O cineasta Sam Garbarski, diretor de Bye Bye Alemanha |
Por João Paulo Barreto
Dez anos depois de Irina
Palm, sucesso premiado em diversos festivais e exibido em mais de quarenta
países, Sam Garbarski, cineasta radicado na Bélgica, volta à sua Alemanha natal
para tratar de um tema delicado: a sobrevivência de ex-prisioneiros de guerra
no período pós queda do Terceiro Reich, na Frankfurt arrasada pelo conflito
bélico. O que poderia descambar para um drama maniqueísta, consegue se
equilibrar muito bem entre a comédia sutil junto com uma dose pertinente de
reflexão perante o peso de seus personagens. Bye Bye Alemanha aborda justamente a adaptação dos judeus nascidos
no país germânico a uma rotina de sobrevivência, em 1946, logo após a vitória
dos Aliados. “Hitler está morto. Mas nós, não”, afirma David Bermann, um típico
malandro de bom coração, vivido por Moritiz Bleibtreu, ao incentivar seus
conhecidos a entrar com ele na área de varejo, muito bem azeitada, friso, por
técnicas incomuns e não muito éticas para convencer clientes. Trata-se de
alguém que, apesar de tamanho trauma vivido nos anos anteriores, conseguiu, na
medida do possível, utilizar seu bom humor, boa lábia (e uma dose de mentiras)
para sobreviver aos horrores da guerra e, agora, ao capitalismo selvagem. Um
filme que, de modo sagaz, acaba abrangendo não somente o período histórico em
questão, mas, também, os xenofóbicos e racistas tempos atuais, como bem
salientou o diretor em entrevista exclusiva ao jornal A TARDE.
Seu filme consegue
trazer um equilíbrio muito eficiente entre humor e drama, abordando um tema tão
pesado quanto a situação dos judeus no pós e durante a Segunda Guerra. Como se
deu essa construção?
A ideia na criação do roteiro sempre foi essa. A de
conseguir criar uma linha entre o humor e o drama. Mas ao optar por abordar
esse humor, a intenção não era fazer algo pastelão, mas utilizar a sutileza
daquelas situações de graça. De respostas rápidas e irônicas para situações
tensas. No caso do filme, de alguém que precisa usar desse humor para
sobreviver. E o personagem de Moritz Bleibtreu é justamente isso. Um sobrevivente.
Nessa sutiliza, é
perceptível muito de um humor tipicamente do povo judeu, não é mesmo?
Sim. A minha intenção era de abordar aquele tema como uma
sutil comédia, algo bem comum ao humor do povo judeu, na verdade, mas sem
perder o peso dramático que a história possui. Da mesma forma, busquei um
equilíbrio no estilo. Não queria que fosse um filme de gargalhadas rasgadas,
mas algo que, através do riso, trouxesse uma reflexão sobre a seriedade de tudo
aquilo.
Técnicas não muito ortodoxas de vendas: Moritiz Bleibtreu vive David Bermann |
Creio que o longa vai
gerar muita identificação com o público no Brasil por conta de um imaginário
popular que temos aqui no Brasil. O do malandro de bom coração, que busca
escapar de situações difíceis usando a boa lábia e o seu humor.
É mesmo? Que bom! Fico feliz em saber que a identificação
poderá ser ainda mais forte com o público brasileiro. Sabe, esse tipo de
postura, de usar o bom humor perante as dificuldades que encontramos no
caminho, é um pouco a minha própria filosofia de vida. Então, ao fazer o filme,
eu tinha um pouco dessa identificação, também.
Apesar de tantos
momentos de graça, existe força nas situações dramáticas. Entre estas, lembro
de uma cena que desenha esse drama de forma bem impactante, quando o
protagonista é desafiado a jurar pela vida de alguém de sua família, mas
percebe que não há mais ninguém por quem fazer isso.
Eu concordo com você. Este é um momento muito forte para o
personagem vivido por Moritz Bleibtreu, David Bermann. O filme possui essas
situações de graça, mas, por debaixo, está a dor do seu passado de
sobrevivente. No entanto, mesmo assim, ele não deixa de lado aquele seu bom
humor. Eu busquei esse equilíbrio, sabe? É um estilo de comédia discreta, um
humor tipicamente judeu.
Podemos dizer que se
trata de algo até mesmo filosófico, um atenuar da dor, não?
Sim. Algo mais filosófico, de fato. Não é o tipo de comédia
em que o espectador gargalha. Eu queria mostrar naquela história que ele sempre
buscava uma forma de usar seu otimismo e graça para escapar de situações que
não eram nem um pouco engraçadas.
David e suas mercadorias valiosas |
O filme conta com um
roteiro adaptado de Michel Bergmann, a partir do livro escrito por ele mesmo.
Como foi essa parceria entre você e o autor da obra original na criação da
história?
No começo foi bem fácil, uma vez que eu realmente gosto do
livro e tinha os personagens desenvolvidos em minha mente. Após um tempo, nós
tivemos nossas discordâncias no processo de criação, porque eu tive que cortar
alguns personagens que ele conhecia muito bem, afinal eram baseados em seu
livro.
Na versão literária
original, os personagens divergiam muito?
Eles eram um pouco diferentes dos que eu tinha em minha
mente para o filme. Não era sempre que eu e Michel Bergman estávamos na mesma
sintonia durante o processo de criação. Aliás, foi um processo de escrita longo,
quase dois anos. Tivemos nossas diferenças naquele período, mas, ao final, após
alguns ajustes, conseguimos um equilíbrio.
David e o adorável Motek: "Ele é alemão, mas nunca foi nazista" |
Há bastante sutileza em
suas metáforas relacionadas com o preconceito. Creio que a melhor delas envolve
o cão de três patas adotado pela família judia e a cena em que Bermann afirma
que, apesar de alemão, “o cachorro nunca foi um nazista”. Bastante pertinente
em relação ao período atual.
Fico muito feliz com sua percepção desse detalhe no filme.
Essa era a intenção. Bom, trata-se de um cachorro com apenas três patas. Como
não se afeiçoar? (risos)
Exatamente. Mas o
filme não abusa dessa artimanha de conquistar o público com animais adoráveis.
Na verdade, o
cachorro é um sobrevivente alemão. Perdeu sua pata em algum bombardeio, foi
abandonado pela família alemã e adotado pelos judeus quando encontrado vagando
pelas ruas devastadas após a guerra. Seu
nome, Motek, vem do hebraico e significa “querido”. Eles o apelidam assim, com um nome judaico,
mas eles sabem que ele é alemão. Essa é a beleza desse detalhe e o modo como
essa metáfora se adapta bem aos nossos tempos. Do mesmo modo que naqueles dias
nem todos alemães eram nazistas, hoje, nem todo muçulmano é um terrorista.
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