sábado, 2 de setembro de 2017

Entrevista: Laís Bodanzky - Como Nossos Pais

(Brasil, 2017) Direção: Laís Bodanzky. Com Maria Ribeiro, Clarissa Abujamra, Paulo Vilhena, Jorge Mautner.


Por João Paulo Barreto

Laís Bodanzky, junto ao parceiro nos roteiros, Luiz Bolognesi, constrói em Como Nossos Pais uma análise de um tema obrigatório: a valorização da mulher dentro de nossa sociedade. Tal construção, no entanto, evita descambar para uma proposta maniqueísta, panfletária ou artificial no consolidar de suas situações. A ideia, aqui, reside não em um patrulhamento, mas, sim, em uma via de diálogo. Mais do que isso: ao contar a história de Rosa (Maria Ribeiro), a cineasta procura expurgar os conflitos internos de sua protagonista, relacionando seus dramas familiares com situações calcadas em uma dura realidade do Brasil.

Na busca de Rosa por uma forma de equilibrar seus sentimentos diante de um marido ausente, frustrações profissionais, filhos desafiadores e pais conflituosos, o filme se coloca para o espectador como um condutor de pertinentes discussões. Há o esperado choque de gerações, porém, tal inserção surge de forma orgânica. Há a profundidade de uma protagonista que não se limita a um direcionamento exclusivamente de mudança, mas, sim, demonstra-se humana ao, às vezes, apresentar seus conflitos em pensamentos conservadoramente contraditórios. Trata-se de uma obra essencialmente feminina e de acordo com suas propostas de conscientização, mas, além disso, temos ali uma história humana.

A relação das personagens de Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra parece caminhar em gelo fino. Quando o inevitável trincar surge, o turbilhão onde Rosa mergulha traz consequências permanentes para sua vida. Sua postura, no entanto, é colocada de forma a confirmar sua humanidade. São momentos em que a fragilidade alcança ápices, como quando a vemos buscar o carinho do pai vivido de modo tocante por Jorge Mautner. Em outros, é a fúria que vem à tona, como quando na discussão com o marido interpretado por Paulo Vilhena. Como Nossos Pais apresenta esses momentos, porém, de modo a confirmar não somente o respeito por um gênero específico, mas por um ser humano.
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Entrevista - Laís Bodanzky

A diretora com o prêmio em Gramado

Laís Bodanzky, após abordar uma adolescência conturbada, uma terceira idade nostálgica e infâncias desafiadoras, coloca o foco de sua lente em na geração da qual ela mesma é uma das representantes. Em Como Nossos Pais, a roteirista e diretora traz à tona, sem apelar para maniqueísmos ou competições de gênero, uma discussão atual e de suma importância: a valorização da mulher dentro, não somente do equilíbrio de um núcleo familiar, mas, também, de uma sociedade machista e, muitas vezes, misógina. Porém, ao conscientizar seu público através da história da Rosa, personagem de Maria Ribeiro, o longa busca abordar tais questões de forma orgânica, colocando à mesa um debate pertinente, mas sem descambar para o panfletário. “O filme, quando fala da questão da mulher, ele não a coloca contra os homens, mas, sim, procura colocá-la com os homens. Como é que a gente recombina a regra do jogo juntos? A discussão é no sentido de melhorar para que fique bom para todo mundo”, afirma a cineasta que acaba de ser agraciada com os Kikitos de melhor filme e direção no Festival de Gramado, que premiou, também, três integrantes de seu elenco: melhor atriz para Maria Ribeiro; atriz coadjuvante para Clarisse Abujamra e melhor ator para Paulo Vilhena, além do montador Rodrigo Menecucci. Sobre esta experiência, processos de construção e uma lembrança de seu primeiro filme, Bicho de Sete Cabeças, a diretora conversou por telefone com o blog Película Virtual


Confira o papo!

Parabéns pelas conquistas em Gramado. 

Puxa, obrigado. Foi uma coincidência muito feliz os prêmios no festival chegarem tão próximos da estreia nacional. O filme nasce no Brasil com esse DNA do festival de Gramado. Recebendo tantos títulos, tanto reconhecimento. Um holofote de destaque. E o mais bonito é poder dividir isso logo em seguida com todo o Brasil. Gramado foi um momento lindo. Inesquecível mesmo da vida, sabe? Todo filme dá um trabalhão, a gente sofre para fazer, e ter esse reconhecimento depois é algo muito significativo. Não que a gente faça filmes apenas para viver isso. A gente não faz um filme para competir, a gente faz para mostrar ao público. Mas ter esse retorno de um júri especializado que achou que nosso trabalho tinha todas essas qualidade, que merece esse reconhecimento, aí fica melhor ainda. Mas sem diminuir os outros que estavam em competição. A curadoria do Festival de Gramado foi excelente. Eu acho isso muito importante. A gente está em um momento tão interessante do cinema brasileiro que é preciso deixar claro que o mérito não pertence apenas a esse ou àquele outro filme. Isso seria diminuir demais. Eu acho que a arte, o cinema, como todo o mundo das artes, ele não é feito de uma única verdade. São muitas verdades.

