Por João Paulo Barreto
Selton
Mello, a partir do livro de Antonio Skarmeta, mesmo autor de O Carteiro e o Poeta, constrói, aqui, uma
bela ode à nostalgia. A um período das nossas vidas em que as transições
definitivas que nos confirmam com adultos deixam marcas, às vezes cicatrizes,
às vezes sensações boas, mas sempre algo que passa a significar para a pessoa
uma espécie de Porto Seguro, um campo de refúgio em momentos onde qualquer conforto,
ainda que mínimo, trará algum tipo de alívio para o peso que, invariavelmente,
venhamos a carregar. Essas percepções de O
Filme da Minha Vida, porém, são colocadas na tela não de modo fácil, gratuitamente
apelativo ou manipulador das emoções do espectador. Essa sensação de conforto é
algo que o diretor permite ao público experimentar de modo subliminar, mas,
quando este percebe, é difícil não se deixar levar.
Trata-se de
uma obra que analisa a relação de, ao mesmo tempo, dependência afetiva e de perda
das amarras que mantêm um jovem ligado à memória de seu pai ausente.Tony é,
para quem presencia sua história, justamente o elo de ligação com aquele
passado de descobertas. Sua dependência afetiva vem do vazio e curiosidade em
saber o destino do seu velho. A perda das amarras vem da inevitável mudança que
a juventude e as experiências da vida lhe trazem, algo que suavemente reduz,
mas não encerra, aquela angústia pela perda de seu ídolo. Tal dor está sempre
lá. Ainda que o mundo ao seu redor possa distraí-lo e trazer-lhe sua cota de prazeres,
sorrisos e coisas novas, Tony sempre retorna ao ponto de sua angústia.
As lembranças de uma infância a consolidar o caráter de um adulto |
Situado em
algum momento dos anos 1960, em um local geograficamente pacato e bucólico da
região sul do Brasil, o roteiro de Mello e Marcelo Vindicato insere elementos
que nos remetem a essa sensação de refúgio que somente a memória parece
alcançar em termos de sensações e conforto, algo que a fotografia confortadora de
Walter Carvalho, que torna o calor dos espaços ainda mais aconchegante,
salienta bastante. O rádio como principal fonte de informação; as lutas de boxe
do campeão Eder Jofre a nos localizar nesta linha temporal (e a criar uma
eficiente rima visual em certo aspecto violento visto no desfecho da trama); a Maria
Fumaça a ligar a cidade com a fronteira do país; as latas de películas
cinematográficas levadas pelo maquinista para o cinema da região que exibe Rio Vermelho, do Howard Hawks, sendo esta uma eficiente alusão à relação do protagonista com seu pai; a figura
mítica do próprio maquinista, vivido pelo lendário Rolando Boldrin, ele mesmo,
para muitos espectadores, incluindo eu, um símbolo precioso dessa sensação
nostálgica; os jingles de rádio sendo cantarolados por dois personagens durante
o café da manhã, sendo esta cena uma das mais eficientes em sua simplicidade
para exibir essa mesma sensação. Sutileza e delicadeza são as palavras-chaves
destes momentos que nos levam a uma busca de nossas próprias memórias.
A descoberta lúdica da paixão |
Ao mesmo
tempo, é um filme que se permite ser lúdico, que se permite ser calcado no
sonho para ilustrar as sensações de seu protagonista, como no momento em que este,
ao som da ópera Carmen, literalmente
flutua em direção às paixões amorosas que a vida lhe traz. Johnny Massaro, no
papel de Tony, com seu olhar perdido e rosto amedrontado, se adéqua bem à
presença de seu personagem, alguém cuja vida parece intimidá-lo até certo
ponto. O momento de quebra, no entanto, não tarda a acontecer. Em seu rito de
passagem para o que finalmente encara como sendo a vida adulta, além da
percepção da malicia de alguns que o cercam, está o entendimento de que, muitas
vezes, a fuga, apesar de uma solução emergencial, não é sempre o caminho mais
seguro. A dor, porém, lhe ensina a perceber isso. Mas desta mesma dor surge a
serenidade de perceber que os erros de quem ele ama podem ser perdoados.
Registro de uma época mais simples de ser vivda |
Na passagem
dos anos, redenção é o que muitos parecem buscar. Para Tony, ver as próprias
descobertas como homem se confundirem com as descobertas dos erros de quem ele
enxergava como herói, é a percepção clara do ponto de consolidação de seu
caráter. Voltar àqueles dias lúdicos é algo que o confortará para sempre. E
quem não confortaria?
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