A urgência do cinema feito por Henrique Dantas não é algo a
se negligenciar. Realizado antes de A Noite
Escura da Alma, único documentário a abordar os mandos e desmandos
políticos do clã Peixoto de Magalhães, bem como as barbáries causadas na Bahia
pelos militares a partir do golpe de 1964, em Sinais de Cinza, sua lente volta para um individuo único. Alguém
cuja trajetória ceifada de modo tão brutal nos privou de um cinema feito com
afinco, coragem e contestação. A Peleja
de Olney contra o Dragão da Maldade é uma obra que nos leva a refletir
acerca da importância do resgate da memória, acerca da valorização do que é
nosso em termos culturais e, o mais importante, nos alerta que não é tarde
(ainda) para que esta mesma memória do cinema brasileiro possa ser conservada.
Aqui, o foco de
Dantas está na curta e traumática trajetória de vida do cineasta Olney São Paulo,
diretor acusado de subversivo pelo regime por conta da obra Manhã Cinzenta, supostamente exibida
durante um voo sequestrado e desviado para Cuba por rebeldes contra intervenção
militar no Brasil. Foi preso, torturado e, mesmo após ter sido solto pela quadrilha
da ditadura, continuou perseguido física e psicologicamente pelos vermes do
regime, algo que afetaria sua saúde de modo irremediável e o levaria a morrer
em 1978, aos 41 anos de idade. Através
de depoimentos de figuras como Nelson Pereira dos Santos, Silvio Tendler, Luiz
Paulino dos Santos, Helena Ignez, dentre outros, além dos filhos de Olney,
Maria Pilar, Ilya São Paulo e Olney Júnior, o longa aborda a história do
realizador através da força de sua própria obra.
A lenda viva Luiz Paulino é um dos entrevistados no projeto |
É a partir das palavras daqueles ligados a Olney e das
imagens de seus filmes projetados nas paredes de casas do sertão que sua
narrativa de resistência é apresentada ao espectador. São longas como Grito da Terra, de 1964, no qual vemos um
levante de lavradores famintos que atacam sacas de farinha. Obra marcante na
filmografia baiana, além de ser um dos primeiros trabalhos do período a trazer
personagens femininas distantes de uma postura subjugada; O Forte, que, baseado na obra de Adonias Filho, apresenta, através
de uma ficção, um registro histórico do monumento do forte de São Marcelo; e Ciganos do Nordeste, filme que aborda a
saga dos andarilhos em solo sertanejo.
Mas, além do resgate das imagens da obra de Olney, a força
do registro realizado por Henrique Dantas está, também, nos depoimentos
captados em sua pesquisa. Principalmente no registro das falas dos filhos do
diretor, Ilya, Olney Jr. e Pilar. Há um peso nas palavras daquelas pessoas. Um
peso que se mescla entre a frustração, a inércia e a tristeza, algo que Dantas
capta sem oportunismo, mas com um senso de respeito pela dor daquelas pessoas,
cujo sofrimento ainda teve um novo revés com a perda do irmão, Irving São Paulo,
em 2006.
Nelsão definindo bem a presença cinematográfica de Olney |
Quando vemos Olney Jr. cantar Robert Johnson, além de uma versão
de Wish you Were Here, do Pink Floyd,
percebemos que o poeta encontra ali seu modo particular de denotar a vontade de
ter crescido ao lado de pai. Algo que vemos, também, nas lágrimas de Pilar ao
lembrar tanto de Olney quanto do irmão Irving, e na fala dura e contundente de
Ilya, que não se permite abater ao demonstrar de modo às vezes áspero, mas sem
se deixar amargurar pela frustração, como se sente em relação à perda de seu
velho.
Trata-se de um documentário que ousa. Um filme que traz em
sua construção visual um modo bem sucedido de captar a energia do legado fílmico
de Olney.
E, além disso, traz um alerta para que não se perca este
legado, que se encontra abandonado e carecendo de restauro e conservação..
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