quinta-feira, 1 de junho de 2017

Mulher Maravilha

(Wonder Woman, EUA, 2017) Direção: Patty Jenkins. Com Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Connie Nielsen, Ewen Bremner.



Por João Paulo Barreto

Lembro-me que, mesmo ainda criança, sem um pensamento crítico formado e facilmente suscetível às manipulações emocionais dos filmes, uma frase proferida por Christopher Reeve na sua encarnação definitiva de Kal-El, em Superman II, de 1980, me marcou bastante quando o assisti em meados da mesma década. Nesta cena específica, após constatar a destruição sádica e assassinatos cometidos pelo general Zod, vivido por Terence Stamp, o herói diz, em um sentimento de dor, “pare, não faça isso com as pessoas.” Isso definia bem o espírito da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster, que no saudoso Reeve encontrara sua face eterna.

Sentimento semelhante voltou a acontecer, mas, claro, em uma situação que tendia inicialmente para uma análise crítica mais fria, que buscava se prender mais a um distanciamento analítico e menos a uma influência emocional. Mas, confesso, foi inevitável experimentar algo que remetia àquela mágica sensação que o longa de Richard Donner me causou há quase trinta anos.

A heroína durante a invasão à terra de ninguém
“Eu escolho acreditar no amor.” Essa é a frase proferida pela heroína no clímax do filme. Por mais que venha a soar como uma novela do horário das sete e com dublagem, essa linha de diálogo, dita no momento em que o filme nos apresenta, é o que define a criação da protagonista e sua trajetória até aquele momento. Ao subir dos créditos, Mulher Maravilha deixa-nos com a sensação de ser um filme não de ação descerebrado, calcado apenas em sequências explosivas (ainda bem que Snyder não dirigiu), mas, sim, uma obra sensível em uma mensagem antibélica, e que, finalmente, traz uma super heroína como papel principal.

E que papel! Desde seu desenvolvimento inicial, o roteiro de Allan Heinberg demonstra um cuidado criterioso na apresentação da personagem e no ambiente em que a mesma surge. Um dos pontos de acerto está no modo dinâmico e econômico como toda a introdução na paradisíaca Themyscira consegue dar conta de exibir a trajetória de Diana, desde sua infância (acerto incrível na escolha da atriz mirim, inclusive) e adolescência, até seu ponto de ruptura, quando precisa deixar o local para conter a ira do deus da guerra, Ares. Sobre a ilha, impressiona o desenho de produção, bem como a direção de arte, conseguindo recriar uma ambientação das lendas gregas de modo a inserir o espectador na trama e na existência do local até aquele ponto, com uma bela utilização de frames animados para nos contar aquela história.

Rainha Hippolyta e sua presença de autoridade
Sem contar a própria caracterização das personagens femininas do lugar, com destaque para Robin Wright e Connie Nielsen, que conseguem colocar a postura centrada de suas decisões pragmáticas e militares de modo a conter seu emocional. E está na presença de Nielsen um dos mais belos momentos, quando se despede da filha que parte para a guerra. Nada mais humano e doloroso quando milhares morrem lutando em terras estrangeiras muitas vezes em nome de tiranos, e tudo o que deixam para trás com suas mães é saudade. Ver isso numa deusa soma ainda mais para o filme.

Ainda em Themyscira, as sequências de treinamento, bem como o embate entre soldados armados e arqueiras em cavalos são um aperitivo para o que veremos na principal batalha de guerra, quando Diana encara a terra de ninguém entre as trincheiras aliadas e as linhas inimigas na Primeira Guerra Mundial, ou quando utiliza o laço dourado como um elemento visualmente incrível nas cenas de luta. Indefectível ao unir os efeitos sonoros com as cenas explosivas de ação, juntamente com uma trilha deveras eficiente (sendo esse desequilíbrio de elementos técnicos um dos problemas mais gritantes em Batman Vs. Superman), o filme de Patty Jenkins consegue imprimir marcas reconhecíveis em suas opções de enquadramentos, como quando vemos o mesmo artifício de exibir a imagem lateralmente invertida na fuga de dos personagens pilotando um avião ou quando vemos Diana cavalgar adentrando em uma floresta.

Steve Trevor resgatado da morte por uma deusa
Caprichando no humor ao discutir as questões femininas em relação ao personagem de Chris Pine, bem como na química entre o elenco secundário encabeçado por um sempre bem vindo e hilário Ewen Bremner (o eterno Spud, de Trainspotting), Mulher Maravilha consegue, ainda, a proeza de desenvolver um vilão cujas motivações possuem uma profundidade incomum em filmes baseados em histórias em quadrinhos. 

Com sua argumentação relacionada ao fato de que, apesar de ser o deus da guerra, Ares se exime da culpa pela natureza bélica do mundo de uma forma tão pertinente que fica difícil discordar de suas ideias. Ao fazê-lo, ele culpa justamente o ser humano, provando o embasamento calcado no real e proposto pelo roteiro, algo que, convenhamos, desde a versão do Coringa de Heath Ledger não se via em um vilão.

Com um final que coloca uma discreta sugestão que insere a heroína na luta contra o terrorismo (no caso, em Paris), Mulher Maravilha mostra que é possível, sim, uma super heroína como protagonista. Após tantas versões do Batman ou do Super, já estava na hora do cinema dar uma chance a um ícone feminino dos quadrinhos clássicos.


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