quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Cachoeira Doc 2016 - Mostra Competitiva I


A sétima edição do Cachoeira Doc teve início no último dia 06 de setembro e trouxe uma programação bastante pertinente e repleta de filmes com cunho de lutas pelos direitos das mulheres, pelos direitos dos índios, além da importante necessidade de não se deixar esquecer das barbáries da ditadura militar no Brasil. 

Além disso, a curadoria do evento selecionou obras bem atuais para com o período fascista e pós golpe que vivemos, filmes que trazem à memória as manifestações de 2013 e a afirmação de que a luta ainda deve persistir.

Abaixo, textos referentes à primeira Mostra Competitiva de Curtas, ocorrida no dia 07.   


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Onze (Ceará, 2016, 26min) De Coletivo Nigéria, Coletivo Zóio e Vez das Comunidades.

Registro marcante de depoimentos de amigos e familiares de onze jovens inocentes assassinados por policiais em um bairro periférico de Fortaleza, a onze de novembro de 2015, no massacre que ficou conhecido como Chacina de Messejana, Onze acerta ao conseguir transmitir para o espectador toda sensação de inércia que aquelas pessoas se vêem diante.

Trata-se de um filme visceral não somente pelo seu modo de captação, como também pelo timing dos realizadores, membros de coletivos da capital cearense, que estiveram presentes nos dias e meses que se seguiram à chacina, acompanhando os protestos e o desenlace das investigações.

Podendo facilmente cair na armadilha da manipulação emocional dos entrevistados, os realizadores optaram por um caminho diverso, visando captar as falas das pessoas próximas às vitimas sem necessariamente focar em lágrimas, apesar de ser inevitável que esse resultado seja encontrado em depoimentos.

No entanto, mesmo quando essa reação é exibida, Onze a equilibra de modo eficiente, preferindo, por exemplo, respeitar a dor da irmã de um dos jovens mortos, mantendo seu depoimento não muito longo e contrapondo-o à contundente e sóbria fala de um pai que, ao exibir o cordão que o filho usava no pescoço no dia da sua morte, contrapõe a fala cínica de um dos policiais assassinos que afirmou que o rapaz tinha uma arma. “Isso parece uma arma? Porque, além da roupa do corpo, essa era a única coisa que meu filho tinha”, observa o senhor. Em seguida, sua fala torna seu depoimento ainda mais marcante: “Estão matando jovens de bem. O que será do futuro se os jovens de bem estão sendo mortos?”.

A pergunta se torna ainda mais relevante diante do perfil burocrata da fala do secretário de Segurança Pública do governo cearense. Proferido um mês depois da chacina, na escola onde um dos jovens assassinados estudava, o discurso do homem busca se basear na complexidade das investigações para justificar a demora na averiguação e punição dos culpados, policiais que se vingaram pela morte de um colega de farda que estava à paisana e foi vitima de um assalto na localidade.

Em tempos fascistas como os atuais, um filme necessário.

Depoimento da namorada de uma vitimas é captado


Sepulcro do Gato Preto (São Paulo, 2015, 24min) De Kaneda Asfixia e Frederico Moreira.

A verborragia e o excesso de narração em off, além dos trechos cuja a inserção de letreiros auto explicativos (e ainda lidos em voz alta) são opções que terminam por prejudicar o desenvolvimento desse curta, que tem na supostamente surpreendente mudança de foco narrativo em sua premissa seu problema inicial.

Aqui, o desaparecimento de um jovem artista grafiteiro na periferia de São Paulo leva seus amigos a iniciar uma busca pelo rapaz, seguindo seus últimos passos conhecidos e levando-os até uma abandonada fábrica de cimento, local onde ele teria ido para desenhar nas paredes.

Desde seu começo, com o próprio narrador a apresentar essa possibilidade como absurda por conta da distância da tal fábrica para o local onde ele vivia, o desenvolvimento do filme é comprometido. No entanto, relevando esse contexto inicial de descoberta, o tema de denúncia de toda uma comunidade sendo vitima da especulação imobiliária, da ação de grileiros e da opressão fascista policial torna o seu resultado bem interessante.

