sábado, 15 de julho de 2017

Perdidos em Paris

(Paris Pieds Nus, França, 2016) Direção: Dominique Abel e Fiona Gordon. Com Emmanuelle Riva, Pierre Richard. 


Por João Paulo Barreto

É na ingenuidade e leveza que se baseia o cinema proposto pelo casal de cineastas Fiona Gordon e Dominique Abel no divertido Perdidos em Paris. Tal proposta, algo por demais bem vindo em tempos de um cinema feito com base quase exclusiva em uma abordagem cínica, apesar de não ser uma constante na filmografia dos realizadores, encontra um tom preciso na ideia de contar sua história a partir da linha tênue entre o burlesco e o absurdo. Entre o cômico e o teatral.

Na visita da canadense Fiona (vivida pela própria diretora) a Paris no intuito de buscar sua tia senil e, então, desaparecida, a desculpa para as situações nonsenses é plantada, e o desenvolvimento da história segue a partir dessa premissa, a de caminhar entre momentos nos quais o espectador é colocado diante de uma série de eventos que brincam com a linearidade da montagem para liberar as pistas do que realmente aconteceu. Nessa construção de acontecimentos, algo que não subestima a inteligência do espectador justamente por conta da complexidade da escolha de seus cortes e nas inserções seguintes para tornar fluída a narrativa dentro de sua comicidade, o desenrolar da trama é apresentado de forma, contrário de como seria de se esperar, não estabanada ou tentando arrancar gargalhadas do espectador. A forma, aqui, é mais natural, dando ao público a chance de degustar cada traquinagem e gags visuais, cada colagem de pistas e, o mais importante, observar os maneirismos físicos de seus dois protagonistas, no caso, o segundo vivido pelo próprio Abel na presença de um mendigo oportunista, mas abalado pela solidão.

Um dos últimos trabalhos da atriz Emmanuelle Riva
E neste sentido, Dominique e FIona, dentro de seus personagens homônimos, se engrandecem. E cada momento dos dois em cena, com suas reações estupefatas aos acontecimentos ao seu redor, mas sem se render a caras, gritos e bocas para causar uma graça rasteira, é uma lembrança à platéia de que estamos diante de uma obra cujo único compromisso é o de causar sorrisos sinceros. Sejam eles oriundos dos momentos que utilizam um engenhoso planejamento de montagem em busca da comicidade, ou quando preferem apenas saudar a comédia musical francesa ao inserir breves participações como a do ícone Pierre Richard, que, em cena ao lado de Emmanuelle Riva, tem um tenro momento de dança que remete aos clássicos números musicais dirigidos por Jacques Demy, mas, aqui, sem canto.

E, já que o nome da grande dama, Emmanuelle Riva, veio à tona, é importante salientar esse que representou um dos seus últimos momentos em vida. Aqui, ela parece se divertir de maneira única, com cenas de beijo, fugas da polícia, sexo casual e dança. Após construir toda sua longa carreira em papéis marcados por um peso dramático em suas atuações através de parcerias como as feitas com Resnais, Pontecorvo, Melville e, mais recentemente, Haneke, é bonito observá-la se despedir de modo tão leve, tão descompromissado, um presente inesperado na final da carreira para alguém que viria a falecer poucos meses após terminar as gravações.

A sensação de quem sai da sala ao passar menos de noventa minutos diante daquela homenagem a nomes como Chaplin, Buster Keaton e Jacques Tati é a da mesma leveza vista em sua ideia original. E é raro encontrar um cinema que conceda ao espectador esse tipo de pureza narrativa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário