terça-feira, 14 de abril de 2020

Mídia física vs. streaming

DVDs e blu-rays vivem!

Lançamentos do selo Obras Primas do Cinema


COLECIONISMO Com oficial queda na qualidade de sinal das plataformas de streaming, acesso a filmes através de mídia física, apesar do mercado combalido, ainda é um caminho para alimentar a cinefilia

Por João Paulo Barreto

Dentro das mudanças nos meios de acesso ao cinema em casa, definitivamente a mais impactante negativamente em termos de qualidade de imagem e som se deu com a ascensão do streaming a partir da segunda metade dos anos 2010. Enquanto que nos anos 1990, a migração do VHS para o DVD gerou um aumento impressionante nessa mesma qualidade no consumo de filmes, hoje, com as plataformas digitais, o que temos é uma disparidade. Há, sim, uma oferta imensa de entretenimento entre série e filmes. Mas é tão fácil assim ter acesso a exatamente o que a pessoa deseja assistir? Ou acabamos por nos tornar reféns de algoritmos que constroem um menu de opções ao “nosso gosto”? E na questão do aproveitamento em termos de imagem e som? Com conexões ruins de internet, lentidão no acesso e filmes que simplesmente desaparecem ao capricho das gigantes de streaming, o benefício é tão vantajoso assim em relação aos discos digitais de DVD e blu-ray?

Em tempos urgentes de quarentena por conta da pandemia do COVID-19, plataformas como a Netflix e a Globo Play anunciaram a necessidade de diminuir a sua taxa de bits devido a alta quantidade de pessoas conectadas.  Do mesmo modo, muitos provedores de internet têm sinalizado aos clientes intermitências no sinal. No acesso aos filmes, outro contra: o processo de escolha das obras segue uma demanda imposta pelos próprios canais, que mantêm em seus catálogos apenas filmes com muitos espectadores, podendo torná-los indisponíveis no momento em que decidirem que eles têm poucas visualizações ou apelo. Indo na contramão desse modo de alimentar a cinefilia, o mercado voltado para colecionadores de DVDs e blu-rays no Brasil ainda respira. Selos como Versátil Home Vídeo e Obras Primas do Cinema possuem lançamentos mensais em uma regularidade constante e, o mais importante, clientes fieis que têm na compra e no colecionismo de filmes seu modo de acesso à sétima arte em casa.

Lançamentos do selo Versátil Home Vídeo 

CURADORIA E CUIDADOS

Para Rodrigo Veninno, um dos curadores do selo Obras Primas do Cinema, empresa que mantém uma média de três a cinco lançamentos mensais em boxes de filmes, a escolha do catálogo de obras se baseia em ajudar o espectador a sanar a dificuldade de encontrá-las. Principalmente em tempos de downloads via torrents. “Geralmente, quando eu planejo um lançamento em qualquer linha, seja de um tema ou de um diretor, ator ou atriz, eu me baseio em duas dificuldades do espectador: a de encontrar aquele filme para assistir e a de encontrar uma legenda”, afirma Rodrigo. E complementa com o fato de que o idioma pode ir muito além do inglês. “Claro que não é todo mundo entende o idioma inglês. Mas, é preciso lembrar que há um público que gosta, também, de cinema tcheco, de cinema japonês, por exemplo. A dificuldade nesses casos é ainda pior”, explica.

Diretor da Versátil Home Vídeo, outro selo a se dedicar a lançamentos de filmes voltados para o colecionismo no Brasil, André Melo destaca que a relação do cliente com o produto é algo que traz uma afetividade que nenhum streaming pode suprir. “Quando adquire um box, esse cliente pega a capa, vê em verniz ali aquela imagem selecionada. Lá está escrito o nome do diretor, autor, atriz, ator que ele admira. Ele tem um relacionamento com aquele produto. É uma coisa muito mais afetiva, de se abrir o filme, ter um encarte, ter uma luva toda delicada em volta. E há os cards com imagens de quando aquelas obras foram lançadas no cinema. E isso é uma coisa que você não acha no Google. Você não acha isso facilmente no mercado”, explica.