Você citou a curadoria do festival e é importante salientar uma atenção dada pelo evento a produções protagonizadas por mulheres. 

Exatamente. A curadoria naturalmente mostrou como as mulheres do audiovisual estão participando intensamente, apesar de sermos poucas na direção e no roteiro. Com um discurso muito contundente, que é de interesse geral da sociedade.

Recentemente, numa mostra do Cinema Brasileira que aconteceu aqui em Salvador, eu revi seu filme Bicho de Sete Cabeças. Não o assistia no cinema desde 2001. Curioso como ele ainda possui um impacto na gente. Envelheceu bem.

Nossa, que forte! Que bom! Obrigada pelo depoimento. É bom saber que ele está aí, vivinho.

É um exercício interessante imaginar Como Nossos Pais tendo esse mesmo impacto no espectador daqui a dezesseis anos. 

Tomara. Porque, de certa forma, eu vejo o Como Nossos Pais como um filme crônica, sabe? Ele é uma fotografia dos dias de hoje. Eu sinto que nós estamos em pleno movimento. Não sei se a gente vai continuar sendo os mesmos daqui a quase vinte anos. Para falar a verdade, eu espero que não (risos). Que o filme sobreviva mais como um retrato de um período. Que gere observações como: “Olha, naquela época era assim. Essas eram as questões.” Mais no sentido de olhar para trás na linha da história, como uma forma da gente entender como nós éramos naquela época. Porque Bicho de Sete Cabeças é um filme que, infelizmente, ainda continua atual. Aqui em São Paulo, pelo menos, o que a gente está vivendo com a em situação dos usuários de crack, com o tratamento desumano com eles nas ruas, mostra que, infelizmente, ele ainda é um filme bem de acordo com a atual realidade.

Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra em atuações fortes
Após um hiato de sete anos desde As Melhores Coisas do Mundo, seu filme de 2010, você retorna com o Como Nossos Pais. Como o projeto se apresentou a você?
A ideia do Como Nossos Pais nasceu há quatro anos. Nossa, quando a gente para e pensa sobre isso, a sensação é de que passa muito rápido, mesmo. (risos). Sobre esse hiato que você falou, para mim, quando encontro uma ideia, eu preciso ter certeza absoluta da necessidade dela ser contada. E com a história desse novo filme, não houve dúvidas. Hoje, diferente de quatro anos atrás, o tema da mulher contemporânea é algo que as pessoas estão bem mais à vontade para falar. Isso é curioso, mas é verdade. Há quatro anos era bem diferente. E lembrar como o projeto começou me faz recordar do meu filme de 2007, o Chega de Saudade, no qual eu abordo personagens da terceira idade. [Na divulgação], muitos jornalistas me perguntavam: “ah, mas você está falando agora sobre a terceira idade, seu filme anterior era sobre adolescência, quando é que você vai fazer um filme sobre a sua geração?” (risos) Claro que era uma provocação, uma brincadeira, mas eu escutei muito essa pergunta. É difícil dizer quando surgiu a vontade de contar essa história. O quanto vem mesmo dessa reflexão trazida pelos jornalistas. Certo, então, é para falar da minha geração? Qual é o meu depoimento? Porque, afinal, falar da minha geração também é falar do meu ponto de vista como mulher.

E o filme consegue construir personagens fortes ao abordar mulheres de gerações diferentes. 

A idade era abordar aquele período em que eu considero um momento sanduíche da vida, sabe? Com duas gerações se espremendo. No caso, a geração da Rosa (personagem da Maria Ribeiro), ainda com seus pais vivos, que precisa agir na postura de filha, mas que, ela mesma, já formou família. Ela já é mãe e tem esses dois papeis: o materno e o de filha, também. Em alguns momentos ela vira mãe da própria mãe, em outros ela vira filha da própria filha. Há essa confusão de papeis misturados na rotina dessa mulher que quer dar conta de tudo, quer ser perfeita, mas é impossível ser perfeita e acaba se culpando. Eram temas que, para mim, eram urgentes enquanto mulher, mas que as pessoas não falavam de forma tão clara como hoje, com a internet e as redes sociais tão ativas. Eu acho que esse movimento novo da mulher, um novo movimento feminista, é de dois anos para cá. É recente. Mas o filme já estava em pleno processo. Assim como eu, tantas outras mulheres estavam com esse desejo de falar. Cada uma no seu espaço, mas querendo fazer o seu discurso. E eu sentia esse desejo.

