Em sua segunda Mostra Competitiva, o Cachoeira Doc apresenta mais três curtas. Abaixo, discorro acerca deles. Confira!
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Tança (Minas Gerais, 2015, 31 min) Direção: Irmandade dos Atores da
Pândega e Associação Quilombola Mato do Tição.
A reconstrução de uma personagem através apenas dos relatos
das pessoas que a conheceram ou que apenas cresceram em contato com a lenda que
sua figura representa. O grande mérito de Tança,
curta dirigido pela Irmandade dos Atores do Pândega e pela Associação
Quilombola Mato do Tição está na fato de conseguir manter viva a memória da
matriarca do Quilombo do Matição, Tança, que teria vivido por 130 anos durante
o período da escravidão.
Através de depoimentos de seus descendentes mais velhos (muitos
deles com dificuldades em suas falas e locomoção), pessoas que a chamam de tia
Tança, em uma fala cujo carinho do seu tom denota justamente o respeito que a
matriarca ainda emana entre os seus, o filme consegue levar o espectador a uma reconstituição
de sua figura, algo que acaba por suplantar qualquer necessidade de imagens de
arquivo para ilustrar a sua persona.
Do mesmo modo, os depoimentos lúcidos dos idosos colaboram
para uma reconstituição detalhada do quilombo em seu período de existência,
mantendo viva a sua memória, algo que o curta representa como uma de suas
missões.
Tança é o tipo de
trabalho cuja recompensa está neste fato. Manter viva para as gerações futuras
e ligadas àquela história a importância da missão de sua matriarca na luta
contra a opressão.
No momento em que seus
descendentes recebem um retrato falado de Tia Tança e seus olhos chegam a
brilhar com a precisão do trabalho a rimar em suas lembranças, é quando o filme
alcança seu principal intento. O de reencontro e de resgate.
Os descendentes de Tia Tança mantêm viva sua história |
Há Terra! (Distrito Federal, 2016,
12min) Direção: Ana Vaz.
Um filme de comunhão entre os elementos que o compõem, no
qual a presença física de uma personagem feminina serve como seu fio-condutor,
levando o espectador a acompanhar sua perseguição pela relva enquanto a mesma
simboliza diversos elementos da cultura popular oriunda o sertão.
O curta desenha de modo sutil suas referências culturais,
inserindo contos do imaginário, como o representado pela história da mulher
picada por uma cobra, cujo pé ferido pela peçonha do animal acaba por inchar em
momentos distintos e relacionados sempre à passagem das fases da lua. Do mesmo
modo, o filme aborda de modo sutil, e sem ser panfletário, a violência rotineira
na vida desses sertanejos, como quando traz as palavras das pessoas acerca de
um major acusado de roubar terras através da violência.
Além disso, Há Terra!,
em seu ode proferido de modo constante durante o filme, juntamente com
ordens de “remem!”, traz, ainda em sua sutileza distante de qualquer teor
artificial, uma oportuna observação voltada para a importância providencial de
uma reforma agrária.
Somando-se a isso, as inserções referenciais ao cinema do
português Manoel de Oliveira corroboram uma ideia de resistência deveras
urgente.
Um filme cujo impacto visual
encontra vazão na relevância de sua mensagem sem a necessidade de uma narrativa
óbvia.
"Encontro e caça: um equilíbrio entre personagem e paisagem" |
Tekowe Nhepyrun: A Origem da Alma (Paraná, 2015, 49min) Direção:
Alberto Tavares.
Corroborando a premissa da edição do festival em optar por
exibir trabalhos cujo engajamento social e político é evidenciado no registro
das lutas de minorias em sua auto-afirmação, Tekowe Nhepyrun, juntamente com Voz
das Mulheres..., é outra produção realizada por índios a abordar o esforço
pela continuidade de uma cultura que corre o risco de ser esquecida.
Diferente do outro curta citado, cujo viés tratava da luta
pelos direitos e conquistas das mulheres indígenas, A Origem da Alma aborda a questão dos métodos medicinais realizados
por membros da tribo, bem como o hábito da alimentação natural como pontos de comunhão
mística em uma união indissociável entre a matéria e o espírito.
É um filme cujo impacto dos depoimentos dos mais velhos
representantes da aldeia Yhowy, no Paraná, trazem a reflexão proposta pela
obra. Algo que contexto do acompanhamento de uma grávida por uma parteira e um
rezador acaba por ratificar em sua proposta reflexiva.
Um filme que acerta por apresentar a cultura de um povo sem
a necessidade de confrontá-la em uma comparação para com a do povo opressor.
Cabe ao espectador criar qualquer relação, sendo conveniente salientar o quão isso
seria desnecessário.
Tradição e conhecimento em costumes indígenas |
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