(UK, 2016) Direção: Danny Boyle. Com Ewan McGregor, Ewen Bremner, Robert
Carlyle, Jonny Lee Miller.
Por João
Paulo Barreto
Vinte anos é bastante tempo. Eu ainda estava no curso
ginasial há vinte anos. Curioso olhar para trás e perceber suas mancadas e seus
acertos. Seus arrependimentos, seus sucessos e seus lamentos.
Reencontrar-se
com seu passado, não somente com uma fase específica, mas todo um apanhado do
que você fez durante esse tempo até o dia de hoje, pode ser um exercício ao
mesmo tempo satisfatório e perigoso. Nostalgia vicia. Vicia quase (eu disse
quase) da mesma forma que a heroína que vinte anos atrás dominava a vida de
Renton (McGregor). Vicia quase da mesma forma que a mesma droga dominou a vida de
Spud (Bremner) pelas últimas duas décadas. Vicia do mesmo modo que a violência e
agressões físicas tornam a trajetória de Franco Begbie (Carlyle) mais aceitável
em sua própria vida. E vicia tanto quanto o rancor que mantém Simon “Sick Boy”
(Miller) vivo e, claro, mais dependente das carreiras de cocaína. Mas essa
mesma nostalgia te ensina a refletir e a reparar antigos erros.
T2 Trainspotting possui
uma cena na qual Sick Boy censura Renton por querer reviver fatos do passado
daqueles quarentões, quando todos ainda estavam com vinte e poucos anos. “Isso
é nostalgia. Você é um turista em sua própria juventude. Nós éramos jovens.
Coisas ruins aconteceram”. E mesmo com toda sua roupagem pop, trilha sonora
envolvente, cortes secos e rápidos característicos do estilo de Danny Boyle
desde o primeiro filme de 1996, essa continuação não escapa de uma roupagem
triste, de pessoas em busca de uma redenção e do próprio perdão pelos erros do
passado. Pessoas que exibem agora as marcas da idade (e das frustrações e
insanidades) em seus rostos. Na mesma cena, Simon censura Renton, fazendo-o
lembrar que foi ele quem vendera a primeira dose de heroína ao falecido Tommy.
Renton revida e atinge o amigo em cheio ao devolver a lembrança de que, agora,
o bebê morto de Simon seria uma moça cheia de vida e planos para o futuro. T2 Trainspotting, ao final, se resume a
isso. Golpes certeiros na consciência de cada um. Por debaixo da graça inerente
ao longa, há um sabor amargo e uma camada de tristeza por debaixo do seu tom de
comédia.
Down to the memory lane: Simon, Renton e Spud honram Tommy |
Para o espectador, porém, é um reencontro com os personagens
marcantes. A ideia de mostrar cada um deles em suas vidas atuais e compará-las
com as pregressas causa graça, principalmente quando o foco está no ingênuo
Spud, que, desde o inicio, já se mostra como a melhor coisa do filme, como
quando explica a razão para seus fracassos está no fato de estar sempre uma
hora atrasado para seus compromissos da vida pós-heroína. “Como eu poderia
saber que existia algo como o horário de verão se eu fui um junkie pelos últimos
vinte anos?” Pergunta relevante...
Trata-se de um filme que funcionaria bem sozinho, mas a
opção de Danny Boyle em inserir constantes referências ao original, no começo,
funciona. Porém, no decorrer das duas horas de projeção, acaba por cansar um
pouco. Mas não ao ponto de enfraquecer demais o longa. No entanto, isso acaba
por torná-lo dependente demais de seu predecessor. Mas entendemos que a pretensão de Boyle é a de fechar um ciclo. E, por isso, qualquer intenção
forçada em referenciar a obra de 1996 acaba sendo relevada em nome da ótima
atmosfera captada pela continuação. E
isso ele consegue sem necessariamente querer causar a mesma revolução visual
que foi o longa noventista. Aqui, não houve nenhuma autocópia ou busca do
impacto sensorial que foi a cena do banheiro. Aliás, é delicioso pescar as
referências feitas durante a projeção, como quando Renton cai por cima de um
capô de carro e sorri para a câmera, ou quando Spud se vê diante da mesma rua
onde anos antes correra após um furto.
Begbie e sua fúria contra Renton |
No aspecto visual, Boyle resgata os tons pastéis e os papeis
de parede em casas populares escocesas em uma bem sucedida autorreferência. E nesta mesma passagem, uma sombra familiar na parede parte o coração do espectador. O
momento em que Renton adentra em seu antigo quarto causa no espectador quase o
mesmo impacto que nele mesmo. E o medo do efeito que o disco de Iggy Pop com a
faixa Lust for Life causará nele é
bem compreensível. Apenas a batida inicial da faixa já é suficiente para deixá-lo
apreensivo. E o espectador parece também sentir o mesmo impacto e receio.
A percepção final é a de estarmos diante de três caras
atormentados (Begbie não conta. Continua o mesmo psicopata de sempre).
Atormentados e fracos, como podemos perceber pela recaída de Renton e Sick Boy
pela agulha na veia. Apesar de seu discurso atualizado do monologo Choose a Life, Renton, mesmo com 46
anos, ainda denota o mesmo grau de imaturidade de vinte anos atrás. Não há
muita redenção para aqueles indivíduos e é um alivio perceber que o filme não se
rende a esse artifício sentimental. Quando vemos Begbie pedir perdão ao filho e
se despedir de sua mulher, uma pretensa intenção piegas e inserida, mas, ainda
bem, logo cai por terra. Aquele personagem está aquém de qualquer salvação. Sua
dependência da violência já o dominara.
Contudo, é ótima a sensação ao percebemos ser Spud o mais
forte dos três, o mais fiel ao seu processo de desintoxicação. Como disse o
próprio Renton, Spud nunca machucou ninguém. É com regozijo que percebemos um
final feliz para o coitado.
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