terça-feira, 1 de março de 2016

Cine Avuadora em Alagoinhas - BA

Sessão especial organizada pelo CUAL - Coletivo Urgente de Audiovisual levou a Alagoinhas seis curtas que representam bem a recente produção baiana 



Longe do preciosismo e de qualquer tentativa de romantizar a ideia do cinema como agente mobilizador, eu o vejo como uma ponte para o diálogo. Uma conexão entre as pessoas que, como presenciei no último final de semana, se disponibilizam a sair de suas casas em um dia de sol escaldante para conhecer uma amostra do que se tem feito aqui, no estado onde elas vivem.

Como já disseram, é a discussão e a observação que constroem o cinema. E posso afirmar com absoluta segurança que a edição do Cine Avuadora, projeto de exibição de curtas baianos organizado pelo Cual – Coletivo Urgente de Audiovisual, dessa vez em Alagoinhas, conseguiu seu intento na criação de uma ponte verbal entre os espectadores, os realizadores e os críticos presentes na tarde do sábado, dia 27/02.

Ramon Coutinho, um dos realizadores do CUAL apresenta a sessão
Com a projeção de seis curtas metragens, exemplos da recente safra de trabalhos oriundos de diversas partes da Bahia, a sessão trouxe variados temas que puderam ser explorados no papo com o público.

Desde as questões atreladas a incapacidade (que beira à psicopatia) do homem em viver em grupo, ao descaso e ao compromisso de profissionais da pedagogia com o ensino a alunos portadores de necessidades especiais; passando pela invisibilidade das vitimas do abandono social, até as questões atreladas ao egoísmo e a generosidade entre crianças afastadas pelas oportunidades de vida ou unidas por um único contexto e realidade: a seleção de obras exibidas no cineclube permitiu uma ampla reflexão entre os presentes.

Pesquisador Francisco Gabriel comenta os filmes
Iniciado com Arremate, curta dirigido por Rodrigo Luna e baseado em uma obra de Neil Gaiman, o cineclube criou de imediato uma tensão entre os presentes, na história da passagem de um homem do âmbito meramente vingativo, mas não menos aterrorizante, para o genocida em questão de minutos. A comprovação da máxima “dê poder a um homem e o conheça de verdade”.

Em seguida, com O Cadeado, de Leon Sampaio, uma fagulha na discussão acerca do compromisso pedagógico foi lançada, o que permitiu que diversos dos presentes, ligados diretamente com a área em questão, pudessem explanar acerca do rico tema em exemplos de suas próprias experiências profissionais.

O crítico João Paulo Barreto comenta alguns dos curtas exibidos
Com uma temática forte, que retrata o esforço de jovens no intuito da busca pela educação, O Cadeado encontrou na platéia um diálogo expansivo, que encontrou ecos em O Menino Invisível, de Murilo Deolino, Danilo Umbelino e Uiran Paranhos, no qual seu personagem título não faz parte daquele âmbito de tentativas e se vê em um mundo no qual o escapismo imaginário o salva de uma realidade excludente que, além de ignorar sua existência, ignora seu próprio penar e morte. Talvez o mais impactante dos trabalhos exibidos.

Com Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes, o encantamento do lúdico apresentado pelo filme na forma do reencontro de uma criança com o que significa sua infância e o denotar generoso de suas atitudes, pôde trazer um gancho na comparação com Menino do Cinco, de Marcelo Matos e Wallace Nogueira, no qual as diferenças de classe e a criação familiar ressaltaram um chocante egoísmo infantil.

Parte do público presente na sessão
Esse mesmo escapismo lúdico foi visto em A Descoberta, de Ernesto Molinero, que fechou a sessão trazendo para o espectador local a experiência de se conhecer um cinema que, do mesmo modo que Arremate, prima pela utilização do som na sua criação. Extremamente sensorial, o curta, que encontra ecos em Alice, de Lewis Carroll, traz a história de um garoto que passa a ter uma nova visão de seu mundo através da perda e da percepção ampla do ambiente que o cerca.

Destacando-se por uma seleção de curtas que foge do clichê e do já comum hábito de criar estereótipos a representar a famigerada “baianidade”, a curadoria do Cine Avuadora permitiu um excelente diálogo, que contou com a presença do pesquisador Francisco Gabriel Rego e deste que vos escreve como mediadores no papo que perdurou por mais de uma hora.

Uma tarde a ser memorada, de fato.

"Os meliantes no parquinho": pós sessão =P

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