A tal fábrica de cimento apresentada no começo vem a ser a Cimento Portland Perus, maior produtora no mercado nacional, situada na localidade de Perus, SP, e controlada pelo bilionário investidor J.J. Abdalla (aqui, muito pertinentemente representado por abutres), que a comprou no começo dos anos 1940, tornando-a uma potência e sofrendo grande quantidade de processos trabalhistas, o que a levou a fechar quarenta anos depois, na década de 1980. O curta apresenta uma série de denúncias embasadas em depoimentos das pessoas que vivem na região e que até hoje lutam para ter a posse de suas terras.

Com falas marcantes que denotam a brutalidade policial e a perda de direitos sofrida de modo violento pelos habitantes da região, o curta encontra seu trilho quando passa a focar justamente nessas denúncias. 

Uma pena que a abordagem não foi mais direta, precisando de um prólogo que envolveu uma trama logo esquecida.

Além disso, teria sido pertinente ouvir o lado de lá deste caso. Seria interessante ver encurralados os supostamente intocáveis herdeiros do império do abutre Abdalla.

Grupo de moradores da comunidade de Perus e sua luta pelo direito às terras


Quem matou Eloá? (São Paulo, 2015, 24min) De Lívia Perez.

Talvez o mais impactante e reflexivo curta da primeira mostra competitiva (algo denotado pelos longos aplausos ao final da sessão), Quem matou Eloá? tem em sua montagem rápida e narrativa intercalada entre imagens de noticiários, programas vespertinos e os depoimentos de especialistas um eficiente discurso de denúncia da violência contra a mulher.

Vitima do mais longo caso de sequestro seguido de cárcere privado no país, Eloá, uma adolescente de quinze anos, foi mantida presa pelo namorado, Lindemberg Alves, em outubro de 2008, durante cem horas, sendo assassinada por ele com um tiro na cabeça e outro na virilha no momento em que a polícia invadiu o local.

A diretora Lívia Perez cria uma interessante linha de denúncia ao utilizar os trechos dos programas televisivos que ilustram o modo desumano e sensacionalista como os canais de TV abordaram o caso, minimizando a ação criminosa de Lindemberg ao reduzi-la a um simples caso de ciúme e amor não resolvido e, por vezes, colocando-o no papel de vitima.

Todo o caso foi transmitido ao vivo pelos canais, colaborando para evidenciar ainda mais a vaidade do assassino, que dava entrevistas por telefone e se vangloriava por tamanho destaque que recebia da mídia.
Erros seguidos de erros levaram ao desfecho do desastre na resolução do caso. A partir de pertinentes depoimentos, são salientados fatos como a suposta coincidência da invasão da polícia ter acontecido em horário de grande audiência televisiva; a questão do assassino ter atirado na virilha da menina, denotando seu comportamento misógino e o perfil irresponsável dos programas, que ligavam para a casa da vitima no intuito egoísta de conseguir um furo jornalístico.

Em certo momento, um dos convidados de um programa vespertino diz esperar que os dois ficassem juntos ao final daquele caso, algo que confirma justamente a ideia que o documentário denunciou: a de cerceamento de direitos femininos em detrimento da vontade dominadora do homem.

Ao final, a sensação é de justamente observar que toda a manipulação televisiva destes mesmos veículos se tornou algo incessante, sendo casos como o da jovem vitima só mais um capítulo em tramas que apenas buscam ibope de audiências ignorantes.




Voz das Mulheres Indígenas (Bahia, 2015, 17min)

Apesar da importância de seu tema e da pertinência de sua proposta, o curta realizado por mulheres de comunidades indígenas acerca da presença feminina nos movimentos que buscam garantir os direitos dos seus povos, peca pelo bombardeio de depoimentos sem necessariamente seguir uma linha narrativa, algo que torna confusa a assimilação de cada discurso pelo espectador.

Além disso, é perceptível certo amadorismos (algo que não desmerece sua proposta, mas, sim, sua eficiência) e estrutura batida de captação de opiniões, com discursos sendo registrados de modo mecânico e não encontrando em sua montagem uma forma de fluidez que permita um desenvolvimento de sua mensagem.

Ao terminar a exibição, sabemos se tratar de um tema importante para o atual contexto de afirmação dos direitos do índio perante a sociedade (e, ainda mais importante, dos direitos das mulheres indígenas), no entanto, pouco se absorve de seu contexto.    

Depoimentos exibidos de modo não muito fluído acaba gerando confusão


                

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