quinta-feira, 7 de julho de 2016

Julieta

(Espanha, 2016) Direção: Pedro Almodóvar. Com Emma Suárez, Adriana Ugarte, Michelle Jenner, Rosy de Palma, Daniel Grao, Dario Grandinetti.


Por João Paulo Barreto

Em Julieta, Pedro Almodóvar retorna ao tema da perda dentro do universo feminino cujo conhecimento profundo o consagrou. Aqui, o cineasta destrincha a dor da personagem título, uma mãe cuja falta de informações acerca do desaparecimento voluntário de Antia, sua filha de dezoito anos, a atormenta.

É um filme que destrincha todo o impacto destrutivo, físico e emocional, que a ausência de um filho pode causar. Em seu roteiro, baseado no conto escrito por Alice Munro, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2013, o diretor espanhol traz para o espectador justamente isso, uma análise da perda e a forma impossível como uma pessoa consegue se recompor e seguir adiante de modo a deixar aquela ferida, apesar de aberta, incomodando o mínimo possível.

A Julieta do título é uma professora aposentada que, na inércia, parecia ao menos tocar a rotina doze anos após o desaparecimento da única filha. Ao reencontrar Beatriz, uma jovem que costumava ser amiga de Antia, saber que a mesma reencontrou a garota e que esta já tem três filhos e segue a vida distante e bem, os poucos vestígios de equilíbrio emocional que Julieta parecia ter caem por terra. O acontecimento traz todo um turbilhão de lembranças à tona, lhe obrigando a revisitar o passado, levando a mulher a enfrentar seus demônios escrevendo sua história em forma de carta à filha.

Na angústia da perda, Julieta busca alento na escrita 
Na construção de sua protagonista, Almodóvar opta por uma desconstrução física da mesma. Em sua juventude, vivida por Adriana Ugarte, com os cabelos loiros chamativos, típicos dos anos 1980, seguida de uma beleza mais sóbria e cativante em sua maternidade, um brilho no olhar e um resplandecer de sua aparência são notáveis. Após acontecimentos trágicos e marcantes, a figura de Julieta parece se despedaçar aos poucos. Na presença de Emma Suárez, que a vive em sua fase mais madura, uma melancolia no olhar, rosto sempre abatido, a insegurança nos planos e uma constante pressa no gestual, denotam seu estado de espírito por um fio. E a queda torna-se inevitável.

É justamente essa queda que o filme se propõe a analisar. Mas, claro, trata-se de Pedro Almodóvar. Não somente a atuação de seus personagens constrói seus arcos. Os elementos em seus cenários, suas cores, suas referências culturais ajudam nesta construção, criando para o espectador uma trilha para as personalidades dos habitantes daquele mundo. Lá estão as pistas de um universo típico. Um quadro do pintor Lucien Freud na parede, como um espelho a revelar a face pesada da solidão de Julieta; a leitura de um livro sobre a tragédia grega a entregar pistas do que virá a seguir, elementos que delineiam todas as nuances de um drama áspero.

O calor da juventude e a entrega sem medos ao amor 
As tão famosas cores de Almodóvar, claro, se fazem presentes. Cores inicialmente vibrantes que vão representando a perda de calor na vida de Julieta. De modo sóbrio, o diretor acerta ao não ceder ao melodrama escancarado, deixando a tristeza se fazer presente de forma genuína. E essa tristeza vai sendo representada de maneira sutil em seus cenários, com as cores quentes das paredes que, gradativamente, viram tons pastel, como a exibir a ausência de energia na vida de Julieta.  Isso é visto, também, nos bolos que ano a ano a mulher compra para celebrar o aniversário da filha. Bolos que vão se tornando mais discretos com o passar do tempo e que, de modo brilhantemente sagaz, Almodóvar registra no lixo em cada ocasião.

Trata-se de uma película feminina em sua essência, que observa as dores daquelas mulheres em suas mais variadas nuances. Na presença da mãe senil de Julieta, um contraste impressionante com a jovialidade e felicidade no rosto da nova namorada do seu pai, também feliz por poder recomeçar a vida, mas sem agir com egoísmo ao permitir-se cuidar da esposa doente com a ajuda de seu novo amor. No mundo de Almodóvar, conceitos de certo ou errado ganham variados significados. E os homens acabam por ser representados de modo alegórico, como vemos nas esculturas com genitais expostos (uma delas, inclusive, abrindo o filme), que uma das personagens define como “pesadas para que vento não possa derrubar, como as pessoas de lá”, referenciando o lugar onde vive às margens do oceano.

Elementos inconfundíveis no universo de Almodóvar
É uma obra repleta de rimas visuais. Em uma delas, vemos um mar calmo inicialmente convidar a protagonista, lhe dando boas vindas à casa do amor de sua vida. No dia que sua vida sofre o primeiro golpe, o oceano revolto parece querer expulsá-la, cumprindo sua função de tirar-lhe parte de sua existência. 

