(EUA, 2015) Direção: Amy Berg.
Por João Paulo Barreto
Mais do que uma colagem de vídeos de época, com imagens
icônicas e trechos das marcantes performances de Janis Joplin, Janis – Little Girl Blue desenha um mapa
através da fragilidade emocional, inseguranças e genialidade absurda da jovem
cantora texana morta em outubro de 1970.
O filme da experiente documentarista Amy Berg opta por uma
desconstrução do mito para, assim, demonstrar ao espectador o quão gigante era
a chamada rainha do blues americano. Seguindo uma convencional, mas mão menos
eficiente, estrutura cronológica, o longa opta por apresentar a infância e
adolescência da artista, na pequena cidade de Port Arthur, Texas. Já neste
ponto, o documentário acerta por abordar o impacto psicológico que o bullyng
teve na vida da jovem.
Se desde criança ela demonstrava uma rebeldia natural ao ser
expulsa de corais de igreja e aulas de canto por não querer se adequar ao
modelo de boas maneiras imposto, toda essa inicial segurança e atitude
desmoronam em situações traumáticas por conta de sua disfarçada necessidade de
inclusão em um perfil social que, na raiz, ela nunca precisou. Cresce nesse
modelo, mas, pouco a pouco, se vê influenciada pela cultura beatnik e pelo
blues, percebendo, assim, que Port Arthur é muito pequena para seu pensamento
de vanguarda.
Sorriso cativante: Janis nas ruas do Rio durante o carnaval de 1970 |
Então, ao ser humilhada na capa de um jornaleco estudantil
na eleição do “homem mais feio da turma” (em um dos momentos mais tocantes do
longa), Janis, apesar de destruída psicologicamente por tal crueldade, encontra
nesse fato a fagulha que lhe tiraria da inércia de cidadezinha do interior, levando-a,
no começo dos anos 1960, a São Francisco, cidade símbolo do pensamento livre
nos Estados Unidos da época. E é neste ponto que sua ascensão e, contraditoriamente,
ruína começam.
Na narração de cartas escritas para sua família (cartas que
ganham na voz da cantora Cat Power uma poderosa interpretação), o filme exibe
uma face ingênua, repleta de dúvida, algo que denota justamente o fato de que,
apesar da impactante voz e comportamento à frente do seu tempo, Janis era apenas
uma menina com vinte e poucos anos, longe de casa e cheia de insegurança, algo
comum em qualquer pessoa que se vê em sua situação.
Ao exibir esse processo de amadurecimento e percepção de que
o mundo pertencia a ela, o filme cria uma eficiente rima narrativa, uma vez
que, apesar do alcance fugaz do sucesso e postura dominante no palco, a menina
Janis Joplin ainda precisava da aprovação de sua família ao falar do quanto
estava feliz por ter conhecido alguém em São Francisco e por finalmente se ver
pertencendo a algum lugar.
Janis e o empresário Albert Grossman |
Nesta construção da personalidade da cantora, Amy Berg opta
por uma linha narrativa que equilibra o crescimento da artista como
interprete com suas nuances de fragilidade. E essa abordagem acaba por, de modo
genuíno e sem manipulações, partir o coração de quem testemunha aquela
história, como quando vemos Janis lamentar-se pelo fato de que, após uma festa
ou uma apresentação em um bar, ela era a única a ir para casa sozinha ou quando
em uma de suas cartas ela admite que quer desesperadamente ser feliz.
Em outro ponto, percebemos ainda mais sua fragilidade quando
é abordado o momento em que Janis, ainda na sua primeira tentativa de São
Francisco, volta ao Texas (após vaquinha de amigos na passagem) para fugir do vicio em metanfetamina. No retorno,
desenha em sua vida uma esperança de ter encontrado o amor e deposita nessa
possibilidade todos os seus anseios. Rejeitada, decide voltar à Califórnia a
convite do amigo Chet Helms, que viria a se tornar seu agente e responsável
pela união à banda Big Brother and The Holding Company. O sucesso começava a
surgir em sua vida e suas ansiedades se faziam mais presentes.
Na sua relação com as drogas, Janis era uma vitima de seus
próprios impulsos. Sofria com a pressão de um mundo áspero e influências ao seu
redor, o que tornava apenas temporária sua distância da heroína. Após alcançar
fama no festival de Monterey, sua carreira realmente decola e o convite para
seguir solo não tarda a aparecer. Sozinha, sem o suporte dos
antigos parceiros de banda e percebendo-se inapta a liderar um grupo musical,
se vê cada vez mais dependente química. A pressão da mídia não ajuda e as
críticas negativas a derrubam ainda mais.
Janis de topless em Ipanema: bem à frente do seu tempo |
Em sua estrutura temporal, a abordar os poucos anos de fama que
a cantora teve, a montagem do documentário passa pelas breves fases da vida de
Janis focando em suas turbulências, mas mesclando-as com as fases de calmaria. Uma
delas surge a partir de uma pergunta do apresentador Dick Cavett, em seu talk
show, quando o filme adentra no período que a cantora passou no Brasil, durante
o carnaval do Rio em 1970, período em que seguiu de carona pela região norte e
nordeste do país. Nas palavras de um namorado que conheceu em Ipanema, o
sentimento mais pleno de que, com uma boa companhia constante, ela poderia não
ter sucumbido.
Já sabemos o final daquela história e caminhar para ele após
sermos apresentados àquela face tão delicada e díspar da sua postura decidida e
auto-afirmativa no palco, torna a experiência de testemunhá-la ainda mais dolorosa. Sim, dolorosa, mas de forma crucial, obrigatória.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirResumiu bem o foco do filme!
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