domingo, 29 de dezembro de 2019

Cats


O público como gato escaldado


Constrangedor visual e dramaticamente, adaptação do musical Cats 
para as telas te dá vontade de ver a peça teatral

Por João Paulo Barreto


Qual a ideia de resultado plausível no que se refere a efeitos visuais que um filme quer transmitir (ou quiçá alcançar) quando coloca todo o seu elenco formado tanto por rostos conhecidos quanto por quase anônimos dentro de um artifício cujo resultado aplicativos de câmeras de celular conseguem construir melhor do que o exibido nos cinemas?

Dirigido por Tom Hopper e estrelado por diversos desses rostos, Cats, a adaptação para a telona do bem sucedido musical de teatro escrito por Andrew Lloyd Weber em 1981, nos faz sair do cinema com essa pergunta na cabeça. Não somente pela estranheza que cada uma das cenas leva à mente do espectador por conta de aspecto visual de sobreposição tosca de pelos de gato em rosto de atores, mas, também, por esse fato trazer a noção exata do quão não adaptável para o cinema aquela peça teatral é.

E tal estranheza não é apenas uma questão de gosto pessoal diante das imagens vistas. Em termos de utilizar o “estranho” e o “tosco” como atributos cinematográficos, nomes como o de Tim Burton, por exemplo, já fazem isso há muito tempo e encantam com resultados muito melhores que os de Hopper aqui. Não. O que acontece com Cats é justamente a ideia de tentar disfarçar através de sua não maquiagem uma proposta de live-action que simplesmente diminui qualquer impacto dramático que seu elenco (muito esforçadamente, saliento) tenta trazer à tona.

Aquele efeito básico de aplicativo engraçadinho de celular

BARATAS DANÇARINAS

Diferente da adaptação realizada em 1998, quando a própria peça teatral foi transposta para um projeto filmado pelo diretor David Mallet, com a presença de diversos atores que se juntaram ao elenco de bailarinos, a versão Cats de 2019 deixa de possuir qualquer razão em sua existência justamente por levar ao seu público a reflexão de que tal experiência, se vista em um palco de teatro, possivelmente alcançaria melhores resultados do que a que temos na sala de cinema.

Na história, a gata abandonada Victoria (Fancesca Hayward) encontra um grupo de gatos de rua que vivem no bando dos jellicle, felinos dançarinos e cantores liderados por Old Deuteronomy (Judi Dench) e que têm na boêmia e na glória dos velhos tempos representados por figuras como Gus - O Gato Teatral (Ian McKellen) e Bustopher Jones (James Corden) suas rotinas de ode à nostalgia.

As baratas dançarinas: constrangedor 

De número musical em número musical, vamos sendo apresentados a diversos personagens felinos e suas personalidades. A melhor delas está em James Corden, que sabe usar bem sua presença física rechonchuda como meio de comédia, e em Ian McKellen, que consegue, mesmo com seu rosto felino, trazer peso para a melancolia de seu personagem cujos dias de brilho desvanecem.

Mas o que fica na memória, de fato, são os momentos de constrangimento alheio, como quando um grupo de ratos e baratas humanóides dançam (e são degustadas) para a gata vivida por Rebel Wilson. É neste ponto em que o público, diante daquela tentativa preguiçosa de se fazer comédia, percebe o desastre daquele projeto e seu fracasso ao tentar empreender qualquer gag visual que cause alguma graça.

E desanima ver o esforço gigante (e não recompensado) de uma atriz e cantora de tamanho talento quanto Jennifer Hudson, que até tenta inserir peso em sua personagem combalida pela rejeição e fracasso, mas acaba por perder-se em uma expressão constante de tristeza que se embaça no efeito felino de seu rosto. Ao menos na sua voz marcante durante o número musical, um vislumbre desse talento.

Mas aí já é tarde demais. A lembrança das baratas humanóides cantando, dançando e alimentando gatos já nos marcou.

*Texto originalmente publicado no jornal A Tarde, dia 30/12/2019

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