Na ausência de trilha sonora, inclusive, o diretor entrega um filme cujo silêncio colabora para o espectador compartilhar o vazio na vida de sua protagonista.

Nos créditos finais, com a pesada “Si no te vas” na interpretação de Chavela Vargas, um resumo daquela dolorosa angústia sentida por Julieta e uma mão que, carinhosamente, traz o espectador de volta ao mundo, conduzindo-o para fora do cinema.

Mas a vontade de ficar ali naquele universo parece maior. Poucos autores conseguem tal intento. Pedro Almodóvar é um deles.


9 comentários:

  1. Daquelas críticas que alargam nossa visão e desfrute do filme pós-sessão. Obrigada, João Paulo!

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  2. Adoro críticas que enxergam além do autor!

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  3. A perda de um filho/a, a que título for, praticamente acaba com a vida de uma mãe.
    Montanhas de dor; confusão mental; negação, raiva, ódio. E culpa. Muita Culpa.
    Recorrer a Deus é o caminho para os que N'Ele creem.
    Entregar nas mãos de Deus!!!
    Buscar auxílio terapêutico, medicamentoso para aquietar o tsunami.
    Datas festivas aumentam o inferno.
    Aniversário, Dia disso, daquilo, tudo é um horror.
    O filme é excelente!!!
    Mas, é preciso viver!!!!
    Continuar a jornada.
    Houve erros, extrapolando limites, causamos conscientes ou não, algum trauma no ser amado que geramos?
    Sim, é possível! Somos humanas.
    Quando começamos a analisar nossas falhas, a culpa perde força.
    Por que mães, antes de mães são apenas seres humanos, com toda a vulnerabilidade que essa condição implica.
    Mães não são Deus.
    Espero que toda mulher retorne à vida,
    permitindo-se novas experiências, mesmo que tenha sofrido a terrível dor de uma perda filial.
    Será antinatural voltar a viver quando existe uma perda filial em nossas vidas? Deixo a questão em aberto.*******************








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  4. A perda de um filho/a, a que título for, praticamente acaba com a vida de uma mãe.
    Montanhas de dor; confusão mental; negação, raiva, ódio. E culpa. Muita Culpa.
    Recorrer a Deus é o caminho para os que N'Ele creem.
    Entregar nas mãos de Deus!!!
    Buscar auxílio terapêutico, medicamentoso para aquietar o tsunami.
    Datas festivas aumentam o inferno.
    Aniversário, Dia disso, daquilo, tudo é um horror.
    O filme é excelente!!!
    Mas, é preciso viver!!!!
    Continuar a jornada.
    Houve erros, extrapolando limites, causamos conscientes ou não, algum trauma no ser amado que geramos?
    Sim, é possível! Somos humanas.
    Quando começamos a analisar nossas falhas, a culpa perde força.
    Por que mães, antes de mães são apenas seres humanos, com toda a vulnerabilidade que essa condição implica.
    Mães não são Deus.
    Espero que toda mulher retorne à vida,
    permitindo-se novas experiências, mesmo que tenha sofrido a terrível dor de uma perda filial.
    Será antinatural voltar a viver quando existe uma perda filial em nossas vidas? Deixo a questão em aberto.*******************








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  5. A perda de um filho/a, a que título for, praticamente acaba com a vida de uma mãe.
    Montanhas de dor; confusão mental; negação, raiva, ódio. E culpa. Muita Culpa.
    Recorrer a Deus é o caminho para os que N'Ele creem.
    Entregar nas mãos de Deus!!!
    Buscar auxílio terapêutico, medicamentoso para aquietar o tsunami.
    Datas festivas aumentam o inferno.
    Aniversário, Dia disso, daquilo, tudo é um horror.
    O filme é excelente!!!
    Mas, é preciso viver!!!!
    Continuar a jornada.
    Houve erros, extrapolando limites, causamos conscientes ou não, algum trauma no ser amado que geramos?
    Sim, é possível! Somos humanas.
    Quando começamos a analisar nossas falhas, a culpa perde força.
    Por que mães, antes de mães são apenas seres humanos, com toda a vulnerabilidade que essa condição implica.
    Mães não são Deus.
    Espero que toda mulher retorne à vida,
    permitindo-se novas experiências, mesmo que tenha sofrido a terrível dor de uma perda filial.
    Será antinatural voltar a viver quando existe uma perda filial em nossas vidas? Deixo a questão em aberto.*******************








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  6. FILME MARAVILHOSO, Pedro como sempre consegue destrinchar a vida e torná-la no vídeo tão humana quanto a realidade de nossas vidas, impactantes , desgastantes e temporários. A trilha sonora ficou a desejar.

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