Celso Menezes, do Blog do JC, e sua coleção

E ainda é importante pontuar que, para além dos longas em imagem e som ideais, na mídia física há um diferencial que nenhum streaming traz. André explica: “Nesse produto, o público encontra making of dos filmes, comentários do diretor, entrevistas do elenco. Isso é uma coisa que a Versátil coloca nos seus lançamentos e tenta cada vez mais manter. Buscamos sempre não fazer um lançamento cru, só com o filme” pontua o diretor da Versátil.

LOJAS VIRTUAIS

Com as até então gigantes do varejo como Livraria Cultura e Saraiva entrando em recuperação judicial, ou outra tradicional revendedora de mídia física como a Lojas Americanas queimando (sem renovar) seus estoques, as lojas on line dos próprios selos têm entrado no jogo da venda direta para o consumidor, sem a necessidade de passar pelos revendedores. “Até 2016, a gente trabalhava com 70% a 80% do foco de nossa receita voltado para as duas livrarias. Após essa crise que começou a afetar ambas, mudamos nosso foco. Fizemos uma aproximação com nosso cliente via redes sociais. E muitos começaram a nos procurar perguntando como adquirir nossos produtos. Hoje, posso dizer que 70% a 80% de nosso faturamento vem de nossa própria loja”, salienta André Melo.

Além de colecionador e dono de um acervo de quase cinco mil filmes, Celso Menezes, é roteirista e colaborador do Blog do JC, um dos maiores sites voltados para informações de blu-rays e DVDs lançados no Brasil e no exterior. Para ele, uma das muitas vantagens da mídia física é o acesso rápido às obras. “O acervo disponível no streaming é limitado. A busca pelos filmes não é tão fácil. Hoje, se você falar que vai assistir a, por exemplo, a filmografia do Hitchcock, vai ser como? Não tem locadoras, você não vai ver na TV aberta ou fechada. Na Netflix, se tiver, vai ser um ou outro. Existe uma demanda. Citei o Hitchcock por ser um grande cineasta, mas existem mais cineastas, existem outros movimentos cinematográficos, e tudo isso não está no streaming. E alguns títulos mais clássicos que havia lá, foram retirados pela Netflix”, ratifica Celso. 

Itamar Castelo e sua coleção
Outro cinéfilo inveterado, Itamar Castelo tem uma coleção com mais de 1500 unidades entre blu-rays e DVDs. Coleciona filmes desde os anos 1990. Hoje, adquire muitos de seus itens via internet. Para ele, “empresas como Versátil e Obra Primas do Cinema têm uma preocupação com a apresentação, a qualidade do produto. Tanto fisicamente como em suas embalagens e cards. Como filmes clássicos, catálogos inéditos, versões remasterizadas e restauradas. Além disso, blu-rays com maior capacidade e qualidade de imagem”, pontua em relação a importância dos selos nacionais para os cinéfilos.


Ainda sobre o streaming, André Melo, do selo Versátil, é enfático. “No Netflix e outras plataformas, é um algoritmo que identifica que você gosta de um tipo de tema e você vai parar com um robô que define o que pode ser que você goste, a questão do conteúdo e onde o mesmo é armazenado. E ali você não vai encontrar nem 1% do que foi feito de audiovisual na História. Acho que nenhuma plataforma tem essa capacidade. Com o DVD, blu-ray e os extras que vêm nas mídias, a experiência se torna muito mais do que apenas consumir um filme”, finaliza.



*Matéria publicada originalmente no Jornal A Tarde, dia 14/04/2020



Um comentário:

  1. Muito bom saber que ainda existem cinéfilos colecionadores que concordam que a mídia física é importante e que não pode ser suprimida em vista das plataformas digitais e downloads. Fiquei muito perplexo quando soube que as Lojas Americanas iriam acabar com o setor, assim como a Saraiva e a Cultura.

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