(Floride, FRA, 2016) Direção: Philippe Le
Guay. Com Jean Rochefort, Sandrine Kiberlain, Laurent Lucas, Clément Métayer.
Por João
Paulo Barreto
Há uma melancolia disfarçada em A Viagem de meu pai, novo trabalho do diretor Philippe Le Guay (A mulheres do sexto andar e Pedalando com Molière). Tal melancolia
representa de modo doloroso as dificuldades que a suposta “melhor idade” traz
para a vida do idoso Claude, vivido com graça e carisma pelo veterano Jean
Rocherfort, em uma mescla de tristeza e simpatia.
No entanto, apesar de
um filme genuinamente triste e que foca nos percalços de um senhor com demência,
acaba conseguindo representar bem o modo como os períodos transitórios e repletos
de dificuldade de uma vida em sua fase final alteram não somente a sua existência,
como, também, a das pessoas que o cercam. É o caso da relação de Claude com sua
filha, Carole (Sandrine Kiberlain), que tem na obrigação de cuidar do pai seu
mais instável problema.
Nessa relação, uma mescla de amor, paciência e condescendência
por parte de Carole encontra certa infantilidade e teimosia oriundas de Claude.
Em seu roteiro, Le Guay insere diversas situações que servem para denotar esse
contraste na relação de ambos, levando a percepção de que os esforços fieis e
constantes da filha perante as dificuldades naquela relação a mantém em um
limite emocional constante.
Carole e Claude: cumplicidade entre filha e pai idoso |
Gradativamente, a história exibe a espiral descendente de
Claude, à medida que sua demência avança e as suas confusões mentais passam a
afetar não somente a ele, mas aos indivíduos que o cercam. Apesar disso, o
idoso ainda possui certo controle de suas faculdades mentais e é nestes
momentos que conhecemos suas angustias reais em paralelo às que não passam de
pura teimosia.
Nas reais, a saudade da filha que mora na Flórida, Estados
Unidos, o mantém em constante planejamento para uma visita surpresa da sua
caçula. O doloroso nesta expectativa está no fato de que a menina morreu nove
anos antes, em um acidente de carro, e Claude, por conta de sua debilidade,
esqueceu-se do ocorrido. No resumo de Carole ao revelar tal situação, uma
definição perfeita: talvez ele tenha escolhido esquecer para não sofre mais.
Nos momentos resumidos por uma teimosia estão aqueles que
demonstram um palpável carisma de Jean Rochefort, como quando o vemos fingir
uma queda matinal diária para, assim, causar preocupação na sua cuidadora, bem
como na insistência de esconder seu relógio para poder acusá-la de roubo. Sem
contar, claro, as suas idiossincrasias relacionadas à preferência de uma marca
de suco que o remete à cidade americana onde mora sua filha e o atrito que ele
gera ao insistir que o corpo de um antigo amigo com quem se desentendeu anos
antes não seja enterrado no mesmo cemitério onde ele será um dia.
Palmeiras: Claude e sua esperança de rever a filha que vive na Flórida |
Mas é na relação entre Claude e Carole que está a verdadeira
força do filme. Em sua história, Le Guay leva o espectador a presenciar uma
experiência de constante desgaste emocional de alguém fiel ao pai, de alguém
cuja vida caminha em trilhos confortáveis, mas cujo desastre que sempre parece
iminente a faz perder de forma gradativa qualquer esperança. Tal fidelidade a
impede de interná-lo em um asilo, mas o modo como essa opção passa a se
apresentar como única saída tanto para seu conforto como para o de seu progenitor,
acaba por aumentar ainda mais sua instabilidade.
Nessa relação, o público testemunha um teste de paciência e
compreensão, mas cujo afeto da jovem pelo idoso contorna as dificuldades
atreladas a todo aquele processo. É uma obra cuja reflexão mais importante
reside justamente no fato de que a cumplicidade familiar suplanta qualquer
período. Cumplicidade essa que é percebida no modo como Carole troca as roupas
urinadas de seu pai e em como ela, apesar de todos os percalços, não revela o
verdadeiro motivo de Claude não conseguir falar com Alice, sua outra filha, ao
telefone. Cumplicidade resumida em um breve abraço, mas que suplanta qualquer
diferença entre os dois.
Lembranças: Carole e Claude revisitam um dos símbolos do passado em família |
Claude, enfim, caminha para sua percepção definitiva. Ao finalmente
confrontar a si mesmo com a dolorosa verdade que optou por esconder em algum
lugar de sua lembrança, o senhor conclui sua fase e conforma-se com seu destino.
Nesse confronto mental, um sentimento, apesar de doloroso, redentor.
Em seu olhar repleto de peso, mas, ao mesmo tempo, esperançoso,
Carole percebe ter cumprido sua obrigação. Nas palavras carinhosas de Jean após
tantas asperezas proferidas, um alívio mais do que merecedor.
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