Taego Ãwa (Goiás, 2015, 75min) Direção: Marcela e Henrique Borela
Dos mais simbólicos filmes da Mostra Competitiva do
Cachoeira Doc 2016, Taego Ãwa registra
a luta dos índios Avá na demarcação de suas terras e reconhecimento cultural de
seu povo como pertencente àquele lugar, no interior de Goiás.
Munidos de imagens dos índios localizadas em velhas fitas VHS
encontradas pelos diretores no prédio da Universidade Federal de Goiás, os
irmãos Borela decidem por levá-las ao povo indígena no intuito de compartilhar
aquelas lembranças, bem como compreender sua luta mais a
fundo.
Trata-se de um filme cuja generosidade e apuro na sua
confecção denotam muito do respeito dos cineastas para com aquelas pessoas, uma
vez que a abordagem inicial com eles é vista apenas como uma apresentação,
um reencontro propriamente dito deles com o seu passado registrado nas fitas. Parte
desse passado, inclusive, bastante doloroso ao trazer à tona lembranças da
invasão armada que aconteceu em 1973, na qual muitos membros da tribo foram assassinados.
A identidade cultural representada por um sorriso |
No observar das imagens, percebe-se um tocante
reconhecimento. “Esse é o vovô?”, pergunta uma voz juvenil. “Esse é o meu pai”,
observa uma senhora indígena enquanto se admira com aquele reencontro. Um dos
personagens exibidos tanto nas imagens de arquivo quanto no período atual
mantém viva a tradição de pintar os companheiros de tribo com tinta oriunda do
jenipapo. Em um símbolo de resistência cultural, os vemos registrar seus
costumes, entre sorrisos de reconhecimento, algo que é brilhantemente captado
pelos diretores no momento em que o ancião da tribo, Tutal, tira toda a roupa
sob o argumento de não ter vergonha de mostrar seu pênis. Daqueles tesouros fílmicos
que surgem para os cineastas na hora e momento certos, ainda mais em uma obra
que aborda justamente a questão da identidade indígena.
No aspecto de afirmação e reconhecimento cultural, Teago Ãwa exprime um cuidado crucial em seus
registros. Trata-se de um trabalho que, apesar de representar um olhar do homem
branco sobre o indígena, não possui os defeitos comuns a certo tipo de
abordagem predatória. Longe disso. Ao optar por apresentar as imagens de
arquivo àquele povo, captar suas reações e a partir disso trazer à tona uma
nova narrativa, Marcela e Henrique Borela acertam por suscitar a discussão sem
a necessidade panfletária ou sensacionalista, apesar do tema delicado em sua
inserção. Em um filme que aborda um povo
chamado de “índios invisíveis” por conta do modo como ele se inseriu a
sociedade branca, além do fato de sofrerem duplamente com o racismo por serem
chamados de índios negros, o resgate proposto pelo filme acerta em sua premissa
provocativa.
Obra essencial em um contexto de
resistência tão imprescindível em tempos de cerceamento de liberdades e
direitos como os atuais.
* * *
GRIN (São Paulo, 2016, 41min). Direção: Roney Freitas e Isael
Maxakali.
Em um dos depoimentos captados pelos diretores Roney Freitas
e Isael Maxakali, Totó, um dos índios que fizeram parte da GRIN - Guarda Nacional
Indígena, agrupamento militar criado na ditadura, hoje já idoso, relembra o
caso do assassinato sádico de um dos seus companheiros. Forçado a beber leite
fervente para, em seguida, tomar água fria, o homem não conseguia comer por
conta das queimaduras internas, algo que o leva a adoecer e, consequentemente,
morrer.
Trata-se do momento de maior impacto em GRIN, documentário que aborda, a partir de depoimentos dos que presenciaram
o período, a criação da tal guarda. Projeto que trazia em sua essência a
brutalidade insana dos ditadores, representava de modo oficial a postura
desumana e desrespeitosa do Estado diante da cultura indígena. Ao
descaracterizá-la de seus costumes e hábitos, retirando-a de seu meio e a
colocando sob as vestes do militarismo, a GRIN representava a destruição da identidade de um
povo, algo que acabava por ser perpetuado para gerações futuras daquelas
pessoas, uma vez que muitos dos bebês nascidos à ocasião recebiam nomes dos
militares atuantes no período, a exemplo da alcunha de dos algozes do período,
capitão Pinheiro.
Com a presença do experiente documentarista Isael Maxakali, representante
direto do povo abordado no filme, a captar os depoimentos, o diretor Roney
Freitas, através das marcantes entrevistas dos integrantes da tribo, cria uma
narrativa fluída, que denuncia a irresponsável e perversa descaracterização
daquelas pessoas. Mantidas sob um a rédea da submissão, eram colocadas reféns até
mesmo do modo de consumo capitalista que, excludente por natureza, ainda os
colocava em patamar mais inferior, uma vez que os militares criaram uma moeda
específica para os índios utilizarem na região, algo que os controlava de modo
ainda mais pernicioso.
Através dos depoimentos dos mais velhos da tribo, toda a barbárie
pode ser presenciada. Desde os métodos de tortura física, até a forma como
Pinheiro se dizia dono daquelas pessoas, algo evidenciado de forma curiosa no
depoimento de um dos idosos, Rondon. Em suas palavras, um estranho respeito
pela figura de Pinheiro surge, afirmando que o homem protegia os Maxakali. Fica
a dúvida acerca de uma possível senilidade ou um comportamento de respeito cego
pelo seu opressor, seja por razões de um medo institucionalizado ou por algo
que, dada às devidas proporções, se aproximaria da síndrome de Estocolmo.
Uma
cena cujo impacto desnorteia principalmente pela percepção de que a tortura e
influência psicológica do branco eram por demais pesadas, algo evidenciado pela
afirmação final de Rondon, a de que ainda se considera um soldado.
Um filme cuja reflexão se dá de modo doloroso a partir do
momento em que se percebe que a identidade de um povo era retirada não somente através da violência mas, por vezes, intelectual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário