domingo, 24 de maio de 2020

Série Baiana Pequeno Gigante | Papo com equipe


Choque Político Baiano 


13 EPISÓDIOS Série baiana Pequeno Gigante, exibida na TVE às quintas-feiras,
traz nas relações políticas de Salvador reflexão acerca do jogo mesquinho
de interesses que tem na base popular suas vitimas imediatas 

Por João Paulo Barreto

Dentro de um choque entre raízes afetivas e culturais, ambições, escrúpulos e caráter, a construção do protagonista de Pequeno Gigante, série baiana que chega ao seu terceiro episódio semanal (de um total de 13) na próxima quinta, na TVE Bahia, se dá entre os diversos conflitos que o personagem do parlamentar Davi Passos (vivido por Guilherme Silva, de Café com Canela) tem no seu constante nado com tubarões dentro da política soteropolitana.

Vereador de origem pobre, defensor da comunidade onde cresceu, a Nova Nigéria, e em luta contra a especulação imobiliária que ameaça a existência do lar onde vive até hoje, Davi é um símbolo de contraste da política a qual estamos acostumados a ver. Homem negro, sobrevivente desde criança, quando ainda vivia em (e foi expulso de) Itaparica, das injúrias e tentativas de apagamento que as classes privilegiadas e predatórias infligiam em sua existência, a figura de Davi como um político de ideais firmes, mas distantes da ingenuidade, dá a Pequeno Gigante, desde seu episódio inicial, uma pertinente discussão acerca do que significa fazer política social.

Guilherme Silva, no papel do vereador Davi Passos: dilemas e conflitos (FOTO: CAIO LÍRIO)

Desde a sua abertura, com a fogueira do progresso a destruir seu lar na ilha, até as mesmas chamas criminosas voltarem a destruir sonhos na sua fase adulta, em Nova Nigéria, a figura de Davi é trazida como a de um sobrevivente. Nesse ínterim, o conhecemos como um articulador, alguém que dominou a citada arte de nadar com predadores da política. E de saber, também, lidar com os dois lados daqueles interesses. Na festa onde o seu padrinho político, o cacique político, senador Saul Dias Mendonça (um dos mestres do teatro baiano, Harildo Déda, que traz a Saul a leitura de Maquiavel em uma direta referência a outro já finado cacique), decidirá quem será o seu candidato a prefeitura de Salvador, uma série de nuances e olhares que desenham como funciona a promiscuidade de interesses naquele jogo. 

Em uma rima contrastante, a rival política de Davi, a vereadora Amanda (Ana Tereza Mendes), é questionada acerca de seus interesses naquele confronto com o colega. A pergunta direta e repetida acerca do que ela quer exatamente delineia para a audiência interpretações variadas, e vai encontrar um paralelo direto na cena seguinte, quando um favor sexual é recompensado com cocaína em uma boca do tráfico dentro da Nova Nigéria. O jogo de interesses políticos e de dominação é o mesmo, mudando apenas os riscos imediatos e a submissão violenta. 

Comunidade da Nova Nigéria luta contra o monstro da especulação imobiliária (FOTO: CAIO LÍRIO)


DICOTOMIA SOCIAL

Pequeno Gigante tem seu time de roteiristas formado por Anderson Soares Caldas (que também dirige a série), Gustavo Erick, Jarbas Éssi, Sylvio Gonlçalves Vitor Sousa e Lia Vasconcelos. Aqui, Lia explica que o planejamento do roteiro e da montagem para a cena da festa funcionou de modo a salientar uma dicotomia social, uma vez que a reunião de luxo que a festa onde o grupo de políticos se encontra é entrecortada por uma festa que acontece em paralelo na Nova Nigéria, local onde a base eleitoral de Davi reside. “Queríamos apresentar as contradições sociais através da comparação, por isso utilizamos o recurso da montagem paralela. As duas sequências foram bem trabalhadas para que pudéssemos enfatizar a dicotomia social, as distinções de classe, e, ao mesmo tempo, o gosto pelo poder, as alianças e jogos de interesse, que não dependem de categoria social, como fica evidente na cena”, explica Lia.

