segunda-feira, 18 de julho de 2016

La Vanité

(Suiça, França, 2015) Direção: Lionel Baier. Com Patrick Lapp, Carmen Maura, Ivan Georgiev.


Por João Paulo Barreto

Em La Vanité, o diretor Lionel Baier propõe uma sutil, porém não menos tocante, reflexão acerca da efemeridade da morte e do modo como a escolha do momento dessa passagem deve recair unicamente no próprio individuo diretamente afetado por aquele fato. É um filme que, apesar de abordar um tema de tamanho peso como a eutanásia, consegue fazê-lo de forma muito delicada e dotado de um humor que se faz presente sem a necessidade de apelar para histrionismo ou piadas fora de timing. E na escolha teatral de situar seus personagens em cena, somando a isso os enquadramentos exatos dos cenários e elementos em quadro, a obra prima por uma elegância notável.

Na história, David Miller (Lapp), um senhor de 70 anos com câncer, decide procurar uma agência que oferece serviços de eutanásia. Ao se hospedar no hotel projetado por ele e pela esposa décadas antes, aguarda pela mulher que fará o serviço (Carmem Maura no papel de Esperanza, um nome muito pertinente) e pelo filho para servir de testemunha. Quando este decide não participar, cabe a Treplev (Georgiev), um garoto de programa eslavo que trabalha no quarto ao lado servir neste papel.

Esperanza, Treplev e David: cooperação mútua na morte
Em sua aproximação acerca da morte, La Vanité acaba por apresentar camadas curiosas. Ao abordar um tema tão pesado quanto a eutanásia, o modo sutil como o diretor Lionel Baier mescla elementos cômicos à sua proposta, sem necessariamente levar o espectador às gargalhadas abertas ou mesmo aos sorrisos nervosos, cria um equilíbrio no contar de sua história. Isso acaba por aprofundar o espectador em uma reflexão sobre o assunto sem que qualquer tentativa de manipulação através do drama o leve a conclusões direcionadas.

No seu roteiro, Baier cria perguntas pertinentes sobre o direito de cada uma possuir autonomia sobre sua própria vida. Em suas respostas, o filme apresenta uma conclusão simples e sem se basear em clichês do tipo “enquanto houver vida, há esperança”. Não. Aqui, a liberdade de David é, na melhor forma sartreana, o que o condena nas suas escolhas. A sua decisão não se apóia em razões centradas na desesperança ou em qualquer caminho melancólico. Ao se basear no pragmatismo, o protagonista segue a opção que lhe parece mais lógica diante de uma vida sem perspectivas. O único porém está no modo como  ele se torna dependente das pessoas ao seu redor e na forma como estas lhe despertam a curiosidade, tornando, assim, a morte menos atrativa.

David e os percalços para conseguir morrer em paz
Do mesmo modo, em outra curiosa camada de seu filme, Baier é bem oportuno ao abordar um tema infelizmente atual na Europa: a xenofobia. Não que seus personagens apresentem esse perfil ou que o filme busque se basear no maniqueísmo para tratar tal assunto. Aqui, o roteiro segue em uma linha de denúncia bem de acordo com a sutileza de sua mensagem. Ao inserir três personagens europeus em cooperação mutua, mesmo que em nome da morte de um deles, a obra faz uma eficiente abordagem da questão que atormenta a Europa no que se refere ao preconceito xenofóbico. No quadro Holbein, Os Embaixadores, exposto no quarto, a rima visual perfeita para comprovar essa intenção do longa. Com seu crânio (ou em francês, Vanité) escondido de forma evidente na tela, o filme entrega uma de suas melhores tiradas envolvendo o modo como Treplev o enxergou da primeira vez.

David Miller acaba sendo um personagem deslocado do seu próprio tempo. Ao revisitar a época de ouro da construção de seu hotel, percebemos seu principal incômodo ao notar-se  fora de sua época. Viúvo, cabe-lhe apenas reminiscências. Sem uma boa relação com o filho adulto, lembranças do modo como a repugnância regia seus dias como pai de um bebê, anos atrás. Pronto para abraçar a morte, acaba por encontrá-la de um modo que não esperava.

No cinema, diversos simbolismos podem representá-la. Aqui, o ato de colocar um gorro na cabeça de um boneco de neve encerra de forma brilhante aquela percepção.

A obra de Holbein, Os Embaixadores, e sua misteriosa figura central


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