TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM A TARDE, DIA 09/09/2017
http://atarde.uol.com.br/cinema/noticias/1893252-em-nome-da-america-traz-reflexao-geopolitica-para-cachoeira
Com
estreia mundial no festival do recôncavo, filme de Fernando Weller esmiúça a
ação política dos Estados Unidos no interior de Pernambuco
O diretor de Em Nome da América, Fernando Weller |
Por João Paulo Barreto
Com estreia mundial acontecendo na edição 2017 do Cachoeira
Doc, festival de documentários que vai até domingo na cidade do recôncavo
baiano, Em Nome da América, dirigido
pelo pernambucano Fernando Weller, é um filme que causa desconforto. Tal
sensação deve-se à percepção que o cineasta dá ao espectador acerca da ingerência
estadunidense na política interna brasileira, fato que, normalmente, não soaria
como novidade alguma diante do que já é notório na História. No entanto, o
longa-metragem levanta questionamentos relacionados às ações do Tio Sam no
Brasil que, mesmo diante de uma influência notoriamente conhecida, ainda
surpreende pelo modo minucioso como ela se insere.
Em sua narrativa, o diretor busca respostas para as razões que
justificassem a presença massiva de jovens norte-americanos na pequena cidade e
arredores de Bom Jardim, no interior de Pernambuco, entre as décadas de 1960 a 1980.
Tais pessoas, inicialmente apresentadas como membros do Corpo de Paz, programa
de voluntariado inserido pelo então presidente John Kennedy, e voltado para um
suposto desenvolvimento de países pobres da América Latina e de outros lugares
do mundo, são resgatadas pelo cineasta e apresentam suas versões para o que
aconteceu naquele período.
O suposto progresso chega a Bom Jardim |
“É de conhecimento geral que os Estados Unidos teve ligação
direta com a ditadura militar no Brasil. Documentos já desclassificados pela
CIA (Departamento de Inteligência Americana) comprovam isso. Mas o que mais
impressiona na história que eu quis apresentar é o nível de interesse do governo
americano possa vir a ter em um local minúsculo como Bom Jardim” , explica o
diretor Fernando Weller. Vale ressaltar que se trata de um período no qual a indisposição
do governo Kennedy com Cuba, a crise da Baía dos Porcos, evento que quase
causou o lançamento de um ataque ao país de Fidel Castro, bem como a aberta
ligação da ilha com a União Soviética, tornou ainda mais exponencial a paranóia
ianque perante focos de regimes comunistas e/ou socialista pelo mundo.
Mas é justamente o âmbito microscópico da sua atuação
imperialista que impressiona. O filme, através de imagens e documentos de
arquivo, esmiúça as suspeitas americanas de que um destes focos poderia surgir
no nordeste brasileiro. No período, um dos maiores influenciadores do
pensamento de luta proletária no Brasil, Francisco Julião, líder da Liga dos
Camponeses, conclamava a massa de trabalhadores do interior de Pernambuco a se
unir contra a exploração patronal nas culturas de cana-de-açúcar. Entrevistas
realizadas pela TV americana à época exibem , por exemplo, um fazendeiro se
gabando do poder que possui enquanto descarrega balas de revolver para o alto e
para o chão; há também o momento em que um dos donos da plantação de cana
admite, falando em inglês, que não tem interesse algum em pagar melhores
salários aos seus homens, uma vez que, assim, eles não vão querer trabalhar. A
região era justamente a de maior presença de jovens estadunidenses membros do
Corpo de Paz, que oferecia a eles a opção de se voluntariar em países pobres,
ao invés de serem convocados para a Guerra do Vietnã.
Moradores de Bom Jardim junto a alguns dos estrangeiros |
Nas suas entrevistas, Weller apresenta as relações sinceras
que muitos daqueles jovens americanos tinham com o idealismo humanitário, de
ajuda real a um povo em necessidade. Uma delas, uma enfermeira que atuou no
nordeste, se emociona ao lembrar que não conseguia aplicar injeções com vacinas
em algumas crianças por conta da avançada desnutrição e ausência de músculos
nos seus corpos pequeninos. Em outro ponto, durante um dos momentos de tensão
por conta da impaciência da fonte, Weller entrevista um americano que admite o
interesse da Casa Branca puramente na contenção de qualquer doutrina comunista
ou socialista no local, contando para isso, inclusive, com a ajuda da igreja
católica, que possuía padres à frente de órgãos financiados pelos Estados
Unidos na atividade local.
“Havia entre os jovens naquele período, pessoas que
enxergavam no projeto algo realmente humanista. Muitos deles estavam tentando
ser úteis de alguma forma, algo que não seriam se tivessem que ir para a Guerra
do Vietnã. Então, encontrar essas duas fontes representou justamente essa ideia
de contradição. Alguém que genuinamente se emociona ao lembrar das dificuldades
que encontrou no período passado no sertão e outro que estava lá por outras
razões, montando todo um instrumento para, dentro daquela ajuda humanitária,
aparelhar um projeto maior no real interesse americano”, explica Weller.
Ajuda paternalista
Sendo um dos poucos filmes a abordar a ação americana em
países estrangeiros através do depoimento dos próprios estadunidenses, notoriamente
não muito interessados em permitir que outros países os esmiúcem, o longa se destaca
em um campo da denúncia política, mas sem perder o foco nos laços criados entre
os estrangeiros e os brasileiros que viviam em Bom Jardim.
Em certos momentos, o longa confirma a impressão de uma ação
paternalista por parte dos visitantes. Mas, Em
Nome da América acaba por oferecer uma discussão que vai além de rótulos
que o minimizem. “Minha intenção com o filme era demonstrar que há uma política
não somente paternalista, mas, também, interessada. Que é participante de um
sistema voltado para interesses específicos. Mas o que há por trás desse
paternalismo? Não se trata apenas de chamá-los assim. Trata-se de dizer que
existe um certo sentimento humanitário que é capturado por instituições e por
uma política da Guerra Fria, no caso específico que o filme trata“, afirma o
cineasta.
Grupo de pessoas lideradas por Francisco Julião em protesto |
Ao final, a sensação para o espectador reforça o incômodo
citado no começo deste texto. Uma percepção de que, naquele período, o ascender
da dominação estadunidense perante nações que ousassem contestar seu modelo
imperialista poderia ser tão sanguinolento quanto a intervenção militar no
Vietnã. A diferença, aqui, é que eles possuíam um golpe militar financiado em
parte por Washington, algo que os eximia de sujar as mãos diretamente. Porém,
observar o alcance de suas ações em um local tão remoto como o interior de
Pernambuco torna tal sentimento ainda mais amargo.
Weller lembra o momento do filme em que uma moradora
justifica seu silêncio com o conformismo de que, ali, naquele lugar pacato, “quem
manda é o mais forte e o mais fraco obedece. Se não, morre.” Em um nível
geopolítico, a percepção é a mesma.
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