quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Mãe!

(Mother!, EUA, 2017) Direção: Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Barden, Ed Harris, Michelle Pfeifer.


Por João Paulo Barreto

(Convém assistir ao filme antes da leitura)

Lutar contra os bloqueios diante da tela branca ou diante da folha de papel por horas sem qualquer sílaba desenhada faz parte do processo (e da tortura) de criação de qualquer pessoa que se arrisque a escrever e ouse ter a posição de poeta, escritor ou crítico como profissão, hobby, ocupação temporária ou, no meu caso, meta de vida. A ansiedade oriunda deste processo é algo que tal indivíduo precisa aceitar, convidar para dançar e perceber que ela estará junto a ele sempre. Cada texto será um parto. Alguns, porém, passam por isso sem maiores traumas. Outros, têm nas cobranças autoimpostas o principal fator para tornar aquele ato algo gerador de muitas sequelas. No meu caso, a escrita serve justamente como um meio de equilibrar ansiedades, mantendo-as sob controle.

Há, portanto, uma identificação de qualquer escriba pelo novo filme de Darren Aronofsky. Em Mãe!, o cineasta por trás da profundidade psicológica de Cisne Negro toma licença para abordar justamente este processo interno. O diretor define em duas horas o modo como isso se manifesta física e mentalmente na vida de um poeta vitima da citada tortura imposta pelos bloqueios em seus atos de criação. O golpe de genialidade por trás da obra, no entanto, está em abordar esse bloqueio através da mente dentro daquela mente atormentada.

O que é realidade? 
Tal escritor é o poeta vivido por Javier Barden, que tem na esposa interpretada por Jennifer Lawerence a musa inspiradora em seu processo de criação. Aronofsky, já habituado a passear pelas nuances psíquicas de seus personagens, guiando o espectador em caminhos nos quais a distinção entre realidade e paranóia não é bem definida, como bem vimos no drama protagonizado por Natalie Portman, aqui, extrapola totalmente esse conceito de abordagem. Utilizando um ponto de vista impressionante em sua originalidade, conhecemos o drama do poeta em seu bloqueio através dos olhos de sua esposa e musa, alguém cuja dedicação para com o marido é apresentada como irrestrita.

Inicialmente repleto de sutilezas que confirmam aquela dependência e afinco no modo como a prioridade de sua rotina está na criação de um ambiente propício à escrita do marido, o roteiro nos apresenta a jovem esposa como alguém que reconstruiu o lar daquele homem, alguém cuja existência está atrelada unicamente ao bem estar dele. Ela parece sentir a dor de seu marido quando este não consegue criar. Ela sofre junto com ele quando este pega a caneta, parece se inspirar para colocar algo no papel, mas, ao final, falha miseravelmente. Quando as palavras lhe fluem, é ela quem chora de emoção ao perceber a força que elas trazem consigo. A unicidade dos dois dentro daquela casa isolada onde vivem é palpável. Quando outras pessoas surgem, a desestabilização daquele equilíbrio não tarda a acontecer.

As extensões da consciência do autor representadas
A partir daí, trama criada por Aronofsky nos insere dentro da consciência de seu personagem e nos conduz por um labirinto caótico de catarse. E é justamente nessa opção que reside a riqueza de sua abordagem. É um filme violento, que coloca o seu espectador em contato com cada nuance das etapas do processo de criação dentro do que a mente do escritor classifica como real, mas sem nunca diferenciar de modo didático para o público aqueles níveis de realidade. Neste crescente, a vaidade do autor e a necessidade de se sentir admirado é o que o justifica a existência de todos os elementos em cena. Para nós, o que vemos representa exatamente o que o poeta enxerga em seu intimo. Dentro da sua consciência, tudo o que acontece de fantástico, estarrecedor ou chocante naquela casa compõe o que ele julga como realidade em seu processo interior de criação.

Sendo assim, não é de se estranhar que assassinatos, explosões, cenas de canibalismo, tiros, pânico e caos venham a ocorrer naquele ambiente. A casa e sua musa são extensões da mente do poeta, seu criador. Em determinado momento, o vemos se sentir acolhido por admiradores que afagam seu ego, elogiam seu trabalho, sorriem diante da possibilidade de estar ao seu lado. Em outros, o status de sua idolatria diante de tais pessoas alcança níveis tão grandes de autoestima que até mesmo seu toque naqueles indivíduos é encarado como o toque de um deus. E tudo isso é testemunhado por sua musa em um completo estado de incredulidade, o que denota sua função no consciente daquele homem: conceda-lhe inspiração, seja protagonista nesta missão, mas permaneça em segundo plano após esse cumprimento. “Não tente entender o que se passa. Você só vai se machucar neste processo”.

A lascividade se faz presentes nas criações de seu pensamento
Jennifer Lawrence se entrega àquele papel de modo a confirmar seu talento dramático. Ao se permitir passar pelos percalços impetrados por Aronofsky, a atriz correu riscos perante as inevitáveis acusações de misoginia que o filme poderia causar. Porém, trata-se de uma obra corajosa. Daquelas que ousam tirar o espectador de seu lugar, que permitem desafiá-lo e lhe fazem se sentir incomodado. “Ecos de Polanski” muitos poderão dizer. Sim, verdade. Lá estão ecos de Repulsa ao Sexo e, claro, O Bebê de Rosemary. Mas, ao final, percebemos estar diante de uma peça fílmica que, em sua densidade e originalidade na construção narrativa, se torna algo deveras único.

Tão único quanto o cristal que contém toda a experiência de superação do bloqueio sofrido pelo escritor. Peça que volta ao seu lugar de origem em um ciclo de criação que se repete constantemente.  Do mesmo modo que as torturas internas de seu criador.


3 comentários:

  1. http://epoca.globo.com/cultura/noticia/2017/09/mae-o-novo-filme-de-darren-aronofsky-pode-te-levar-loucura.html

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  2. Sua interpretação é interessante. Como disse o autor: cada um é impactado de uma forma diferente. Mas essa é a verdadeira interpretação.
    http://www.artecines.com.br/mae-mother-2017-critica/

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  3. Sua interpretação é interessante. Como disse o autor: cada um é impactado de uma forma diferente. Mas essa é a verdadeira interpretação.
    http://www.artecines.com.br/mae-mother-2017-critica/

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