terça-feira, 12 de setembro de 2017

Em Nome da América, de Fernando Weller

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM A TARDE, DIA 09/09/2017
http://atarde.uol.com.br/cinema/noticias/1893252-em-nome-da-america-traz-reflexao-geopolitica-para-cachoeira

Com estreia mundial no festival do recôncavo, filme de Fernando Weller esmiúça a ação política dos Estados Unidos no interior de Pernambuco

O diretor de Em Nome da América, Fernando Weller 

Por João Paulo Barreto

Com estreia mundial acontecendo na edição 2017 do Cachoeira Doc, festival de documentários que vai até domingo na cidade do recôncavo baiano, Em Nome da América, dirigido pelo pernambucano Fernando Weller, é um filme que causa desconforto. Tal sensação deve-se à percepção que o cineasta dá ao espectador acerca da ingerência estadunidense na política interna brasileira, fato que, normalmente, não soaria como novidade alguma diante do que já é notório na História. No entanto, o longa-metragem levanta questionamentos relacionados às ações do Tio Sam no Brasil que, mesmo diante de uma influência notoriamente conhecida, ainda surpreende pelo modo minucioso como ela se insere.

Em sua narrativa, o diretor busca respostas para as razões que justificassem a presença massiva de jovens norte-americanos na pequena cidade e arredores de Bom Jardim, no interior de Pernambuco, entre as décadas de 1960 a 1980. Tais pessoas, inicialmente apresentadas como membros do Corpo de Paz, programa de voluntariado inserido pelo então presidente John Kennedy, e voltado para um suposto desenvolvimento de países pobres da América Latina e de outros lugares do mundo, são resgatadas pelo cineasta e apresentam suas versões para o que aconteceu naquele período.

O suposto progresso chega a Bom Jardim
“É de conhecimento geral que os Estados Unidos teve ligação direta com a ditadura militar no Brasil. Documentos já desclassificados pela CIA (Departamento de Inteligência Americana) comprovam isso. Mas o que mais impressiona na história que eu quis apresentar é o nível de interesse do governo americano possa vir a ter em um local minúsculo como Bom Jardim” , explica o diretor Fernando Weller. Vale ressaltar que se trata de um período no qual a indisposição do governo Kennedy com Cuba, a crise da Baía dos Porcos, evento que quase causou o lançamento de um ataque ao país de Fidel Castro, bem como a aberta ligação da ilha com a União Soviética, tornou ainda mais exponencial a paranóia ianque perante focos de regimes comunistas e/ou socialista pelo mundo.

Mas é justamente o âmbito microscópico da sua atuação imperialista que impressiona. O filme, através de imagens e documentos de arquivo, esmiúça as suspeitas americanas de que um destes focos poderia surgir no nordeste brasileiro. No período, um dos maiores influenciadores do pensamento de luta proletária no Brasil, Francisco Julião, líder da Liga dos Camponeses, conclamava a massa de trabalhadores do interior de Pernambuco a se unir contra a exploração patronal nas culturas de cana-de-açúcar. Entrevistas realizadas pela TV americana à época exibem , por exemplo, um fazendeiro se gabando do poder que possui enquanto descarrega balas de revolver para o alto e para o chão; há também o momento em que um dos donos da plantação de cana admite, falando em inglês, que não tem interesse algum em pagar melhores salários aos seus homens, uma vez que, assim, eles não vão querer trabalhar. A região era justamente a de maior presença de jovens estadunidenses membros do Corpo de Paz, que oferecia a eles a opção de se voluntariar em países pobres, ao invés de serem convocados para a Guerra do Vietnã.

Moradores de Bom Jardim junto a alguns dos estrangeiros
Nas suas entrevistas, Weller apresenta as relações sinceras que muitos daqueles jovens americanos tinham com o idealismo humanitário, de ajuda real a um povo em necessidade. Uma delas, uma enfermeira que atuou no nordeste, se emociona ao lembrar que não conseguia aplicar injeções com vacinas em algumas crianças por conta da avançada desnutrição e ausência de músculos nos seus corpos pequeninos. Em outro ponto, durante um dos momentos de tensão por conta da impaciência da fonte, Weller entrevista um americano que admite o interesse da Casa Branca puramente na contenção de qualquer doutrina comunista ou socialista no local, contando para isso, inclusive, com a ajuda da igreja católica, que possuía padres à frente de órgãos financiados pelos Estados Unidos na atividade local.

“Havia entre os jovens naquele período, pessoas que enxergavam no projeto algo realmente humanista. Muitos deles estavam tentando ser úteis de alguma forma, algo que não seriam se tivessem que ir para a Guerra do Vietnã. Então, encontrar essas duas fontes representou justamente essa ideia de contradição. Alguém que genuinamente se emociona ao lembrar das dificuldades que encontrou no período passado no sertão e outro que estava lá por outras razões, montando todo um instrumento para, dentro daquela ajuda humanitária, aparelhar um projeto maior no real interesse americano”, explica Weller.

Ajuda paternalista

Sendo um dos poucos filmes a abordar a ação americana em países estrangeiros através do depoimento dos próprios estadunidenses, notoriamente não muito interessados em permitir que outros países os esmiúcem, o longa se destaca em um campo da denúncia política, mas sem perder o foco nos laços criados entre os estrangeiros e os brasileiros que viviam em Bom Jardim.

Em certos momentos, o longa confirma a impressão de uma ação paternalista por parte dos visitantes. Mas, Em Nome da América acaba por oferecer uma discussão que vai além de rótulos que o minimizem. “Minha intenção com o filme era demonstrar que há uma política não somente paternalista, mas, também, interessada. Que é participante de um sistema voltado para interesses específicos. Mas o que há por trás desse paternalismo? Não se trata apenas de chamá-los assim. Trata-se de dizer que existe um certo sentimento humanitário que é capturado por instituições e por uma política da Guerra Fria, no caso específico que o filme trata“, afirma o cineasta.

Grupo de pessoas lideradas por Francisco Julião em protesto
Ao final, a sensação para o espectador reforça o incômodo citado no começo deste texto. Uma percepção de que, naquele período, o ascender da dominação estadunidense perante nações que ousassem contestar seu modelo imperialista poderia ser tão sanguinolento quanto a intervenção militar no Vietnã. A diferença, aqui, é que eles possuíam um golpe militar financiado em parte por Washington, algo que os eximia de sujar as mãos diretamente. Porém, observar o alcance de suas ações em um local tão remoto como o interior de Pernambuco torna tal sentimento ainda mais amargo.


Weller lembra o momento do filme em que uma moradora justifica seu silêncio com o conformismo de que, ali, naquele lugar pacato, “quem manda é o mais forte e o mais fraco obedece. Se não, morre.” Em um nível geopolítico, a percepção é a mesma. 

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