(Song to Song, EUA, 2017) Direção: Terrence Malick. Com Michael Fassbender, Rooney Mara, Ryan Gosling, Natalie Portman.
Por João Paulo Barreto
Terrence Malick possui ao seu redor uma áurea de mistério. Pouco
fotografado ou visto em público, já é notório o fato de que, após dois filmaços
dirigidos na década de 1970 (Terra de
Ninguém e Cinzas no Paraíso), o
realizador entrou em um exílio cinematográfico.
Só voltou a dirigir vinte anos depois, em 1998, com Além da Linha Vermelha, uma poética e brilhante, porém não muito
unânime, visão da Segunda Guerra Mundial. Após isso, um novo hiato, dessa vez
mais breve (sete anos) e o diretor trouxe, em 2005, O Novo Mundo, sua versão live action da lenda de Pocahontas, que a
Disney já havia popularizado nos anos 1990.
Percebia-se, no entanto, que apesar de certo tom aventureiro
na adaptação, os vinte anos passados entre Days
of Heaven e The Thin Red Line
haviam mexido com o modo do diretor fazer cinema. As questões existencialistas
inseridas no filme bélico passaram a fazer parte de suas narrativas com cada
vez mais presença. Após o teor histórico da exploração branca para com o povo
nativo americano (filme que já trazia certo tom existencial em sua proposta),
Malick levou seis anos para criar sua mais simbólica obra após o drama de
guerra do final do século passado. Com A
Árvore da Vida, de 2011, o também
roteirista elevou os padrões para o que se pode chamar de cinema contemplativo,
criando uma profunda reflexão acerca da perda e sua relação com o que podemos
chamar evolução humana. Um trabalho que exige bastante do espectador, mas que,
ao seu final, sabe trazer uma pertinente reflexão acerca da função do cinema
como algo além do puro entretenimento.
O fato de que não foi abraçado por muita gente vai sem
dizer, apesar de indicações ao Oscar de melhor filme e diretor terem feito o
longa atrair bastante curiosidade. Mas, o mais importante, porém, é a percepção
de que ali o cineasta registrava uma marca de criação que tornariam seus filmes
identificáveis com poucos segundos de projeção. Os dramas individuais, as
angústias intimas, a dor oriunda da ansiedade, o medo às vezes infundado e vários
outros sentimentos comuns que atormentam as pessoas passariam a ser abordados
de forma crucial e essencialmente humana por Malick em seus roteiros.
Vida glamourosa, mas a sensação de vazio permanece |
Chega-se a 2017 e o diretor reúne em uma só história não
somente a já marcante percepção de análise comportamental dos indivíduos em
seus auto questionamentos, mas, também, acerta ao inseri-la em um contexto no
qual a música e a indústria por trás da falsa atmosfera glamourosa do showbizz
no rock and roll são colocadas como ponto de partida da suposta beleza a rodear
o mundo daqueles personagens. Trata-se de pessoas cujas vidas, repletas de
cores, sons e sorrisos disfarçam certo vazio que seus questionamentos tendem a
tornar evidentes. Entre belos semblantes, corpos e peles perfeitas, contas bancárias
recheadas e rotinas aparentemente de pura diversão, um incômodo constante
parece atormentá-los, e é justamente a ausência de uma definição para ele que
mais causa o conflito. É aí que reside a proposta de Terrence Malick.
Michael Fassbender, Rooney Mara e Ryan Goling formam aquele
triangulo composto por um empresário e dois músicos. Os últimos são artistas
apresentados a todo conforto concedido pelo sucesso comercial que o tino para
negócios do primeiro lhes traz. Entre viagens em jatos particulares, festas em
ostentosas casas, encontros com pesos pesados do rock, suas rotinas parecem
feitas apenas de deslumbramento, algo que a fotografia do premiado Emmanuel
Lubezki, com toda sua claridade exposta juntamente com a opção já marcante de
câmera fluída e os poucos cortes de Malick denotam de forma nítida diante do
espectador.
Mas, claro, aquelas vidas não são feitas somente de alegrias.
O recorte do envolvimento daquelas pessoas traz uma sensação de vazio. Quando a
personagem da garçonete vivida por Natalie Portman surge em cena (algo que
salienta ainda mais a ideia de que a beleza plástica proposta pelo filme em
seus personagens os tornam ainda menos alcançáveis ao público), a esperança de
que encontraremos alguém mais próximo de realidade não dura muito tempo, uma
vez que ela também é dragada para aquele universo. E o mais curioso é que tal
entrada acontece a partir de uma confissão feita pelo empresário Cook,
personagem de Fassbender, ao brincar (será?) que precisa dela, pois não pode
ser deixado sozinho. Precisamente essa sensação que o define durante todo o
longa.
Esse medo e essa fuga da solidão são os sentimentos que
melhor enquadram aquelas pessoas. Dentre os momentos mais marcantes a ilustrar
essa ideia de tentativa de escape, o encontro com a cantora Patti Smith quando
esta explica as razões de ainda usar sua aliança mesmo viúva, é um que
reverbera exatamente por ilustrar, ao espectador atento, a tragicidade que
envolverá um dos personagens apresentados. Dentre cobranças familiares em suas comparações,
exigências auto impostas na tentativa de se alcançar algo que se acredita ser a
felicidade, essa fuga é das apreensões que mais torturam aqueles indivíduos. E
não é o que nos atormenta a todos? É justamente disso que Malick busca tratar.
Bom texto.
ResponderExcluirperfeito
ResponderExcluir