(EUA, 2017)
Direção: Rupert Sanders. Com Scarlett Johansson, Pilou Asbæk, Takeshi Kitano,
Juliette Binoche, Michael Pitt.
Por João
Paulo Barreto
O desafio aqui é falar de Ghost in the Shell, versão
live action, sem cair na armadilha raivosa de criticar a escolha do elenco
norte americano para viver personagens que, na animação, são orientais. Cinema
é indústria. Indústria custa caro. Estampar a cara da Scarlett Johansson no
pôster atrai investidores e público. E, no final, o interesse principal dos
produtores é esse. Então, se não quiser assistir à versão live action, a
excelente animação sempre servirá de consolo.
Dito isso, passemos a análise da obra propriamente dita. Como
entretenimento, Ghost in the Shell funciona
bastante. Trata-se de uma produção caprichada, repleta de boas sequências de ação,
uma direção de arte que se destaca pelo modo como cria um futuro que, em parte,
se vê de acordo com o esperado para a humanidade, no qual superpopulações se
espremem em grandes metrópoles e a publicidade parece invadir o dia a dia das
pessoas de forma incisiva. A cidade do filme, inclusive, mescla uma espécie de
Nova Iorque futurista, com a Los Angeles de Blade Runner (em todas as suas
óbvias referências) com a Tóquio original da animação.
Neste futuro, crimes são previstos com antecedência, algo
que remete à obra de Phillip K. Dick, seres humanos podem ser aprimorados com
tecnologia cibernética e ciborgues coexistem com pessoas. Major (vivida por
Johansson) é uma agente da organização Section 9, que persegue um suposto
terrorista virtual com a capacidade de hackear mentes que possuem melhorias
cibernéticas.
Major em momento de reconstrução |
É curioso observar como o filme trabalha a questão da
solidão e dos questionamentos tão comuns à humanidade, mas a partir da óptica
de um robô, ou, no caso, de um ciborgue, uma vez que Major possui apenas o
cérebro humano. Neste sentido, o filme busca trazer certa profundidade à sua
protagonista, colocando-a em uma busca que, diferente da que vemos na animação,
até que enriquece a personagem, apesar de torná-la um tanto deslocada dentro da
trama central, que na animação trata exclusivamente da caça ao terrorista
Puppet Master, um ser virtual que consegue, como um vírus de computador,
penetrar no sistema da organização a fim de destruí-la.
No longa, claro, há algumas mudanças referentes às
motivações da protagonista, que ganha toda uma trama relacionada à busca de
suas origens. Compreensível, uma vez que se trata do maior destaque do filme.
Porém, é decepcionante perceber que os roteiristas Jamie Moss e William Wheeler
cederam à armadilha de colocá-la em uma relação direta com o personagem do
Puppet Master que, aqui, de modo deslocado, ganha uma face humanóide na figura
de Michael Pitt. Ao ceder à tentação reducionista de usar um vilão convencional
(e clichê), ao invés de se ater à animação original, a versão em live action
perde força.
Puppet Master ganha a face de Michael Pitt |
Do mesmo modo, a inserção de uma personagem que representa
alguém diretamente oriundo do passado da Major não colabora tanto para o seu
desenvolvimento. Entretanto, apesar disso, a justificativa para a diferença
étnica e o uso de um nome oriental para a personagem de Johansson (Motoko
Kusanagi) é bem justificada dentro da trama, uma vez que o invólucro (ou Shell, como queira) da Major pode até
ser anglo-saxão, mas seu cérebo continua bem japonês, como confirma o nome (ok,
haters, não deu para resistir a esse comentário).
Com cenas de luta e invasões com tiros que remetem a Matrix, algo divertido de se observar
uma vez que o longa de 1999 já usava assumidamente toda e qualquer referência à
animação lançada quatro anos antes, Ghost
in the Shell peca por um falta de criatividade neste sentido, usando
momentos clichê como personagens subindo em paredes ou atravessando vidraças
com os cacos causando aquele já conhecido efeito visual. Ao menos, uma
referência direta ao visual gore da animação é feita quando a personagem precisa
destruir um dos seus membros. Mas as explosões faciais tão hipnotizantes no desenho
fizeram falta. Compreensível, uma vez que na versão americana, a classificação
indicativa (e consequentemente o faturamento) impediria.
Sequências já vistas em outros filmes, mas que ainda funcionam |
Há, no entanto, momentos marcantes, como a participação de
Takeshi Kitano como o fodão Aramaki, que no melhor estilo “I´m too old for this
shit”, entrega, para regozijo dos fãs, uma ótima sequência de vingança. Ou ainda as assustadoras inserções das gueixas cibernéticas logo em sua abertura.E como
é curiosamente bom ver Juliette Binoche em papeis tão pop!
Deixe de lado o mau humor. Desapegue e dê uma chance. Depois reveja o desenho
duas ou três vezes para compensar.
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