(La Patota, 2015,
Argentina) Direção: Santiago Mitre. Com Dolores Fonzi, Oscar Martínez, Cristian
Salgueiro.
Por João Paulo Barreto
Paulina tem como
seu principal equívoco o fato de abordar um tema polêmico como o estupro sob
uma possível postura de proteção do agressor em detrimento da vitima. No
entanto, na história da advogada bem sucedida que decide largar o futuro
promissor como juíza para dar aulas a adolescentes pobres em um vilarejo
argentino, uma discussão não muito comum no cinema é proposta pelos
realizadores.
A personagem título possui um pensamento social atuante, que
a faz seguir suas escolhas visando uma fuga da postura elitista que a classe na
qual foi criada impõe como sendo o modo de se viver. É uma cidadã preocupada com as
pessoas que a cercam e que, por isso, tem na ideia de compartilhar seu
conhecimento um modo de tentar mudar a realidade dos menos privilegiados que a
elite argentina tenta não enxergar.
Tecnicamente, Paulina é
uma obra que caminha muito bem em sua adaptação. Com uma montagem eficiente,
que trabalha bem as elipses e os flashbacks, a narrativa flui de modo não
linear, conseguindo, porém, manter sua trama e captando a atenção do espectador
sem maiores problemas. Da mesma forma, acerta no tom de atuação de seus
protagonistas, a começar por Dolores Fonzi, com seu olhar sempre determinado,
levando-nos a questionar o óbvio, mesmo que os argumentos de sua personagem não
se sustentem. Conta também com Oscar Martínez, que, na postura de um pai
inicialmente pragmático, não tarda a ceder ao emocional diante da postura irrestrita
da filha.
Postura social atuante: Paulina leciona na escola do vilarejo |
Em uma intensa discussão inicial, Paulina conversa com
Fernando, seu pai, acerca dos seus planos e ali, com poucos minutos de filme, numa
cena realizada sem cortes e que, por isso, tem seu impacto ainda mais
valorizado, passamos a conhecer bem sua determinação e ideais focados em
objetivos já traçados e planejados. A seu pai, resta apenas a percepção de que
não há qualquer argumento ou influência que sua posição possa exercer na
mentalidade da filha.
Após se familiarizar com o desleixo e irresponsabilidade
típica da juventude de seus alunos , a agora professora Paulina mantém sua
rotina nas tentativas de captar a atenção e lecionar algo para os jovens. Passando
a fazer parte da rotina do vilarejo, cria laços de amizade e começa a levar no
lugar uma vida de acordo com suas expectativas. Até que, voltando da casa de
uma amiga, é atacada por um grupo de homens e estuprada por Ciro, morador local
que trabalha em uma madeireira.
Neste momento, o filme começa a abordar o viés incomum
citado no inicio deste texto. Violentada e grávida, Paulina decide prosseguir
com a gestação, preferindo não denunciar seus agressores, mesmo sabendo quem
são. Em seus argumentos, nem sempre compreensíveis levando em consideração a
gravidade do crime sofrido por ela, interromper tal gestação ou denunciar os
agressores iria de encontro aos ideais que a levaram, inicialmente, a optar por
aquele emprego e missão social no local.
Ciro e o grupo de criminosos |
Após saber que seu pai, um juiz influente na região,
solicitou a prisão dos envolvidos, Paulina mente ao dizer não reconhecê-los
como agressores. Em seu argumento, por conta do estado físico dos presos, a
confissão foi arrancada sob tortura, o que torna invalido qualquer argumento.
Em um comportamento estóico e que gera incômodo no público, a personagem parece
agir cegamente, de acordo com seus princípios que, ao que leva a crer, fazem
sentido somente para ela, em uma atitude que beira a teimosia infantil,
principalmente quando em uma discussão com Fernando, admite que cogitaria
abortar se tivesse sido estuprada pelo próprio namorado.
Há um fator que gera certo desconforto na produção que é o
fato de que a obra é toda ela realizada por homens e isso acaba colaborando na
impressão de equivoco e inutilidade na proposta lançada em debate. Será que sob
um olhar feminino por trás das câmeras, tal ideia de discussão seguiria em
frente? E o que é mais importante de se perguntar: não seria um desserviço do
cinema lançar uma proposta como essa em pauta?
Fernando e sua tentativa de dissuadir sua filha |
Na alteração do título para sua versão brasileira,
inclusive, subliminarmente um juízo de valor é retirado dos agressores, uma vez que, de
La Patota (bando de vadios, em
tradução livre) para Paulina, indiretamente o nome exime um julgamento dos atos do grupo de criminosos colocando-o sobre o comportamento da vitima.
Quando a sociedade cada vez mais necessita de incentivos
para denunciar crimes contra a mulher, talvez a obra produzida por Walter
Salles soe como uma discussão que, apesar de ousar e fugir do esperado clichê
catártico de filmes de vingança, não contribui em nada para melhorar o cenário atual de
violência sexual em que vivemos e que precisamos mudar.
Concordo integralmente com a tua crítica, João. Desconfortável é a palavra mais suave que tenho para me expressar em relação a esta produção. Para o bem e para o mal, no Brasil eu percebo até pela minha vivência em Ciências Humanas na Universidade, uma quase dogmatização do conceito de relativismo. O filme na figura da Paulina parece querer o tempo todo justificar os estupradores pela sua condição de excluídos e à parte do estado, pobres e indígenas. Vários críticas que li sutil ou enfaticamente endossaram essa visão. Como disse um grande amigo, "eu entendo que tudo deva ser visto dentro de um contexto, mas o contexto não pode ser maior que o fato em si". Nenhuma condição de exclusão ou histórico de violência sofrida justifica, para mim, a sua reprodução, e pior, a sua não punição. Se torturá-los é vingança pura e simples no melhor estilo "olho por olho e dente por dente", então dir-se-á o mesmo de julgamento e posterior prisão de acordo com regras civilizadas do Estado de direito? Para algumas pessoas, a obra de Foucalt, "Vigiar e Punir" é mais que uma Bíblia. Nem uma visão relativista nem uma visão puramente punitiva me servem. Agora, não consigo transigir com uma visão que me taxe de vingativo por querer punição para quem assassina literalmente ou simbolicamente, posto que o estupro é para mim arrancar as entranhas do outro e não há exclusão social que a justifique - os algozes da Paulina e de qualquer outra vítima, salvo uma psicopatia, tem clara noção da dor que infringiram ao outro com seu ato vil.
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