segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cachoeira Doc 2016 - Mostra Competitiva V



Orestes (São Paulo, 2015, 93min) Direção: Rodrigo Siqueira.

Filme de suma relevância para um Brasil cujos extremos de sua população se digladiam entre um pensamento que busca compreender a origem da questão da violência e outro que, com olhos injetados e atitude fascista, exige, sem qualquer julgamento, a vida do réu como pagamento pelo seu crime, Orestes, de Rodrigo Siqueira, diretor do crucial Terra Deu, Terra Come, te coloca contra a parede.

Trata-se de uma obra essencial para um momento em que vemos torturadores assumidos subir em um púlpito de um plenário para prestar homenagem a assassinos seriais de um período sombrio da história. A reflexão por trás de Orestes reside justamente nesse contexto, o qual a (auto)análise dos representantes de nossa sociedade que se fazem presentes através de opiniões calcadas no radicalismo e que precisam ser revistas.

Ao se propor adaptar o mito grego de Orestes, personagem de Ésquilo que, na obra, mata a mãe para vingar seu pai e acaba sendo julgado por cidadãos de Atenas, Siqueira cria dois campos de análise. É quando o filme assume duas frentes de reflexão: uma explicita no sentido de se confrontar opiniões dissonantes da sociedade, intento alcançado em sessões de psicodrama nas quais se reúnem pais cujos filhos foram mortos em ações da polícia; ex-presos políticos e torturados na ditadura; a filha de uma militante assassinada no período e uma ferrenha defensora da pena de morte.

A militante pró pena de morte e seus argumentos falhos
A outra frente de reflexão possui um teor mais teatral e de acordo com a alusão literária que possui o título da obra. Aqui, um julgamento simulado e realizado na Faculdade de Direito da USP coloca o personagem de Orestes (aqui, acusado de matar o pai por conta do assassinato da mãe, uma militante contra a ditadura) como réu a ser julgado pela grande platéia presente, no qual os pertinentes discursos de um advogado de defesa e um promotor adéquam a história à realidade que se vê no Brasil. Em discursos eloquentes e repletos de profusão, vemos o mito proposto por Ésquilo se tornar uma metáfora ideal para uma das propostas de análise mais contundentes da obra, que é a questão da máxima do olho por olho e que o mais fraco seja esfacelado.

Nos momentos em que são abordadas as pessoas que compõem as sessões de psicodrama, o filme, de fato, demonstra sua força. São personagens repletos de dores, mesmo a representante do radicalismo pela pena de morte, alguém cuja máscara do pragmatismo não tarda a cair diante dos fatos que lhe são apresentados pelos outros presentes. No entanto, é na figura de Ñasaindy Barrett, uma das presentes, filha de Soledad Barrett, militante delatada pelo famigerado cabo Anselmo, e de José Maria, também assassinado pelo regime militar, que o filme encontra seu mais doloroso relato.

O julgamento simulado na Faculdade de Direito da USP
Apresentando suas lembranças embaçadas e construídas mais a partir de fotos do que propriamente de vivências com os pais, Ñasaindy confronta sua dor ao falar do tal delator, cabo Anselmo, que o filme exibe em uma entrevista concedida ao programa Roda Viva e cujo vídeo é exibido a partir de uma busca no youtube. Nas rememorações de Ñasaindy, o filme apresenta os traumas da perda de Soledad, brutalmente assassinada. Em certo momento, durante a sessão de psicodrama, um dos presentes assume o papel de cabo Anselmo, permitindo a Ñasaindy despejar palavras engasgadas. Momento deveras libertador tanto para ela quanto para o espectador.

Orestes acaba por ser um filme essencial não somente por funcionar como resgate da história e denúncia dos crimes de um período, mas por permitir a audiência a encarar e refletir dentro de suas próprias hipocrisias. A principal delas representada pela postura da personagem atuante na defesa da pena de morte, que, defensora de uma política de morte ao bandido a partir de um frágil discurso elitista, tem seus argumentos destituídos de qualquer moral a partir dos diálogos travados de modo enérgico com os presentes às sessões.

Em um grupo de pessoas no qual se encontram vitimas, além de pais e mães de outras vitimas, a força vista naqueles indivíduos para expressar suas contundentes e imprescindíveis opiniões contra o fascismo declarado de uma das presentes é a mesma força que a obra de Rodrigo Siqueira possui.

Força essa que nos empurra contra a cadeira durante seus breves 90 minutos, mas que nos sacoleja ao final para levantar e lutar com ainda mais ênfase contra esse regime opressivo que parece estar querendo voltar.

Mas não conseguirá. Não, mesmo!



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