é quando percebemos a real força motriz do filme. Claro, a vingança já havia sido descrita como sendo sua linha de narrativa desde a primeira descrição do projeto. Mas vê-la representada na força de vontade de um homem que consegue deixar a própria cova para se vingar daquele que destruiu sua família torna a experiência de O Regresso válida como meio de reflexão relacionado à resiliência do individuo.

E é justamente disso que o longa trata. Desde a sequência impressionante da luta do protagonista contra o urso (mesmo que em seu último segundo, deixe escapar seu CGI), ao momento no qual Glass precisa se aquecer utilizando do modo menos convencional encontrado: é a força de vontade regida pelo desejo de vingança que o norteia.

Em seu belo simbolismo final, no qual a fala de um personagem crucial para a sobrevivência de Glass em seu infernal retorno é proferida novamente, entendemos de quem é a vingança mais necessária e urgente no tema central de O Regresso. Mais propriamente, a qual povo ela pertence.

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