Por Trás do Céu, trabalho
vencedor do prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular na edição do anos passado
do CinePE, mais do que uma obra dentre as tantas que buscam representar um
suposto universo fantástico existente no sertão nordestino, é um estudo
pertinente do ser humano em relação aos seus traumas. Assistir ao filme de Caio
Sóh é um exercício de análise do modo como a fuga e a busca do esquecimento de
uma dor podem vir a proteger o individuo de impactos psicológicos ainda mais
severos do que os que já se abateram sobre ele.
No longa, Aparecida (Nathalia Dill) e Edivaldo (Emílio
Orciollo Netto) levam a vida em lavouras, cortando palma para alimentar o gado.
A notícia da chegada do primeiro filho é recebida com susto e alegria. A
comemoração é com rimas de repentistas. Entretanto, os traumas da violência, da
dor e da perda não tardam a chegar. A fuga dos dois personagens centrais é
tanto física quanto mental, principalmente para Aparecida, que em um novo mundo,
esconde seu martírio em situações escapistas.
Aparecida (Nathalia Dill): Traumas do passado escondidos em sua ingenuidade |
A tal fuga os leva a um estado de inércia, no qual a
fantasia mental da mulher só não é tão presente quanto a sede de vingança do
marido. Ela parece já ter se desligado do seu passado tenebroso, abraçando no
processo não um futuro que possa se apresentar, mas uma realidade onírica, na
qual a dor é suplantada, substituindo-a por questionamentos que beiram o
infantil. Edivaldo, porém, ainda mantém vivo o sentimento de ódio por aqueles
que o fizeram seguir naquela nova jornada. É justamente isso que o faz olhar
para frente, mas sem esquecer o se passou.
Em visita a Salvador para divulgar o filme, Emílio Orciollo
Netto afirma que “o que Por Trás do Céu
propõe é um diálogo entre esse mundo fantástico, onírico e sonhador com o mundo
realista. Com o mundo duro da realidade, do dia a dia.” Para o ator, é um filme
que aborda uma dicotomia. “A gente encontra estes dois mundos. Que é o da
Aparecida, o do sonho, e o do Edvaldo, que é o mundo da terra, do trabalho, do
dia a dia”, observa.
Edvaldo (Orciollo Netto): Aspereza e tristeza para esconder a dor da perda |
O diretor Caio Sóh, em seu roteiro, constrói personagens que
seguem lutando contra a realidade que os cercam. É um filme que aborda a
amargura, mas sem esquecer-se das inserções cômicas, como as do ladrão de cenas
Micuim, vivido por um inspirado Renato Góes. Em um cenário folclórico, repleto
de elementos estilizados, que vão desde asas em uma tartaruga, passando pelo
figurino quase apocalíptico do personagem de Edivaldo, Sóh cria uma fábula
descompromissada com o real, mas que cria reflexões centradas no palpável. Para
o Orciollo Netto, “o filme tem um compromisso
com o sertão do sonho, do lúdico. Não se trata de um documentário que fala
sobre a miséria no nordeste ou sobre as dificuldades de uma família. Ele é
sobre um encontro, no qual se misturam estas estéticas do onírico, do mundo
fantástico.”
Aparecida, em sua doçura e ingenuidade, parece ter a
dolorosa trajetória de sua vida como um borrão de memória. Borrão esse que é
obliterado justamente pelo modo quase infantil como a vida, agora, se apresenta
aos seus olhos. No entanto, tal secura e fel da realidade não tardarão a
fazê-la perceber o quão duro pode ser o mundo fora de todo aquele lirismo. E é
deveras doloroso vê-la assumir a postura de amargura diante de um novo golpe
que esta mesma vida lhe causa.
Emílio Orciollo Netto em visita a Salvador para divulgação |
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