Nunca é Noite no Mapa (Pernambuco, 2016, 6min) Direção: Ernesto de Carvalho.
Vencedor do prêmio de Melhor Curta Metragem da edição 2016
do Cachoeira Doc, Nunca é Noite no Mapa apresenta
uma ideia simples, mas de uma sagacidade impar. Trata-se do tipo de filme cujo
tema central e modo de execução rimam em um pertinente uníssono e cuja denúncia
contida em seu conteúdo reverbera de forma ainda mais evidente por conta dessa
mesma forma de execução.
A partir de visitas ao google mapas espaçadas por intervalos
de tempo, o diretor Ernesto de Carvalho avalia as imposições arbitrárias
realizadas em Recife durante o período que antecedeu a Copa do Mundo,
registrando as mudanças que ocorreram na região, com a derrubada de casas para
a passagem de novas avenidas.
O diretor se insere em seu experimento se tornando objeto de observação |
Ao se colocar como elemento dentro do seu filme, o
narrador/diretor observa as mudanças ao seu redor como um dos elementos
diretamente afetados por aquelas ações agressivas. Não que ele já não cumprisse
esse papel, uma vez que vive dentro daquela realidade. Mas, ao se propor
analisar os objetos dispostos dentro do mapa do mesmo modo como eles são
classificados por aquele olhar digital e desumano, o narrador acaba por trazer
uma nova perspectiva, tornando o mapa a sua realidade e mantendo-se ali,
inserido até o fim, como sendo apenas isso: um objeto a ser apenas exposto sob
a visão de uma máquina.
Assim, as camadas daquele universo vão sendo sobrepostas uma
após a outra, trazendo à tona a forma selvagem com aquelas mudanças são
impostas. Em seu título, um congelar do tempo é proposto pelo filme. Nesse
ínterim, pessoas são descartadas dentro de um universo virtual.
Algo que reverbera e reflete de modo brutal na realidade que
serviu como modelo fotográfico para aquele registro atemporal.
* * *
Fort Acquario (Ceará, 2016, 7min) Direção: Pedro Diógenes.
Das formas mais eficientes de se denunciar o abusivo poder
dos mais abastados sobre uma população que os sustenta, a tática de se usar seu
próprio discurso contra o opressor é uma das que melhor funciona.
Em Fort Acquario, o
diretor Pedro Diógenes consegue essa proeza de modo bastante eficiente. Ao
utilizar a oportunista fala de um arquiteto ao expressar-se sobre todos os
supostos benefícios que a construção de um aquário de visitação pública trará à
praia de Iracema, em Fortaleza, Diógenes contrasta toda a argumentação ensaiada
do homem com fotos da utilização da praia de modo democrático e acessível a
todos. Da forma como deve ser.
A observação do uso do espaço público como ele deve ser: sem apropriações |
Nesse intento, as imagens de pessoas a caminhar pelo
calçadão com os tapumes da obra a destoar da paisagem e as palavras do
arquiteto a afirmar que aquela será uma revitalização que trará de volta ao
lugar as famílias que lá merecem frequentar, servem justamente como um resposta
das mais eficientes àquela forma baixa de se vender uma ideia.
Na opressão imposta pela classe dominadora que insiste em se
apropriar dos espaços comuns em nome de uma suposta segurança geral, o filme
ainda acerta em cheio ao usar a voz daquela que, até então, era um dos símbolos
de rede Globo, talvez a maior aliciadora de intelectos e manipuladora de fatos
em detrimento de interesses escusos como os que estavam por trás daquela
construção em Fortaleza.
* * *
Dia de Pagamento (Pernambuco, 2015, 28min) Direção Fabiana Moraes.
Como um filme de personagens que se encadeiam a partir da
narração em off que guia o espectador por duras trajetórias de vida, Dia de
Pagamento funciona através de um registro do modo como um suposto progresso
muda a vida de gente simples. Nem sempre para melhor, friso. Na estrutura de
seu documentário, a cineasta Fabiana Moraes insere a encenação de situações que
ajudam a compor a mise en scène do filme e colaboram com uma quebra do que correria
o risco de se tornar uma estrutura documental clichê.