Na citada rivalidade entre o idealismo atento e nada ingênuo de Davi, a ambição bem como o instinto de afirmação e sobrevivência de Amanda, se dá um embate que leva o espectador a refletir sobe como aquelas alianças e competições se refletem em uma realidade dentro da política local de Salvador. A cidade, que passou nos últimos 12 anos por uma mudança trágica em seu gabarito arquitetônico, com as mudanças no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), que permitiram alterações predatórias em locais como a orla e Paralela, tem tais temas tratados com sagacidade pelas mãos e mentes por trás da escrita dos 13 episódios. 

Oriundo da comunidade, Davi luta na política baiana contra a despropriação (FOTO: CAIO LÍRIO)

Co-roteirista, Vitor Sousa pontua, ainda, que o argumento original da série foi escrito justamente em 2010, “período em que o mercado imobiliário efervescia e os debates e conchavos políticos sobre o PDDU se alinhavavam. O curioso é que, mesmo 10 anos depois, esses temas ainda estão muito em evidência hoje”, salienta Vitor. Sobre a situação da Salvador de 2020 ainda a se refletir na série, o co-autor destaca justamente tais reflexos. ”Penso que a arte tem mesmo essa missão de levantar um espelho para a sociedade e, nesse sentido, Pequeno Gigante é um espelho que cabe exatamente no cenário que vivemos atualmente”, finaliza

ETNIA E GÊNERO

Para o diretor da série, Anderson Soares Caldas, as personagens femininas da série constroem com firmeza essas relações de poder. “Tais relações quase sempre estão nas mãos dos homens. E no geral são homens heterossexuais, brancos, que estão nas posições de poder. Com as personagens femininas, queremos trazer essa reflexão. São mulheres fortes e que conseguem construir os espaços delas. Não é aquela história machista da mulher que está por trás do grande homem, mas aquela que o faz junto ao homem. E que constrói o que ela está querendo construir”, esclarece o diretor.

No papel do vereador Davi Passos, Guilherme Silva traz uma presença em cena que coloca seu personagem como alguém que sabe onde pisa, manejando com sagacidade estratégica aquelas cordas. Diante dos conflitos externos daqueles conchavos políticos, com esquivas e ataques planejados, cercado de falsas gentilezas e sorrisos milimetricamente medidos dentro daquele mundo hipócrita de interesses, Davi segue construindo sua carreira buscando manter-se fiel ao que acredita dentro de sua criação e origem. Assim, é instigante pensar em como tais conflitos se tornarão internos na consciência de Davi. 

Milena Passos (Evana Jeyssan): presença feminina e firme na série (FOTO: CAIO LIRIO) 

Experiente ator nos palcos baianos e do sudeste, Guilherme classifica a sua experiência no papel de Davi como uma vitória. “Eu, como uma pessoa preta, um homem negro, ver essa representação dentro de um roteiro escrito para uma série de televisão, isso é muito bom. Batemos de frente com isso a todo tempo. E é um processo muito mais de sobrevivência do que vivência. De como nós, negros, enfrentamos na sociedade a própria questão do racismo sistemático. Isso é exaustivo, mas a gente continua perfurando esses bloqueios para chegar onde precisamos,” salienta Guilherme. Sobre a construção do seu personagem e seus choques políticos, o ator explica o recrutamento de Davi desde a infância para aquele mundo: “Ele tem esse acompanhamento da sagacidade para as questões políticas desde cedo. Isso vem de uma manutenção dessa honra, a qual Negro Mármore, seu mestre de capoeira, passou para ele. A valorização da sua cultura. Dele como um indivíduo pertencente”, finaliza o ator.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 25/05/2020



2 comentários:

  1. Opa, meu caro. Tudo na paz?

    Depois, quando puder e se puder põe meu nome nas fotos de divulgação. Eu fiz o still da série durante as gravações. Não saiu o crédito na pagina do Caderno 2, mas se vc puder creditar meu nome nas fotos do site eu agradeceria imensamente.

    Grande abraço!

    ResponderExcluir