quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Entrevista: Philippe Le Guay


Diretor de obras singulares que abordam de modo reflexivo relações humanas, Philippe Le Guay lança em 2016 seu novo trabalho, Floride (batizado no Brasil como A Viagem de Meu Pai). Trata-se de um filme singelo, que aborda de modo contundente a falsa ideia de melhor idade em uma história que aborda a cumplicidade entre um pai idoso e sua filha, cujas responsabilidades perante seu progenitor acabam por abalar sua vida pessoal. Nessa entrevista, o diretor parisiense aborda a experiência de trabalhar com o veterano Jean Rochefort e o modo como seu filme consegue equilibrar tão bem drama e comicidade.

Confira o papo abaixo!

Há muitas queixas da ausência de filmes que dêem destaque a atores e atrizes idosos e o seu filme tem esse destaque. Como se deu a escolha de Jean Rochefort para o papel?

Eu acho que quando a gente quer fazer um filme, a vontade que temos é a de contar a historia de uma personagem. Aqui, nesse caso, eu tive essa necessidade de contar a historia de um idoso. E isso não necessariamente para ter que dar um papel a um ator mais velho, mas simplesmente porque eu tinha realmente a vontade de contar essa história. Em A Viagem de Meu Pai, o protagonista é o Jean Rochefort, alguém que há cinco anos havia dito que ia parar de atuar no cinema. Então, quando eu escrevi esse roteiro, não havia pensando nele. Mas chegou um momento em que eu tinha que perguntar se ele queria atuar. Lembro-me dele dizendo que não ia fazer o filme, “mas, se você quiser, venha segunda feira tomar um chá comigo e conversamos sobre (risos)”.  Acabou que, durante seis meses, todas as semanas eu ia passar uma tarde conversando e tomando chá com ele. Aos pouquinhos, o roteiro foi evoluindo, e ele dizia: “olha, eu não quero fazer seu filme, mas, se por acaso eu fizer, eu gostaria que fosse mais ou menos assim...(risos)” e ia sugerindo mudanças.

Como foi a experiência de dirigir um ator veterano como ele?

No set de filmagens, a gente não dirige um ator. A gente pode, claro, dar algumas orientações de posicionamento, de fluidez no diálogo, mas, no caso de Claude, o verdadeiro trabalho de direção foi feito quando o personagem foi concebido ao longo desses seis meses em que eu e Jean conversávamos uma vez por semana. Assim, eu aprendi a conhecê-lo e vice versa. Foi desse modo que se criou uma relação de confiança e eu acabei mudando algumas coisas. O que é formidável no caso de Jean é que, bom, normalmente um ator quer ser amado pela personagem, eles querem interpretar papéis de pessoas simpáticas, amáveis, gentis. Com Jean não é o caso de jeito nenhum (risos). Muitas vezes ele sugeriu que eu explorasse a violência de algumas cenas.  Um exemplo está no momento em que em que a Sandrine (Kiberlain, que interpreta a filha de Jean) contava ao seu filho o fato do avô ter feito xixi no carro enquanto ela estava parada em um posto de gasolina. Era um relato, apenas. Não havia a cena em si. Jean falou que eu tinha que mostrar essa cena. E eu disse: “não, não vou filmar você urinando em um carro!” Aí ele disse que bastava eu não dar nenhum close em seus órgãos genitais (risos).  A cena está diferente no filme, mas acabou que ele tinha razão.  Tornou-se um gesto de raiva, de ódio do personagem. Uma misantropia, mesmo. Então, essa violência do Claude é uma violência que o próprio Jean Rochefort possui. Isso é um bom exemplo dessa troca que nós tivemos. No entanto, eu dou aqui esse exemplo que é mais violento, mas houve vários outros que foram momentos de fantasia. Porque ele tem muito humor e eu também queria essa face do Jean no filme. Eu não creio que, que pelo fato de a gente estar filmando um tema dramático, o tratamento desse tema precise ser totalmente dramático. Ao contrario.

Le Guay dirige Jean Rochefort em A Viagem de Meu Pai
Percebe-se, então, uma parceria entre você e o Jean Rochefort. Como foi trazer a Sandrine Kiberlain para essa parceria?

Eu já havia trabalhado com a Sandrine anteriormente em As Mulheres do Sexto Andar. E ela tinha muita vontade de fazer um filme com o Jean. Eles já se conhecem há quinze anos e se admiram muito. Jean é uma espécie de substituto de pai para ela. Essa cumplicidade entre os dois já existia na vida real. É interessante observar que a personagem dela esta sempre reagindo ao que o pai faz. Ele é a força motriz, mas é ela quem recebe a emoção dos seus atos. O que nós tínhamos que decidir com a Sandrine era qual seria o grau de masoquismo dela (risos). Decidir qual seria o momento em que ela iria se revoltar contra o pai. Foi importante também mostrar que a Carole era uma mulher que tinha uma vida própria. Alguém com um filho já adulto, que tinha uma vida amorosa equilibrada com o namorado e que se percebe estar indo muito bem profissionalmente, trabalhando como diretora de uma fábrica. Não é uma mulher que fracassou na vida. É uma pessoa bem sucedida. Seu único problema é o pai. É preciso demonstrar essa força que tem a personagem e a fraqueza que ela possui em relação ao seu pai. É esse o equilíbrio. A Sandrine tem essa força e pôde trazê-la para a Carole, que é uma mulher independente, corajosa, mas que, ao mesmo tempo, tem algo de vulnerável, frágil. E é justamente essa mistura de elementos que me agrada. Sem contar o fato de que ela é extraordinária.

É uma obra que consegue mesclar muito bem a questão da melancolia da velhice com o humor. Na criação do seu roteiro, você já tinha essa intenção de mirar esse equilíbrio? Aliás, o final do filme é algo um tanto chocante, na questão da ilusão e da realidade na cabeça do personagem de Jean. Como se deu essa construção de equilíbrio?

Eu adoro quando os sentimentos são contraditórios e, ao mesmo tempo, estão em equilíbrio. A ideia de encontrar esse equilíbrio entre os diferentes tons do filme, entre o drama e a comédia, é aquilo que mais me interessa no fazer cinema. Porque eu acho que é exatamente isso que acontece o tempo todo na vida. Para as coisas que acontecem na minha vida, por exemplo, eu sempre tento ver esses dois aspectos. O filme pra mim, nesse ponto de vista, é um prolongamento do que eu sinto. O final, apesar de doloroso, é algo em aberto. A gente sabe que o personagem da Sandrine vai poder continuar a viver. Ela tem um olhar muito belo, um olhar em aberto para alguma coisa, e a vida dela não vai acabar com essa relação com o pai.


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