sábado, 2 de junho de 2018

A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro

(Brasil, 2017) Direção: Leo Garcia e Zeca Brito.


Por João Paulo Barreto

“Tarso de Castro morava dentro de si mesmo”. A frase que fecha o recorte cinebiográfico do jornalista fundador do jornal O Pasquim é proferida pelo também jornalista Roberto d’Ávila, em conversa com o filho de Tarso, João Vicente de Castro. O comentário informal surge durante um sensível encontro, no qual João, curioso em saber mais sobre o pai que perdera quando tinha apenas oito anos, começa a perguntar mais para o amigo de longa data que seu velho tinha em d’Ávila.

É um dos diálogos que definem bem A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro, filme dirigido por Leo Garcia e Zeca Brito, em cartaz em Salvador. A descrição do jornalista acerca de Tarso, a quem, à época, visitou em um apartamento onde só tinha uma mini-geladeira e um colchão velho no chão, resume uma figura que vivera em prol do que mais amava fazer, que era escrever e pensar jornalismo em um Brasil refém de ratos militares e de gigantes da imprensa e da TV que se corrompiam junto ao governo ditatorial. Claro que dentre as coisas que Tarso mais amava também estavam as muitas mulheres com quem se envolveu, a boêmia e, infelizmente, o álcool que acabou por levá-lo à cirrose hepática que o matou aos 49 anos, em 1991.

Sempre ao lado do que é genial: Tarso e sua amizade com Chico
Desregrado, mas atento a tudo ao seu redor, Tarso de Castro criou uma rede de amigos e inimigos que eram seu suporte de criação. O filme traz boa parte desses amigos em depoimentos atuais e, alguns deles, que vieram a se tornar inimigos, em vídeos da época. Entre os amigos, Luiz Carlos Maciel, um dos fundadores d’O Pasquim define Tarso como alguém que gostava da companhia de gente de talentosa, e cita nomes como Chico, Caetano e Tom. “Tarso são suportava era a mediocridade. Mediocridade no poder, então...” e a afirmação de um simbolismo imenso reverbera.

Porque era justamente essa a luta de Tarso de Castro. Uma batalha contra a mediocridade e contra o conformismo de uma imprensa que não podia lamber botas como já faziam os grandes veículos do período. Dentre os diversos episódios narrados, um que se destaca é a não entrevista que Roberto Marinho “concedeu” para o Jornal O Nacional, que tinha Tarso como editor. Coletando depoimentos de afetos e desafetos do dono da Rede Globo, que, possivelmente, confundiram O Nacional com Jornal Nacional, a matéria impressa vinha com um espaço em branco dedicada a uma possível resposta do magnata.

João Vicente de Castro e a tocante conversa com Robertod'Ávila

DINAMISMO NA MONTAGEM

Com uma montagem dinâmica, que, mesmo precisando contornar o risco que estruturas de cabeças falantes trazem em entrevistas sequenciais, o filme consegue contornar a possibilidade de se tornar enfadonho justamente por conta da riqueza dos depoimentos. Junto a isso, o acerto do montador Jarder Machado em ilustrar diversos momentos com capas dos vários jornais, revistas e folhetins criados por Tarso levam ao espectador a perceber como a história do Brasil se repete, algo que um visionário como ele conseguiu perceber muitos anos antes do nosso atual caos.

Sem buscar defender ou acusar o seu personagem central, o documentário aponta para as diversas e controversas opiniões acerca de Tarso de Castro. Quando Paulo Francis, ex-colega d’ O Pasquim, o chama de ladrão durante uma entrevista ao Roda Viva, logo é replicado por uma das presentes dizendo que todo o dinheiro do jornal era gasto em álcool e diversão. Logo, estavam todos no mesmo barco. Da mesma maneira, quando acusado de ser um mau caráter, a opinião é contrastada pela visão de uma das companheiras de Tarso, que o define como alguém de bom coração. Assim, a construção do filme sobre a lenda do jornalista deixa o espectador ainda mais curioso por desvendar a história daquele homem que mereceu um roteiro sobre ele escrito por ninguém menos que Glauber Rocha.

Define perfeitamente o jornalista José Trajano, um dos entrevistados, quando cita a quantidade de impressos criados pelo próprio Tarso, entre estes O Pasquim, Enfim, Folhetim e O Nacional. “Poucos ou nenhum jornalista, hoje, pode bater no peito e dizer que criou tudo isso. Só o Tarso.” A vida extra-ordinária de Tarso de Castro, tanto o filme quanto a própria vivida tão intensamente por ele, nos faz pensar sobre as nossas próprias. Sobre pelo que vale a pena viver. “Prefiro viver ouro”, disse o homem em vida. Se não fosse assim, ele preferia a morte. Não é para menos que a genialidade muitas vezes caminha junto com o que é efêmero. 

*Crítica originalmente publicada no Jornal A Tarde, dia 02/06/2018


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