quinta-feira, 20 de abril de 2017

Sinais de Cinza - A Peleja de Olney contra o Dragão da Maldade

(Brasil, 2015) Direção: Henrique Dantas. Com depoimentos de Nelson Pereira dos Santos, Ilua São Paulo, Pilar São Paulo, Olney Saão Paulo Jr., Luiz Paulino, Helena Ignez, dentre outros.


Por João Paulo Barreto

A urgência do cinema feito por Henrique Dantas não é algo a se negligenciar. Realizado antes de A Noite Escura da Alma, único documentário a abordar os mandos e desmandos políticos do clã Peixoto de Magalhães, bem como as barbáries causadas na Bahia pelos militares a partir do golpe de 1964, em Sinais de Cinza, sua lente volta para um individuo único. Alguém cuja trajetória ceifada de modo tão brutal nos privou de um cinema feito com afinco, coragem e contestação. A Peleja de Olney contra o Dragão da Maldade é uma obra que nos leva a refletir acerca da importância do resgate da memória, acerca da valorização do que é nosso em termos culturais e, o mais importante, nos alerta que não é tarde (ainda) para que esta mesma memória do cinema brasileiro possa ser conservada.

Aqui, o foco de Dantas está na curta e traumática trajetória de vida do cineasta Olney São Paulo, diretor acusado de subversivo pelo regime por conta da obra Manhã Cinzenta, supostamente exibida durante um voo sequestrado e desviado para Cuba por rebeldes contra intervenção militar no Brasil. Foi preso, torturado e, mesmo após ter sido solto pela quadrilha da ditadura, continuou perseguido física e psicologicamente pelos vermes do regime, algo que afetaria sua saúde de modo irremediável e o levaria a morrer em 1978, aos 41 anos de idade.  Através de depoimentos de figuras como Nelson Pereira dos Santos, Silvio Tendler, Luiz Paulino dos Santos, Helena Ignez, dentre outros, além dos filhos de Olney, Maria Pilar, Ilya São Paulo e Olney Júnior, o longa aborda a história do realizador através da força de sua própria obra.

A lenda viva Luiz Paulino é um dos entrevistados no projeto
É a partir das palavras daqueles ligados a Olney e das imagens de seus filmes projetados nas paredes de casas do sertão que sua narrativa de resistência é apresentada ao espectador. São longas como Grito da Terra, de 1964, no qual vemos um levante de lavradores famintos que atacam sacas de farinha. Obra marcante na filmografia baiana, além de ser um dos primeiros trabalhos do período a trazer personagens femininas distantes de uma postura subjugada; O Forte, que, baseado na obra de Adonias Filho, apresenta, através de uma ficção, um registro histórico do monumento do forte de São Marcelo; e Ciganos do Nordeste, filme que aborda a saga dos andarilhos em solo sertanejo.

Mas, além do resgate das imagens da obra de Olney, a força do registro realizado por Henrique Dantas está, também, nos depoimentos captados em sua pesquisa. Principalmente no registro das falas dos filhos do diretor, Ilya, Olney Jr. e Pilar. Há um peso nas palavras daquelas pessoas. Um peso que se mescla entre a frustração, a inércia e a tristeza, algo que Dantas capta sem oportunismo, mas com um senso de respeito pela dor daquelas pessoas, cujo sofrimento ainda teve um novo revés com a perda do irmão, Irving São Paulo, em 2006.

Nelsão definindo bem a presença cinematográfica de Olney
Quando vemos Olney Jr. cantar Robert Johnson, além de uma versão de Wish you Were Here, do Pink Floyd, percebemos que o poeta encontra ali seu modo particular de denotar a vontade de ter crescido ao lado de pai. Algo que vemos, também, nas lágrimas de Pilar ao lembrar tanto de Olney quanto do irmão Irving, e na fala dura e contundente de Ilya, que não se permite abater ao demonstrar de modo às vezes áspero, mas sem se deixar amargurar pela frustração, como se sente em relação à perda de seu velho.

Trata-se de um documentário que ousa. Um filme que traz em sua construção visual um modo bem sucedido de captar a energia do legado fílmico de Olney.

E, além disso, traz um alerta para que não se perca este legado, que se encontra abandonado e carecendo de restauro e conservação..


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