(Mother!, EUA,
2017) Direção: Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Barden, Ed Harris, Michelle Pfeifer.
Por João
Paulo Barreto
(Convém assistir ao filme antes da leitura)
Lutar contra os bloqueios diante da tela branca ou diante da
folha de papel por horas sem qualquer sílaba desenhada
faz parte do processo (e da tortura) de criação de qualquer pessoa que se
arrisque a escrever e ouse ter a posição de poeta, escritor ou crítico como
profissão, hobby, ocupação temporária ou, no meu caso, meta de vida. A
ansiedade oriunda deste processo é algo que tal indivíduo precisa aceitar,
convidar para dançar e perceber que ela estará junto a ele sempre. Cada texto
será um parto. Alguns, porém, passam por isso sem maiores traumas. Outros, têm
nas cobranças autoimpostas o principal fator para tornar aquele ato algo
gerador de muitas sequelas. No meu caso, a escrita serve justamente como um
meio de equilibrar ansiedades, mantendo-as sob controle.
Há, portanto, uma identificação de qualquer escriba pelo
novo filme de Darren Aronofsky. Em Mãe!, o
cineasta por trás da profundidade psicológica de Cisne Negro toma licença para abordar justamente este processo
interno. O diretor define em duas horas o modo como isso se manifesta física e
mentalmente na vida de um poeta vitima da citada tortura imposta pelos
bloqueios em seus atos de criação. O golpe de genialidade por trás da obra, no
entanto, está em abordar esse bloqueio através da mente dentro daquela mente
atormentada.
O que é realidade? |
Tal escritor é o poeta vivido por Javier Barden, que tem na
esposa interpretada por Jennifer Lawerence a musa inspiradora em seu processo
de criação. Aronofsky, já habituado a passear pelas nuances psíquicas de seus
personagens, guiando o espectador em caminhos nos quais a distinção entre
realidade e paranóia não é bem definida, como bem vimos no drama protagonizado
por Natalie Portman, aqui, extrapola
totalmente esse conceito de abordagem. Utilizando um ponto de vista
impressionante em sua originalidade, conhecemos o drama do poeta em seu
bloqueio através dos olhos de sua esposa e musa, alguém cuja dedicação para com
o marido é apresentada como irrestrita.
Inicialmente repleto de sutilezas que confirmam aquela
dependência e afinco no modo como a prioridade de sua rotina está na criação de
um ambiente propício à escrita do marido, o roteiro nos apresenta a jovem
esposa como alguém que reconstruiu o lar daquele homem, alguém cuja existência
está atrelada unicamente ao bem estar dele. Ela parece sentir a dor de seu
marido quando este não consegue criar. Ela sofre junto com ele quando este pega
a caneta, parece se inspirar para colocar algo no papel, mas, ao final, falha
miseravelmente. Quando as palavras lhe fluem, é ela quem chora de emoção ao
perceber a força que elas trazem consigo. A unicidade dos dois dentro daquela
casa isolada onde vivem é palpável. Quando outras pessoas surgem, a
desestabilização daquele equilíbrio não tarda a acontecer.
As extensões da consciência do autor representadas |
A partir daí, trama criada por Aronofsky nos insere dentro
da consciência de seu personagem e nos conduz por um labirinto caótico de
catarse. E é justamente nessa opção que reside a riqueza de sua abordagem. É um
filme violento, que coloca o seu espectador em contato com cada nuance das
etapas do processo de criação dentro do que a mente do escritor classifica como
real, mas sem nunca diferenciar de modo didático para o público aqueles níveis
de realidade. Neste crescente, a vaidade do autor e a necessidade de se sentir
admirado é o que o justifica a existência de todos os elementos em cena. Para
nós, o que vemos representa exatamente o que o poeta enxerga em seu intimo.
Dentro da sua consciência, tudo o que acontece de fantástico, estarrecedor ou
chocante naquela casa compõe o que ele julga como realidade em seu processo
interior de criação.
Sendo assim, não é de se estranhar que assassinatos,
explosões, cenas de canibalismo, tiros, pânico e caos venham a ocorrer naquele
ambiente. A casa e sua musa são extensões da mente do poeta, seu criador. Em
determinado momento, o vemos se sentir acolhido por admiradores que afagam seu
ego, elogiam seu trabalho, sorriem diante da possibilidade de estar ao seu
lado. Em outros, o status de sua idolatria diante de tais pessoas alcança
níveis tão grandes de autoestima que até mesmo seu toque naqueles indivíduos é
encarado como o toque de um deus. E tudo isso é testemunhado por sua musa em um
completo estado de incredulidade, o que denota sua função no consciente daquele
homem: conceda-lhe inspiração, seja protagonista nesta missão, mas permaneça em
segundo plano após esse cumprimento. “Não tente entender o que se passa. Você
só vai se machucar neste processo”.
A lascividade se faz presentes nas criações de seu pensamento |
Jennifer Lawrence se entrega àquele papel de modo a confirmar
seu talento dramático. Ao se permitir passar pelos percalços impetrados por
Aronofsky, a atriz correu riscos perante as inevitáveis acusações de misoginia
que o filme poderia causar. Porém, trata-se de uma obra corajosa. Daquelas que
ousam tirar o espectador de seu lugar, que permitem desafiá-lo e lhe fazem se
sentir incomodado. “Ecos de Polanski” muitos poderão dizer. Sim, verdade. Lá
estão ecos de Repulsa ao Sexo e,
claro, O Bebê de Rosemary. Mas, ao
final, percebemos estar diante de uma peça fílmica que, em sua densidade e
originalidade na construção narrativa, se torna algo deveras único.
Tão único quanto o cristal que contém toda a experiência de superação
do bloqueio sofrido pelo escritor. Peça que volta ao seu lugar de origem em um
ciclo de criação que se repete constantemente. Do mesmo modo que as torturas internas de seu
criador.
http://epoca.globo.com/cultura/noticia/2017/09/mae-o-novo-filme-de-darren-aronofsky-pode-te-levar-loucura.html
ResponderExcluirSua interpretação é interessante. Como disse o autor: cada um é impactado de uma forma diferente. Mas essa é a verdadeira interpretação.
ResponderExcluirhttp://www.artecines.com.br/mae-mother-2017-critica/
Sua interpretação é interessante. Como disse o autor: cada um é impactado de uma forma diferente. Mas essa é a verdadeira interpretação.
ResponderExcluirhttp://www.artecines.com.br/mae-mother-2017-critica/