Não é o caso aqui. Nas apresentações de seus personagens, a
diretora traz suas histórias e rotinas de modo a familiarizar o espectador com
aquela realidade. A de pessoas como a dona de casa e mãe de três filhos, que
trabalha por pouco mais de mil reais e têm nessa quantia a perspectiva de um
mês inteiro. Que precisa pagar em dez prestações quatro cadeiras plásticas, mas
que consegue observar o mundo ao redor de sua casa pequena e perceber que ao
menos aquilo lhe pertence. Na pequena habitação adquirida, ela consegue se
sentar à porta e observar aquilo como sendo seu.
O registro das mudanças em nome do suposto progresso |
A representação do progresso em questão é a transposição do
Rio São Francisco, obra que altera rotinas e difere paisagens. Nessa mutação de
toda uma região, as mudanças podem ser traumáticas justamente pelo modo
temporário e fugaz com que seus benefícios se apresentam. Um exemplo disso está
no enquadramento que conta a história do dono do bar que faturava cinco mil
reais por mês no auge do movimento de operários, mas que, agora, tem sua renda
mensal restrita a quinhentos reais.
É um filme humano em sua essência. Por mais simplória que
essa definição possa parecer, ela tem sua eficiência na forma como a diretora
Fabiana Moraes consegue captar uma face única de seus entrevistados. Seja no
gracioso momento em que ensina uma senhora a linha que ela terá que proferir
(sendo necessárias diversas repetições) ou na triste abordagem de outra
moradora idosa que conta a experiência de perder seu jumento para uma pedrada
oriunda de uma explosão planejada (isso sem contar o fato de que a indenização
que lhe ofereceram foi de dez reais). É nestes encontros que a obra se constrói
e encontra seus melhores resultados.
* * *
Aracati (Rio de Janeiro e Ceará, 2015, 62min) Direção: Aline
Portugal e Julia de Simone.
É curioso o fascínio gerado pelo média metragem Aracati,dirigido pelas professoras de
roteiro Aline Portugal e Julia de Simone. Trata-se de um filme extremamente
sensorial, um literal estudo do vento que leva o nome título do filme e que tem
como sua característica mais marcante o fato de que sopra no mesmo horário
diariamente, levando movimento a várias turbinas geradoras de energia eólica no
estado do Ceará e a certeza de uma rotina infalível aos moradores da região.
A partir de um inicio que segue uma estrutura formalista,
exibindo o local de manufatura dos gigantescos moinhos de vento que adentram o
estado, o filme gradativamente caminha para uma abordagem humana, exibindo as
transformações dos lugares e o modo como as mesmas afetam os habitantes ao
redor. Nisso, alagamentos de cidades para criação de represas apagam não
somente as estruturas físicas dos locais, mas, também, o emocional de seus
cidadãos.
O progresso e contraste de paisagens |
Nessa certeza de mudança constante, as pessoas ao seu redor
tendem a se tornar meros observadores de toda aquela mutação. E a partir da
presença da câmera da dupla de cineastas, um novo contexto é percebido na vida
daqueles cidadãos. Um deles caminha pelo lugar onde antes havia uma cidade, mas
que, agora, apenas ruínas de um alagamento permanecem. Em um tom de nostalgia,
o vemos comentar que aquela foi a primeira casa da rua. Ele caminha pelos
“cômodos”, observa uma mala esquecida na areia que cerca o local. É de sua vida
que estamos falando. É da sua estrutura de vida que lhe foi retirada em nome de
algo que supostamente se chamaria progresso. O progresso físico das coisas.
Aquele que suplanta o emocional e sentimental de outras.
Aracati é um filme
que trata desse tom passageiro, dessa mensagem que aborda o transitório. Que
usa a metáfora do vento a cruzar a região de modo a salientar justamente essa
ideia de mudança que, de forma contraditória, se torna algo indelével, uma vez
suas alterações são definitivas.
No som oriundo do soprar constante do Aracati é que está uma
das poucas coisas imutáveis na vida dos habitantes daquela região.
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