(Reino Unido, 2016) Direção: Benedict Andrews. Com Rooney Mara, Ben Mendelsohn, Riz
Ahmed.
Por João
Paulo Barreto
Há em Una, estreia
no cinema do diretor Benedict Andrews, uma coragem semelhante à de Kubrick e a
de Lars Von Trier. Enquanto o primeiro levou a obra de Nabokov ao cinema de
modo a analisar o pedófilo Prof. Humbert adentrando em sua mente e observando
suas fraquezas e tentações a partir de sua própria óptica (seja ela doentia ou
não, definição que o filme não aprofunda), Von Trier inseriu na parte dois de
sua obra essencial, Ninfomaníaca, uma
cena na qual a protagonista disseca um também pedófilo através do sofrimento
que ela acredita que o mesmo deva sentir na necessidade de dar vazão aos seus
desejos criminosos.
Na obra de Andrews, cujo roteiro se baseia na peça escrita
por David Harrower e adaptada aqui pelo próprio, tal julgamento, entretanto, é
feito pelos dois lados. Não somente por uma óptica unilateral da vitima ou do
perpetrador, ou de uma análise estritamente externa. Este acaba sendo o grande
acerto da produção.
A proposta inicial de discussão do filme é analisar os
traumas a partir da posição da vítima, que teve não somente seu corpo, mas
sentimentos amorosos corrompidos aos 13 anos de idade. A protagonista título,
seduzida por um homem mais velho, leva aquela cicatriz de forma solitária e
conturbada até a fase adulta. É quando
finalmente decide confrontá-lo para, ao menos, compartilhar todo o sofrimento e
trauma psicológico que sofreu não somente pela sedução, mas por ter sido
abandonada física e afetivamente por aquele por quem se apaixonara e com quem
teve sua primeira experiência sexual.
Una reencontra Ray após anos de traumas reprimidos |
De um modo positivo da palavra, trata-se de um filme
expositivo. Durante os noventa minutos de duração, vemos o reencontro dos dois depois
de anos do ocorrido. Dali, descrições de sentimentos virão à tona de modo
explosivo, com Una se abrindo pela primeira vez para alguém desde o momento em
que percebeu que teve sua infância roubada. O fato da única pessoa que ela
encontra para confiar aqueles sentimentos traumáticos ser justamente o homem
que os causou, denota bastante da solidão sofrida pela jovem. Solidão não
somente física, mas mental (“Você não faz
nem ideia”, diz a jovem para sua mãe, denotando justamente sua solidão em
todo aquele processo). Incapaz de sentir e de se relacionar, a personagem vivida
por uma excelente Rooney Mara, responde com negativas a questionamentos sobre
ter um namorado, busca fugas em transas casuais com estranhos e chora durante o
sexo com alguém diretamente ligado ao seu primeiro amor.
Do lado de lá, está a presença de Ray, ou Peter, como é
conhecido socialmente nos dias atuais, após quatro anos de reclusão e buscando
fugir de seu passado criminoso. Na evolução de seu roteiro, Harrower opta por
colocá-lo não em uma presença predatória ou exclusivamente doentia, mas em um
estado de confusão mental e insegurança quanto aos seus sentimentos que, apesar
de não justificar de modo algum suas atitudes, ao menos o insere dentro de uma
categoria de personagem longe de clichês vilanescos ou construções unidimensionais.
Trata-se de um homem que cometeu um crime grave ao dar vazão a um sentimento absurdo,
mas que cometeu ato tão brutal quanto quando não pôde (ou foi impedido por circunstâncias
fora de seu controle, como o filme exibe) demonstrar o quão importante Una era
para sua vida, criando para a então adolescente uma ilusão ainda mais áspera.
Ray diante da vazão de um sentimento criminoso |
Trata-se, entretanto, de uma obra cuja dissecação foca na
perda sofrida pela sua protagonista. Presa a um sentimento e a ações que lhes
foram apresentados de modo precoce, a infância que lhe foi extirpada e a face
adulta que lhe é imposta acabam por machucá-la de modo irremediável. E enquanto
Ray conseguiu uma nova vida e um novo nome para enterrar os seus erros do
passado, sua vítima ficou presa àquele período. “Tenho o mesmo nome desde sempre. Vivo na mesma casa e sou julgada pelos
mesmos vizinhos daquela época”, explica a jovem em meio ao desespero de sua
dor.
Diferente de Paulina, obra
de 2015 cujo desserviço para a sociedade é óbvio em seu discurso masculino
acerca da submissão da vítima diante de criminosos supostamente criados por um
meio e que têm nisso uma pretensa justificativa para seus atos monstruosos, Una oferece uma discussão mais rica em
seu resultado final.
É um filme que não escolhe lados, preferindo dar ao
espectador uma opção de conhecer as duas faces daquela história. Mas,
felizmente, salienta que para o lado mais fraco daquela balança, a dilaceração
psicológica foi bem mais intensa e que, por isso, seu perpetrador não necessita
de comoção por parte do público, mas, sim, de seu desprezo.
Curti a crítica. Parabéns pelo texto. Me convenceu. vou ver!! Abração.
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