A escolha do elenco que vai dar voz a essa mensagem é algo bem importante. E é incontestável como a atuação da Maria Ribeiro e a da Clarisse Abujamra se complementam naquelas fagulhas, naquele atrito. E o reconhecimento de ambas em Gramado confirma isso. Como foi o processo de escolha do elenco?
Eu busquei tratar o casting com todo respeito. Aliás, em todos os meus filmes, eu acredito que uma parte significativa dele já está ali, na hora em que você escolhe o grupo de atores e atrizes com quem vai trabalhar. O ator certo para aquela personagem, para aquela história. É um trabalho artesanal. Um processo de ensaios, de conversa, de discussão, antes do set de filmagem. Para os atores ficarem à vontade na hora de ligar a câmera. E o resultado acaba sendo aqueles momentos entre a Maria e a Clarisse.

Terapia de casal: Maria Ribeiro e Paulo Vilhena encaram uma DR

Essa relação entre pais e filhos é um tema recorrente em sua filmografia. É algo que realmente lhe atrai?
Na hora em que eu me debruço sobre uma história, seja ela qual for, eu gosto muito de entender as minhas personagens. É difícil você entender as personagens sem entender de onde elas vieram, sabe? Filho de quem, com qual relação, com qual trajetória de vida. E é difícil você não ter uma pessoa que não tenha uma história forte ou significativa com seus pais ou com seus filhos. Então, seja que tema for, é difícil você fugir disso. Eu não consigo. Sempre quando eu percebo, estou voltando a isso (risos). Meu próximo filme, que tem uma temática totalmente diferente, eu também me debruço sobre esse tema. (N.E. A diretora abordará a juventude de D. Pedro I, que será vivido por Cauã Reymond). Então, é curioso. Este tema da relação entre pais e filhos realmente me atrai. Ele traz para mim muita coisa que me permite me aproximar do universo interior das personagens. Fazer uma análise mais psicanalítica delas.

Apesar de sua mensagem forte e direta, o filme não é maniqueísta ou panfletário na presença de sua protagonista, ela mesma alguém que, às vezes, parece ser conservadora e, em outros momentos, mais libertária. 

Isso. Porque eu acho que, na vida, é assim que acontece. Nós somos muitos em um só. Em um assunto, eu sou mais libertária, no outro eu sou mais careta. Essa, para mim, é uma das razões para que o filme esteja atraindo tantas atenções. E também do público masculino. É uma surpresa boa que os homens também estejam interessados no assunto, gostando e rindo também. Porque eles se identificam com algumas situações que foram colocadas na história. Eu escuto muitos deles dizer: “Nossa, eu faço exatamente assim, eu fiz isso, eu sou isso, ou lá em casa foi assim”. É porque é justamente essa ideia. Todo mundo erra. Nenhum dos personagens é perfeito. Mas todos são amorosos e todos querem acertar. O filme, quando fala da questão da mulher, ele não a coloca contra os homens, mas, sim, procura colocá-la com os homens. Como é que a gente recombina a regra do jogo juntos? A discussão é no sentido de melhorar para que fique bom para todo mundo. Não é aquela coisa do “eu não quero saber de você.” Não é uma visão maniqueísta dos temas. Porque todo mundo erra, mas querendo acertar, e isso é humano.

Jorge Mautner volta a atuar após décadas em papel tocante

Você trouxe o Jorge Mautner, que não fazia cinema desde os anos 1970, para o filme. Foi difícil colocá-lo para atuar?
Eu sou uma admiradora do trabalho dele. E queria muito um pai marcante para a personagem da Maria Ribeiro. Alguém que fosse amoroso. Para poder trazer justamente isso que a gente está falando. Porque a ideia é mostrar que se erra, mas se erra com amor. Assim fica mais fácil a gente seguir juntos. E eu vejo o Mautner assim na vida. Eu me lembro de assistir ao documentário dirigido pelo Pedro Bial sobre o ele (N.E. Jorge Mautner – O Filho do Holocausto). Em certo momento, ele conversa com a Amora, sua filha, e eu fiquei tão emocionada vendo a conversa deles, que fluía de um jeito tão bonito, mas falando coisas duras. Eu o tinha como uma referencia de postura, de jeito de ser. Acabei fazendo o convite. Lembro-me que ele me disse: “Olha, Laís, eu não consigo decorar textos”. E eu falei: “Mas, Mautner, a ideia não é essa ” (risos). Eu não poderia convidar o Mautner, um livre pensador, e colocá-lo numa jaula. Então, a gente conversava sobre as cenas, os objetivos, a duração, e muitas das falas dele nas cenas, não todas, mas uma boa parte, são do próprio Mautner. É absolutamente impossível escrever aqueles pensamentos. Ele foi muito generoso de contribuir nos pensamentos do personagem do Homero.

A escolha do nome do filme, uma referência à canção do Belchior que a Elis imortalizou, ganha um novo impacto com o recente falecimento do cantor.

Exatamente. Também teve esse momento de tristeza da perda dele. Mas perceber a importância da obra dele e sua influência para a gente é algo que nos deixa felizes. O título do filme surgiu antes do roteiro, e serviu muito para me lembrar do que eu queria falar. O título. Não necessariamente a letra, mas, sobretudo, o título. Era uma provocação para mim. O tempo inteiro eu voltava a esse título para eu não me perder na história

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