segunda-feira, 11 de julho de 2016

Janis: Little Girl Blue

(EUA, 2015) Direção: Amy Berg.


Por João Paulo Barreto

Mais do que uma colagem de vídeos de época, com imagens icônicas e trechos das marcantes performances de Janis Joplin, Janis – Little Girl Blue desenha um mapa através da fragilidade emocional, inseguranças e genialidade absurda da jovem cantora texana morta em outubro de 1970.

O filme da experiente documentarista Amy Berg opta por uma desconstrução do mito para, assim, demonstrar ao espectador o quão gigante era a chamada rainha do blues americano. Seguindo uma convencional, mas mão menos eficiente, estrutura cronológica, o longa opta por apresentar a infância e adolescência da artista, na pequena cidade de Port Arthur, Texas. Já neste ponto, o documentário acerta por abordar o impacto psicológico que o bullyng teve na vida da jovem.

Se desde criança ela demonstrava uma rebeldia natural ao ser expulsa de corais de igreja e aulas de canto por não querer se adequar ao modelo de boas maneiras imposto, toda essa inicial segurança e atitude desmoronam em situações traumáticas por conta de sua disfarçada necessidade de inclusão em um perfil social que, na raiz, ela nunca precisou. Cresce nesse modelo, mas, pouco a pouco, se vê influenciada pela cultura beatnik e pelo blues, percebendo, assim, que Port Arthur é muito pequena para seu pensamento de vanguarda.

Sorriso cativante: Janis nas ruas do Rio durante o carnaval de 1970
Então, ao ser humilhada na capa de um jornaleco estudantil na eleição do “homem mais feio da turma” (em um dos momentos mais tocantes do longa), Janis, apesar de destruída psicologicamente por tal crueldade, encontra nesse fato a fagulha que lhe tiraria da inércia de cidadezinha do interior, levando-a, no começo dos anos 1960, a São Francisco, cidade símbolo do pensamento livre nos Estados Unidos da época. E é neste ponto que sua ascensão e, contraditoriamente, ruína começam.

Na narração de cartas escritas para sua família (cartas que ganham na voz da cantora Cat Power uma poderosa interpretação), o filme exibe uma face ingênua, repleta de dúvida, algo que denota justamente o fato de que, apesar da impactante voz e comportamento à frente do seu tempo, Janis era apenas uma menina com vinte e poucos anos, longe de casa e cheia de insegurança, algo comum em qualquer pessoa que se vê em sua situação.

Ao exibir esse processo de amadurecimento e percepção de que o mundo pertencia a ela, o filme cria uma eficiente rima narrativa, uma vez que, apesar do alcance fugaz do sucesso e postura dominante no palco, a menina Janis Joplin ainda precisava da aprovação de sua família ao falar do quanto estava feliz por ter conhecido alguém em São Francisco e por finalmente se ver pertencendo a algum lugar.

Janis e o empresário Albert Grossman
Nesta construção da personalidade da cantora, Amy Berg opta por uma linha narrativa que equilibra o crescimento da artista como interprete com suas nuances de fragilidade. E essa abordagem acaba por, de modo genuíno e sem manipulações, partir o coração de quem testemunha aquela história, como quando vemos Janis lamentar-se pelo fato de que, após uma festa ou uma apresentação em um bar, ela era a única a ir para casa sozinha ou quando em uma de suas cartas ela admite que quer desesperadamente ser feliz.

Em outro ponto, percebemos ainda mais sua fragilidade quando é abordado o momento em que Janis, ainda na sua primeira tentativa de São Francisco, volta ao Texas (após vaquinha de amigos na passagem) para fugir do vicio em metanfetamina. No retorno, desenha em sua vida uma esperança de ter encontrado o amor e deposita nessa possibilidade todos os seus anseios. Rejeitada, decide voltar à Califórnia a convite do amigo Chet Helms, que viria a se tornar seu agente e responsável pela união à banda Big Brother and The Holding Company. O sucesso começava a surgir em sua vida e suas ansiedades se faziam mais presentes.

Na sua relação com as drogas, Janis era uma vitima de seus próprios impulsos. Sofria com a pressão de um mundo áspero e influências ao seu redor, o que tornava apenas temporária sua distância da heroína. Após alcançar fama no festival de Monterey, sua carreira realmente decola e o convite para seguir solo não tarda a aparecer. Sozinha, sem o suporte dos antigos parceiros de banda e percebendo-se inapta a liderar um grupo musical, se vê cada vez mais dependente química. A pressão da mídia não ajuda e as críticas negativas a derrubam ainda mais.

Janis de topless em Ipanema: bem à frente do seu tempo
Em sua estrutura temporal, a abordar os poucos anos de fama que a cantora teve, a montagem do documentário passa pelas breves fases da vida de Janis focando em suas turbulências, mas mesclando-as com as fases de calmaria. Uma delas surge a partir de uma pergunta do apresentador Dick Cavett, em seu talk show, quando o filme adentra no período que a cantora passou no Brasil, durante o carnaval do Rio em 1970, período em que seguiu de carona pela região norte e nordeste do país. Nas palavras de um namorado que conheceu em Ipanema, o sentimento mais pleno de que, com uma boa companhia constante, ela poderia não ter sucumbido.

Já sabemos o final daquela história e caminhar para ele após sermos apresentados àquela face tão delicada e díspar da sua postura decidida e auto-afirmativa no palco, torna a experiência de testemunhá-la ainda mais dolorosa. Sim, dolorosa, mas de forma crucial, obrigatória. 

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