sábado, 16 de junho de 2018

Cine OP homenageia Maria Gladys

"Cara do cinema nacional", Maria Gladys revisita carreira na Cine OP Foto: Leo Lara


Na 13ª Mostra de Cinema de Ouro Preto - Cine OP, a homenageada do evento, a atriz carioca Maria Gladys, recebeu o troféu Vila Rica e viu Sem Essa Aranha, clássico de Rogério Sganzerla, juntamente com um curta que leva seu nome e foi dirigido pela baiana Norma Bengell, serem exibidos em comemoração a sua longa e profícua carreira. Em um evento que priorizou mesas e seminários acerca da preservação e da história do cinema nacional, a escolha de Gladys como homenageada é mais do que acertada, “Gladys tem a verdadeira cara do cinema feito no Brasil”, afirma Neville d’Almeida, um dos cineastas símbolos do período, que traz, também, o próprio Sganzerla e Júlio Bressane como pilares. Sobre estes, Gladys relembrou da experiência de atuar sob a batuta de ambos. “Quando eu trabalhei nos filmes da (produtora) Belair, do Rogério (Sganzerla) e do Júlio (Bressane), eu vi minha vida mudar totalmente. Foi uma experiência que me abriu muitas portas em um período do Brasil que precisava daquele tipo de cinema. Ter feito parte disso é algo muito importante para mim”, afirma a atriz.

Também presente no seminal longa do Cinema Novo, Os Fuzis, filme de 1964, dirigido por Ruy Guerra, Gladys relembra a experiência de filmar com o diretor do mesmo modo como a frustração de acreditar que após esse trabalho, conseguiria se manter ativa trabalhando em diversas produções no cinema. “Mesmo tendo tido essa experiência com o Ruy, eu fiquei quatro anos sem trabalhar com cinema no Rio de Janeiro. Acabei me dedicando somente ao teatro”, afirma a atriz. A experiência frutífera a levou à peça O Chão dos Penitentes, de 1965, no qual protagonizou o primeiro nu da história dos palcos brasileiros. Não tardou muito para acontecer o encontro com Bressane e Sganzerla, que a levaria ao marco Sem Essa Aranha. Antes, trabalhou com a dupla responsável pela produtora Belair em O Anjo Nasceu e com Cuidado Madame. Mas a marca alcançada com Aranha foi o que mais marcou sua carreira inicial. “Os filmes da Belair possuíam muito de improviso. Chegávamos e gravar alguns em três ou quatro dias. Isso hoje é impossível. Essa característica daquele cinema foi algo marcante e que o tornava único”, diz.

EXÍLIO VOLUNTÁRIO EM LONDRES

Porém, a mudança e acúmulo de experiências na vida da atriz intensificou-se com sua partida para Londres, em 1970. Na Inglaterra durante três anos, integrou a turma que tinha Caetano Veloso como parte, além do próprio Bressane, que revelou os negativos dos seus filmes lá mesmo. “Londres foi uma experiência maravilhosa. Não senti falta do Brasil com minha ida para lá. Caetano, sim. Sentia muita saudade. Mas, claro, com ele as razões de sua ida eram diferentes”, explica Gladys.  “Naquele tempo, conseguíamos viver em um bairro como Notting Hill, que era um reduto de hippies. Hoje, isso é impossível. Muito caro”, comenta entre risos.

A atriz em cena do clássico Sem Essa Aranha 

“EU TÔ COM FOME!”

Mítico na história do cinema, Sem Essa Aranha foi uma licença do Sganzerla para poder falar da desesperança de um país. Com Luiz Gonzaga tocando em participações marcantes, o filme tem Jorge Loredo, o Zé Bonitinho, introduzindo seu personagem lenda na figura de um malandro ao mesmo tempo questionador e sedutor. Na figura de Maria Gladys, que divide a cena com Helena Ignez, o filme encontra um escapismo baseado no improviso. “Lembro-me que o Rogério chegou pra mim e disse pra eu gritar que tava com fome e que cantasse uma música qualquer”, diz a atriz. “Eu só consegui lembrar de uma canção de minha infância. E fiquei lá, gritando que tava com fome e com dor de barriga. Tudo no improviso, mesmo”, conclui.

A imagem se tornou um dos momentos mais conhecidos da filmografia brasileira. “Uma vez, eu estava passado pelo bairro de Botafogo, no Rio, e tinha um bar lá cheio de jovens. Um deles se aproximou de mim e disse que era fã do cinema do Sganzerla. Ele chegou e disse: ’Maria, fala aí, você estava muito doida naquela cena, não tava? ’”, conta a atriz entre risos. “Eu me lembro que, para não decepcionar o menino, disse que sim, que estava doidona e nós começamos a rir alto. Mas claro que eu não estava. Aquilo era um improviso consciente”, conta no meio de uma risada.

HOMENAGEM NA CINE OP

A Mostra de Cinema de Ouro Preto, com a homenagem a Maria Gladys, cumpre um papel de fazer justiça a essa atriz, dona de uma carreira distante da futilidade do glamour. “É uma loucura poder ver minha vida em retrospecto do modo como esse prêmio em Ouro Preto me fez ver. Eu fico pensando assim, que eu não posso acreditar que cheguei aqui. Porque tudo foi feito com muita luta, sofrendo muito preconceito, sempre em épocas barra pesada. Fazer aquele cinema. que eu adorei fazer, com o Júlio e com o Rogério, nossa, lembrar disso e ver essas imagens ainda nas telas me emociona”, conclui.

Maria Gladys durante a abertura da Cine OP 2018


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