(Brasil, 1981) Direção: Roberto Pires. Com Roberto
Pires, Conceição Senna, Norma Bengell, Ronny Pires, Antonio Fontana dentre
outros.
Por João Paulo Barreto
Primeira ficção científica da história do cinema brasileiro,
Abrigo Nuclear, longa metragem lançado pelo baiano Roberto Pires em 1981,
permanece, 35 anos depois, como uma obra insuperável no aspecto da
inventividade e originalidade do fazer cinematográfico. Desbravador do cinema da Bahia, Pires é o responsável, também, por Redenção, de 1955, primeiro filme realizado no estado. Filmado com a lente Ingluscope, criada pelo próprio cineasta, o longa demonstra o pioneirismo e o perfil inventivo do realizador.
Realizado com poucos recursos, Abrigo Nuclear levou vários anos
para ser finalizado por conta dos problemas financeiros enfrentados por seu
diretor. Longe de qualquer preciosismo, não é um exagero afirmar que se trata
de um filme símbolo do cinema baiano. Não somente pela luta do cineasta para vê-lo concluído, mas, também, pelo aspecto criativo e pelo esmero de sua
produção na criação de cenários futuristas, controle espacial de seu cenário e
da utilização de figurantes.
Na história, a população da terra, por conta da radiatividade
contida na atmosfera, precisa ser mantida em imensos abrigos. Governados com
punho de ferro pela autoritária Avo (Conceição Senna), que esconde o fato de
que os humanos um dia habitaram a superfície, a comandante não concorda com a
ideia de que se faz necessário uma nova fonte de energia, no caso, a solar, em
lugar da atômica. Ao se perceber que os depósitos de lixo atômico estão
saturados e a ponto de explodir, o rebelde Lat (vivido pelo próprio diretor) decide
por em prática seu plano junto a população local e com o suporte de Lix, a líder
do grupo rebelde, também conhecida como “Professor” (Norma Bengell, nome de
peso no elenco), parte em busca de provas de que a população humana já habitou
o solo acima deles.
Atmosfera radiativa: perfeito uso de locações e de figurinos |
Com um roteiro bem amarrado, Pires, em parceria com diversos
familiares que atuam no filme, conseguiu construir uma história eficiente,
repleta de boas ambientações e atuações convincentes. No seu texto, uma clara
inserção do aspecto socialista, ao utilizar nos seus personagens tratamentos
como “companheiro”. Claro reflexo da época, na qual a ascensão política da
classe operária começava a surgir e o período militar do Brasil iniciava seu
declínio. Em certo momento do longa, ouvimos: “Todos precisam saber o que está
acontecendo e tentar anular o domínio cibernético nuclear que envolve a todos”.
Pois é, Figueiredo. Sua hora estava chegando.
Em seus figurinos brancos, uma unicidade da população futurista
denota justamente a visão exata de Pires quanto ao simbolismo daquela ideia.
Tornando todos iguais em aparência, um disfarçado, porém eficiente controle do
pensamento se faz presente em uma das sutis mensagens do filme no seu aspecto
pós-apocalíptico. No entanto, um claro sinal do período em que a obra foi
executada se faz presente nos cabelos grandes e desgrenhados dos homens, muito
comum no final dos anos 1970, bem como as camisas de peito aberto que vemos em
alguns personagens, algo que destoa um pouco do aspecto clean que a obra
propôs, mas, claro, sem prejudicá-la.
Trama bem construída: clima de conspiração dentro do abrigo nuclear |
Na utilização das areias da praia de Jauá como locação externa,
nada fica a dever a, por exemplo, o uso do deserto da Tunísia por George Lucas
quatro anos antes, no primeiro Guerra nas
Estrelas. E o que dizer do carro futurista que é utilizado como veículo do
personagem de Pires em suas saídas na superfície? Do mesmo modo, o uso dos
cenários feitos de modo artesanal, mas não menos eficientes, criam uma
ambientação perfeitamente adequada a sua proposta.
Em 2015, o documentário Bahia
Sci Fi, dirigido pelo filho de Roberto, Petrus Pires, trouxe diversas
curiosidades acerca da produção lançada 35 anos atrás, como, por exemplo, as
técnicas de filmagem no galpão que servia como abrigo e que o fazia parecer bem
maior.
Um verdadeiro tesouro
do cinema baiano.
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