sábado, 16 de junho de 2018

Talvez uma História de Amor


Comédia romântica traz reflexão sobre valorizar relacionamentos


Com Mateus Solano, Talvez uma História de Amor derrapa em alguns momentos, mas acerta ao ilustrar a perda em uma relação amorosa

João Paulo Barreto

Baseado no livro homônimo do francês Martin Page, Talvez uma História de Amor é tão simpático quanto seu próprio título já entrega. Daqueles tipos de trabalho que podem até não despertar sua atenção por conta de um já esperado final romântico e meloso, mas que, ao menos, podem garantir sua curiosidade devido a incomum e nonsense trama. Nela, Virgílio (Mateus Solano), é um publicitário boa praça que joga baralho com a vizinha idosa, cumprimenta a todos com gentileza, mas que foge de relacionamentos amorosos. A surpresa aqui é que ele vive em um, mas não sabia. Ou melhor, não se lembrava. E ainda mais surpreendente: só percebe sua amnésia após ouvir um fora da namorada deixado em uma mensagem na secretária eletrônica. Quando entende que nem se quer se lembra quem é a dona daquela voz, resta pouco ao metódico homem a não ser procurar sua psiquiatra, fazer uma tomografia e esperar pelo pior (cena que inclui uma participação hilária de Gero Camilo).

Metódico, Virgílio vive seu pesadelo pessoal de esquecimento

O filme é a estreia em longas metragens de Rodrigo Bernardo, cineasta por trás de diversos curtas e da série (Des)Encontros, onde já abordava temas ligados a relacionamentos românticos. Com Talvez uma História de Amor, é perceptível uma maturidade do diretor e segurança em sua câmera através da ilustração visual do TOC e da personalidade de hábitos rotineiros e metódicos de seu protagonista. Ao apresentar a figura de Virgilio ao espectador, Bernardo consegue utilizar bem posicionamentos estáticos em quadros amplos nos quais nota-se a presença solitária do homem junto a itens milimetricamente posicionados, desde os quadros nas paredes, móveis e utensílios domésticos de sua casa, até as peças que compõem sua mesa de escritório, como posts it, papéis e canetas em perfeita justaposição (sendo este, claro, um artifício pra lá de batido). Mas, mesmo em certos aspectos previsíveis, é pertinente observar que os elementos aparentemente estáticos ilustrados pelo filme e que compõem seu dia-a-dia vão se alterando e tornando-se caóticos à medida que sua confusão mental se agrava.

ANÁLISE DE RELACIONAMENTOS           

Gradativamente, quando a busca por Clara, a namorada esquecida, se torna infrutífera e a ordem planejada na vida do publicitário começa a desmoronar em uma série de acontecimentos descabidos (a suspensão do fornecimento de energia elétrica e água de sua casa ou a ordem de empacotar seus objetos oriunda do dono do apartamento, por exemplo), é curioso notar como visualmente isso é ilustrado pelo diretor, que transforma o lugar uma vez irretocável em uma bagunça, repleta de caixas e sem luz. Neste ponto, inclusive, o roteiro acerta em demonstrar visualmente a busca do protagonista pela resolução do mistério e pelas suas lembranças através de um capacete com lanterna, item comum em escavações. A rima visual contida no ato de Virgilio “enxergar no escuro” de sua casa as lembranças de sua vida a dois com a ajuda de um instrumento comumente utilizado em escavações denota bem a ideia de perda de uma relação cujo valor não dado por uma das partes a faz cair em um abismo de esquecimento. E esse é um dos pontos de profundidade que se escondem atrás de uma história aparentemente simples, mas que carrega uma mensagem bastante pertinente acerca do equilíbrio necessário em relacionamentos. 

Sozinho na multidão: Virgílio tenta desvendar o mistério

Envolto em uma áurea de comédia romântica, com direito a cenas em Nova York, algo que remete aos filmes de Norah Ephron (que é até homenageada no filme) e, claro, por conta de um encontro no topo de um prédio, nos faz lembrar de Segredos do Coração, com Warren Beatty e Annette Bening, Talvez uma História de Amor pode ter seus momentos em que o roteiro demonstra-se repetitivo, como as sequências de encontros seguidos de Virgilio com as várias amigas que podem levá-lo à Clara, ou a absurdamente irreal utilização dos telões em Times Square para enviar um recado (tudo engendrado simplesmente em questão de minutos e após um telefonema), mas, como disse lá no começo, acaba sendo um filme cuja simpatia de sua premissa e reflexão trazida acerca do risco oriundo de um desgaste em relacionamentos cujo um único lado apenas é priorizado, acaba por ganhar o espectador. Ele nos faz pensar, inclusive, no clássico Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, o que não é pouco. E sair do cinema refletindo sobre isso é algo por demais recompensador quando nos propomos a simplesmente assistir a uma comédia romântica.

*Texto publicado originalmente no Jornal A Tarde de 17/06/2018




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