Existe uma capacidade dos irmãos Coen de criar seus filmes em um universo próprio deles. Há uma identificação por parte do público mais atento quando uma obra possui a assinatura dos dois diretores. E isso não significa que seus filmes sejam reconhecíveis por conta de uma estética especifica, de uma fotografia inconfundível (apesar de trabalharem há tempos com Roger Deakins e este possuir, sim, um tipo de posicionamento de câmera especifico) ou de um tipo único de história a ser contada.
Não, é um pouco mais do que isso. A marca dos Coen está no apuro que seus filmes possuem independente do teor de suas tramas. Em suas produções, o espectador encontrará um nível de qualidade técnica e narrativa independente da seriedade ou não na abordagem de sua história. Assim, os dois conseguem criar obras que, apesar de díspares, carregam semelhante esmero nas construções, seja para denotar um mundo brutal e repleto de monstruosidades com Onde os Fracos não têm Vez, seja em seu trabalho seguinte, a paródia dos filmes de espionagem Queime Depois de Ler.
Em Ave, César!, os dois acertam novamente, mas, dessa vez, o êxito está tanto na capacidade de não se levar a sério quanto na possibilidade de abordar a história na Hollywood dos anos 1950 de modo quase documental. E seu escrevi “quase” é justamente porque com uma comédia dos Coen, essa linha entre fato e ficção tende a se confundir em benefício da comédia (observe o letreiro inicial de Fargo e entenderá o que quero dizer).
Clooney e seu general romano: a piada preferida dos Coen |
Mas, neste novo trabalho, o que acontece é a utilização de versões de personagens e fatos levemente baseados em pessoas e acontecimentos verídicos, mas sem a necessidade de propriamente se abordar questões reais. Não, não houve um sequestro de um astro por comunistas. Não, não havia um agente soviético disfarçado de ator e dançarino em meio às gravações dos estúdios. Claro, aqui e ali, quem conhece um pouco da história da Hollywood dos anos 1950, identifica algumas piadinhas com as fofocas da época. Mas, nenhum dano é causado à memória dos supostos envolvidos e a vida segue.
Aqui, o tal astro sequestrado por comunistas em pleno período da caça às bruxas é Baird Whitlock, que é levado de dentro do estúdio ainda usando suas sandálias romanas e espada de general. Na escolha de George Clooney para o papel, os Coen corroboram sua insistência em desmistificar a presença de galã do ator ao sempre escalá-lo para papeis estúpidos (colocá-lo em um saiote durante todo o filme não foi algo sem planejamento). Na busca pelo seu astro e tendo que resolver todos os problemas do estúdio, o chefe do local, Eddie Mannix (Brolin), tem seu dia de cão ao lidar com egos inflados, atrizes solteiras grávidas e colunistas sociais feito abutres.
Channing Tatum e seu subliminar sapateado |
E neste ponto reside um dos acertos de Ave, César! Para os roteiristas e diretores, há um prazer em brincar com o período dos anos 1950 em Hollywood. E eles não perdem tempo em inserir diversas situações que fazem alusão não somente à década na qual se passa sua trama, mas a outras situações anteriores. É o caso da personagem de Scarlett Johansson, DeeAnna Moran, cuja gravidez remete diretamente a situação vivida pela atriz Loreta Young, cujo resultado do caso com Clark Gable levou o estúdio a encobrir toda a situação.
Do mesmo modo, a recriação das irmãs, jornalistas e rivais, Ann Landers e Abigail Van Buren, que aqui ganha os contornos de Tilda Swinton vivendo os papéis paralelos de Thora e Thessaly Thacker. Outros pontos da de recriação ficam, claro, para o papel de Channing Tatum como dançarino que remete a Fred Astaire e Donald O´Connor, além do próprio Clooney, cuja presença em cena, naqueles trajes, lembra muito Charlton Heston em Ben- Hur e Robert Taylor, em Quo Vadis.
No entanto, todas essas referências podem levar o espectador a achar necessário um (re)conhecimento enciclopédico da Hollywood da época, mas, não é o caso. O longa tem em sua proposta não uma caça de pistas, mas uma recriação do período com os Coen fazendo piada daquilo que eles parecem utilizar em beneficio próprio, mas sem deixar se influenciar negativamente, que é, justamente, o studio system, cuja modelo de produção industrial de filmes tão bem representado aqui parece não castrar a criatividade dos dois diretores.
Mannix (Brolin) e sua labuta de afagar egos dos seus astros |
Mas é por demais recompensador notar como os dois conseguiram aproveitar a oportunidade para dirigir, no mesmo trabalho, um musical com dançarinos de sapateado cheio de mensagens subliminares; um popular show com dançarinas aquáticas tão comum à época, além, claro, de um faroeste musical.
E ver Frances McDormand sendo quase morta após sua echarpe prender na moviola que sua personagem usa para montar um filme é perceber que sim, os dois irmãos sabem o que estão fazendo quando decidem referenciar e reverenciar a velha Hollywood.
Ao observar toda a sequência na qual o chefe de estúdio, Manninx, busca opiniões de representantes de diversas religiões acerca do novo filme bíblico que está produzindo, percebe-se como o esmero de um roteiro tão repleto de sutis ironias fazem a diferença.
Deixo o crítico de lado e permito o fã assumir neste fechamento: Joel e Ethan Coen são gênios. Ponto.
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