(Wonder Woman, EUA, 2017) Direção: Patty
Jenkins. Com Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Connie Nielsen, Ewen Bremner.
Por João
Paulo Barreto
Lembro-me que, mesmo ainda criança, sem um pensamento
crítico formado e facilmente suscetível às manipulações emocionais dos filmes,
uma frase proferida por Christopher Reeve na sua encarnação definitiva de
Kal-El, em Superman II, de 1980, me
marcou bastante quando o assisti em meados da mesma década. Nesta cena
específica, após constatar a destruição sádica e assassinatos cometidos pelo
general Zod, vivido por Terence Stamp, o herói diz, em um sentimento de dor, “pare, não faça isso com as pessoas.”
Isso definia bem o espírito da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster, que no
saudoso Reeve encontrara sua face eterna.
Sentimento semelhante voltou a acontecer, mas, claro, em uma
situação que tendia inicialmente para uma análise crítica mais fria, que
buscava se prender mais a um distanciamento analítico e menos a uma influência
emocional. Mas, confesso, foi inevitável experimentar algo que remetia àquela
mágica sensação que o longa de Richard Donner me causou há quase trinta anos.
A heroína durante a invasão à terra de ninguém |
“Eu escolho acreditar
no amor.” Essa é a frase proferida pela heroína no clímax do filme. Por
mais que venha a soar como uma novela do horário das sete e com dublagem, essa
linha de diálogo, dita no momento em que o filme nos apresenta, é o que define
a criação da protagonista e sua trajetória até aquele momento. Ao subir dos
créditos, Mulher Maravilha deixa-nos
com a sensação de ser um filme não de ação descerebrado, calcado apenas em
sequências explosivas (ainda bem que Snyder não dirigiu), mas, sim, uma obra
sensível em uma mensagem antibélica, e que, finalmente, traz uma super heroína como
papel principal.
E que papel! Desde seu desenvolvimento inicial, o roteiro de
Allan Heinberg demonstra um cuidado criterioso na apresentação da personagem e
no ambiente em que a mesma surge. Um dos pontos de acerto está no modo dinâmico
e econômico como toda a introdução na paradisíaca Themyscira consegue dar conta
de exibir a trajetória de Diana, desde sua infância (acerto incrível na escolha
da atriz mirim, inclusive) e adolescência, até seu ponto de ruptura, quando
precisa deixar o local para conter a ira do deus da guerra, Ares. Sobre a ilha,
impressiona o desenho de produção, bem como a direção de arte, conseguindo recriar
uma ambientação das lendas gregas de modo a inserir o espectador na trama e na
existência do local até aquele ponto, com uma bela utilização de frames animados
para nos contar aquela história.
Rainha Hippolyta e sua presença de autoridade |
Sem contar a própria caracterização das personagens
femininas do lugar, com destaque para Robin Wright e Connie Nielsen, que conseguem
colocar a postura centrada de suas decisões pragmáticas e militares de modo a
conter seu emocional. E está na presença de Nielsen um dos mais belos momentos,
quando se despede da filha que parte para a guerra. Nada mais humano e doloroso
quando milhares morrem lutando em terras estrangeiras muitas vezes em nome de
tiranos, e tudo o que deixam para trás com suas mães é saudade. Ver isso numa
deusa soma ainda mais para o filme.
Ainda em Themyscira, as sequências de treinamento, bem como
o embate entre soldados armados e arqueiras em cavalos são um aperitivo para o
que veremos na principal batalha de guerra, quando Diana encara a terra de
ninguém entre as trincheiras aliadas e as linhas inimigas na Primeira Guerra
Mundial, ou quando utiliza o laço dourado como um elemento visualmente incrível nas cenas de luta. Indefectível ao unir os efeitos sonoros com as cenas explosivas de
ação, juntamente com uma trilha deveras eficiente (sendo esse desequilíbrio de
elementos técnicos um dos problemas mais gritantes em Batman Vs. Superman), o filme de Patty Jenkins consegue imprimir
marcas reconhecíveis em suas opções de enquadramentos, como quando vemos o mesmo
artifício de exibir a imagem lateralmente invertida na fuga de dos personagens
pilotando um avião ou quando vemos Diana cavalgar adentrando em uma floresta.
Steve Trevor resgatado da morte por uma deusa |
Caprichando no humor ao discutir as questões femininas em
relação ao personagem de Chris Pine, bem como na química entre o elenco secundário
encabeçado por um sempre bem vindo e hilário Ewen Bremner (o eterno Spud, de Trainspotting), Mulher Maravilha consegue, ainda, a proeza de desenvolver um vilão
cujas motivações possuem uma profundidade incomum em filmes baseados em
histórias em quadrinhos.
Com sua argumentação relacionada ao fato de que,
apesar de ser o deus da guerra, Ares se exime da culpa pela natureza bélica do
mundo de uma forma tão pertinente que fica difícil discordar de suas ideias. Ao
fazê-lo, ele culpa justamente o ser humano, provando o embasamento calcado no
real e proposto pelo roteiro, algo que, convenhamos, desde a versão do Coringa
de Heath Ledger não se via em um vilão.
Com um final que coloca uma discreta sugestão que insere a
heroína na luta contra o terrorismo (no caso, em Paris), Mulher Maravilha mostra que é possível, sim, uma super heroína como
protagonista. Após tantas versões do Batman ou do Super, já estava na hora do
cinema dar uma chance a um ícone feminino dos quadrinhos clássicos.
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