sábado, 9 de julho de 2016

Paulina

(La Patota, 2015, Argentina) Direção: Santiago Mitre. Com Dolores Fonzi, Oscar Martínez, Cristian Salgueiro.


Por João Paulo Barreto

Paulina tem como seu principal equívoco o fato de abordar um tema polêmico como o estupro sob uma possível postura de proteção do agressor em detrimento da vitima. No entanto, na história da advogada bem sucedida que decide largar o futuro promissor como juíza para dar aulas a adolescentes pobres em um vilarejo argentino, uma discussão não muito comum no cinema é proposta pelos realizadores.

A personagem título possui um pensamento social atuante, que a faz seguir suas escolhas visando uma fuga da postura elitista que a classe na qual foi criada impõe como sendo o modo  de se viver. É uma cidadã preocupada com as pessoas que a cercam e que, por isso, tem na ideia de compartilhar seu conhecimento um modo de tentar mudar a realidade dos menos privilegiados que a elite argentina tenta não enxergar.

Tecnicamente, Paulina é uma obra que caminha muito bem em sua adaptação. Com uma montagem eficiente, que trabalha bem as elipses e os flashbacks, a narrativa flui de modo não linear, conseguindo, porém, manter sua trama e captando a atenção do espectador sem maiores problemas. Da mesma forma, acerta no tom de atuação de seus protagonistas, a começar por Dolores Fonzi, com seu olhar sempre determinado, levando-nos a questionar o óbvio, mesmo que os argumentos de sua personagem não se sustentem. Conta também com Oscar Martínez, que, na postura de um pai inicialmente pragmático, não tarda a ceder ao emocional diante da postura irrestrita da filha.

Postura social atuante: Paulina leciona na escola do vilarejo
Em uma intensa discussão inicial, Paulina conversa com Fernando, seu pai, acerca dos seus planos e ali, com poucos minutos de filme, numa cena realizada sem cortes e que, por isso, tem seu impacto ainda mais valorizado, passamos a conhecer bem sua determinação e ideais focados em objetivos já traçados e planejados. A seu pai, resta apenas a percepção de que não há qualquer argumento ou influência que sua posição possa exercer na mentalidade da filha.  

Após se familiarizar com o desleixo e irresponsabilidade típica da juventude de seus alunos , a agora professora Paulina mantém sua rotina nas tentativas de captar a atenção e lecionar algo para os jovens. Passando a fazer parte da rotina do vilarejo, cria laços de amizade e começa a levar no lugar uma vida de acordo com suas expectativas. Até que, voltando da casa de uma amiga, é atacada por um grupo de homens e estuprada por Ciro, morador local que trabalha em uma madeireira. 

Neste momento, o filme começa a abordar o viés incomum citado no inicio deste texto. Violentada e grávida, Paulina decide prosseguir com a gestação, preferindo não denunciar seus agressores, mesmo sabendo quem são. Em seus argumentos, nem sempre compreensíveis levando em consideração a gravidade do crime sofrido por ela, interromper tal gestação ou denunciar os agressores iria de encontro aos ideais que a levaram, inicialmente, a optar por aquele emprego e missão social no local.

Ciro e o grupo de criminosos
Após saber que seu pai, um juiz influente na região, solicitou a prisão dos envolvidos, Paulina mente ao dizer não reconhecê-los como agressores. Em seu argumento, por conta do estado físico dos presos, a confissão foi arrancada sob tortura, o que torna invalido qualquer argumento. Em um comportamento estóico e que gera incômodo no público, a personagem parece agir cegamente, de acordo com seus princípios que, ao que leva a crer, fazem sentido somente para ela, em uma atitude que beira a teimosia infantil, principalmente quando em uma discussão com Fernando, admite que cogitaria abortar se tivesse sido estuprada pelo próprio namorado.

Há um fator que gera certo desconforto na produção que é o fato de que a obra é toda ela realizada por homens e isso acaba colaborando na impressão de equivoco e inutilidade na proposta lançada em debate. Será que sob um olhar feminino por trás das câmeras, tal ideia de discussão seguiria em frente? E o que é mais importante de se perguntar: não seria um desserviço do cinema lançar uma proposta como essa em pauta?

Fernando e sua tentativa de dissuadir sua filha
Na alteração do título para sua versão brasileira, inclusive, subliminarmente um juízo de valor é retirado dos agressores, uma vez que, de La Patota (bando de vadios, em tradução livre) para Paulina, indiretamente o nome exime um julgamento dos atos do grupo de criminosos colocando-o sobre o comportamento da vitima.

Quando a sociedade cada vez mais necessita de incentivos para denunciar crimes contra a mulher, talvez a obra produzida por Walter Salles soe como uma discussão que, apesar de ousar e fugir do esperado clichê catártico de filmes de vingança, não contribui em nada para melhorar o cenário atual de violência sexual em que vivemos e que precisamos mudar.


Um comentário:

  1. Concordo integralmente com a tua crítica, João. Desconfortável é a palavra mais suave que tenho para me expressar em relação a esta produção. Para o bem e para o mal, no Brasil eu percebo até pela minha vivência em Ciências Humanas na Universidade, uma quase dogmatização do conceito de relativismo. O filme na figura da Paulina parece querer o tempo todo justificar os estupradores pela sua condição de excluídos e à parte do estado, pobres e indígenas. Vários críticas que li sutil ou enfaticamente endossaram essa visão. Como disse um grande amigo, "eu entendo que tudo deva ser visto dentro de um contexto, mas o contexto não pode ser maior que o fato em si". Nenhuma condição de exclusão ou histórico de violência sofrida justifica, para mim, a sua reprodução, e pior, a sua não punição. Se torturá-los é vingança pura e simples no melhor estilo "olho por olho e dente por dente", então dir-se-á o mesmo de julgamento e posterior prisão de acordo com regras civilizadas do Estado de direito? Para algumas pessoas, a obra de Foucalt, "Vigiar e Punir" é mais que uma Bíblia. Nem uma visão relativista nem uma visão puramente punitiva me servem. Agora, não consigo transigir com uma visão que me taxe de vingativo por querer punição para quem assassina literalmente ou simbolicamente, posto que o estupro é para mim arrancar as entranhas do outro e não há exclusão social que a justifique - os algozes da Paulina e de qualquer outra vítima, salvo uma psicopatia, tem clara noção da dor que infringiram ao outro com seu ato vil.

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