(Get Out!, EUA, 2017) Direção: Jordan
Peele. Com Daniel Kaluuya, Alison Williams, Bradley Whitford, Catherine Keener,
LilRel Howery.
Por João Paulo Barreto
É surpreendente observar como scripts inventivos ainda podem
surgir em uma indústria tão combalida e carente de boas ideias. Sair de uma
sessão como a de Corra!, filme de
estreia do diretor e roteirista Jordan Peele, dá ao cinéfilo uma sensação de
alívio e felicidade por poder se perceber diante de um trabalho realmente
original e recompensador para seu público.
Em Corra!, tal
originalidade, entretanto, não se apresenta ao espectador somente no aspecto diversão
e risadas (que o filme tem de sobra, friso), mas, também, no aspecto reflexão.
É uma prova de que é possível unir os dois tipos de serviços, sem a necessidade
de abrir mão da inteligência e sagacidade de sua proposta no intuito de captar
apenas a simpatia de um público alvo, em geral adolescente que está no cinema
mais pela pipoca e refrigerante do que pela fruição fílmica em si. E isso,
infelizmente, é justamente o que vemos todos os anos na leva de produções descerebradas,
criadas para uma audiência preguiçosa intelectualmente, que não se percebe
estimulada e, por isso, não nota o mais do mesmo que lhe é oferecido.
Catherine Kenner faz sua mágica em Chris (Kaluuya) |
Mas, enfim, a proposta desse texto não é a lamentação por
conta da ladeira abaixo que o espectador de cinema vem descendo, mas, sim, tentar
transferir ao leitor a experiência que foi assistir a Corra! Trata-se de um longa que abrange diversos estilos em sua
proposta e em seu resultado final. Além de uma sagaz crítica ao racismo dentro
da sociedade norte americana, o filme de Peele funciona como comédia das mais
eficientes, uma vez que traz um coadjuvante inspirado e que, como de praxe em
diversos filmes, apresenta um ator negro a se destacar na comédia em detrimento
de seu protagonista. Porém, diferente de obras como Maquina Mortífera, Mensagem para Você, Um Espião e Meio, dentre
tantas, aqui a questão racial, pelo menos nesse sentido, não se aplica tanto. No
papel de Rod, LilRel Howery não surge como o personagem negro a servir de ponte
para a trajetória do herói. Dono das melhores falas, ficamos, ao final, na dúvida
em saber quem é o verdadeiro herói do filme.
Na história de Chris Washington (Kaluuya), um jovem e
talentoso fotografo negro que visita os pais da namorada branca, Peele consegue
inserir diversos elementos para um estudo da criação da racista e violenta
sociedade caucasiana estadunidense, que criou seus pilares dentro de um
desenvolvimento financeiro escravocrata e que tenta, até os dias atuais,
manter-se dentro desse mesmo estilo de vida que busca suplantar vidas de afrodescendentes,
seja de modo sanguinolento, como é constante observar nas ações violentas da
policia americana, ou em vias excludentes no âmbito econômico, cultural e
educacional. Tudo, claro, em prol do próprio conforto e segurança egoístas.
Entre predadores: Chris começando a notar algo de estranho ali |
E neste caminho, o roteiro do jovem realizador brinca com
diversos estilos, sendo o principal, além de comédia, o de filme de gênero, uma vez que
todo o mistério e tensão existentes por trás das excêntricas atitudes da
família que abraça de modo tão suspeito e entusiasmado o namorado da filha, consegue
criar para Corra! um eficiente clima
soturno, gerando no espectador uma constante apreensão até que o seu final, ao
mesmo tempo catártico e perfeito em sua justiça
poética, entrega a melhor redenção ao publico.
Em uma obra repleta de surpresas, não vale a pena adentrar
em descrições para alcançar limites de caracteres nessa crítica. Diante de
tamanha originalidade e fôlego recuperado diante de uma constante produção cinematográfica
em estado de looping, Corra! é uma
obra que, quanto menos você souber antes de mergulhar naquele universo, melhor.
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