Filmes do Recôncavo no Mapa
Como precioso registro da história da região através de
filmes gravados lá,
site Cartografia do
Cinema no Recôncavo, projeto dos cineastas Iago Ribeiro e Camila Gregório,
disponibiliza
trabalhos feitos entre 1923 e 1989
Por João Paulo Barreto
Na pintura que ilustra essa página de jornal, obra da
artista plástica soteropolitana Isabela Seifarth, as cidades, as pessoas, as
fachadas de casas, os prédios históricos, os trilhos, os barcos, o mar, os
rios, os caminhões, as labutas, as estradas, as frutas, o samba de roda e todas
as outras camadas de uma identidade regional do recôncavo baiano aparecem dentro
dessa imensidão de cores que a tela nos apresenta. Adentramos na imagem, e
mesmo aquelas pessoas que não possuem lembranças afetivas com a região, ou com
seus hábitos e rotinas, sentem a força das histórias que permeiam tais locais e
suas memórias. Tal qual como acontece com o Cinema, que também funciona como
esse registro de épocas e de costumes.
Não por acaso, a tela também ilustra o site Cartografia do Cinema no Recôncavo, plataforma lançada com o suporte da Lei Aldir Blanc e idealizada pelos cineastas Iago Ribeiro e Camila Gregório. O espaço virtual mapeia e registra essa identidade da região através de trabalhos de cinema e TV rodados nas cidades entre os anos de 1923 e 1989, em mais de 130 produções catalogadas até o momento. Como dito, o cinema, desde sua criação no final do século XIX, e passando pelo seu rápido multiplicar de produções nas primeiras décadas do século XX, possui essa mesma capacidade de gerar em sua audiência laços, sejam afetivos ou históricos, diante da visitação a períodos específicos da expansão de cidades, povos e costumes. E é justamente esse o enfoque do site em seu resultado. Mas o alcance da proposta é bem mais abrangente.
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Iago Ribeiro explica que, inicialmente, a criação do projeto veio de um interesse pessoal seu em pesquisar sobre os filmes produzidos no recôncavo durante o século XX e que não são tão conhecidos pelo público. "Seguindo uma curiosidade, fui pesquisando e encontrando essa lista inicial de alguns filmes. Alguns mais canônicos, como podemos chamar aqueles que vêm sempre em primeiro lugar quando pensamos um pouco sobre os filmes mais antigos que retratam o recôncavo da Bahia. Mas após uma primeira pesquisa, fui sendo levado a outros que não eram tão lembrados em mostras, exibições de cineclubes ou em comentários das pessoas. Foi quando fui me interessando e vendo que tinha uma série de histórias que poderiam ser contadas através desses filmes. Até ver que tinham vários da década de 1930, cuja maioria foi perdida. São complementos, documentários com temas de cidades que revelam aspectos econômicos dos lugares, como A Fábrica de Charutos Daneman de São Felix, de 1923, e que não foi localizado", explica Iago. Tal filme é o primeiro registro de imagens em movimento feitas no recôncavo há quase 100 anos.
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O diretor e idealizador do projeto, Iago Ribeiro |
PESQUISA E PRESERVAÇÃO
No aspecto relacionado a importância da catalogação cronológica e
disponibilização das obras, juntamente com o vasto material informativo que
acompanha toda a lista de filmes que o site traz, o leque de possibilidades de
pesquisas é bem vasto. A produtora geral do projeto, Camila Gregório, explica
que as imagens que o público encontrará nessa seleção de filmes possuem valores
para além do apenas cinéfilo, mas como, justamente, o de um mergulho na
evolução dos tempos em diversos campos. "A gente defende muito o valor da
imagem desses filmes e desses registros. E não só o valor cinematográfico que é atribuído
a eles. Mas, também, o valor histórico que pode ser usado por pesquisadores de
arquitetura, museólogos, por exemplo. Ali está o registro de uma época, de uma
rua, de um jeito de andar, de uma vestimenta. É um documento histórico. Nós
defendemos, também, essa importância", esclarece Camila.
Como patrimônio do recôncavo baiano, as obras reunidas no site nos
alertam quanto a importância de preservar tais imagens. Principalmente em uma
época cujo descaso, ruína e abandono de Cinematecas Brasileiras, como os já
notórios casos do que acontece na Nacional, em São Paulo, são a meta de um
desgoverno genocida a "presidir" o Brasil. Iago Ribeiro faz esse
alerta em relação à necessidade da sensação de pertencimento que o recôncavo e
sua gente deve sentir em relação aos filmes produzidos lá. "É uma
característica bem forte do recôncavo essa coisa da memória e do descaso com
essa mesma memória. Patrimônio e preservação, e, ao mesmo tempo, a ruína e a
ausência. E esses filmes, quando eu comecei a me deparar com eles, veio muito
essa ideia de que são o patrimônio do recôncavo. Mesmo eles, em sua maior
parte, não tendo sido feitos por pessoas daqui, não são produções locais, tem
até filme da Alemanha, mas que vemos e concluímos que isso pertence ao
recôncavo de alguma forma. E isso tem que retornar, também, para cá. Retornar
de uma forma que as pessoas se apropriem dessas histórias e dessas imagens",
pontua o cineasta.
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A diretora e produtora geral do projeto, Camila Gregório |
Ligados profissional e afetivamente ao recôncavo baiano, Iago e
Camila têm em Cachoeira e na UFRB uma relação de pertencimento que ambos
salientam bem em suas palavras acerca deste e de vários outros projetos aos
quais estiveram envolvidos. E esse afetivo ajuda a tocar para frente as várias
empreitadas que os dois jovens cineastas buscam construir dentro do campo do audiovisual. "Eu defendo muito o
afetivo", afirma Camila, complementando: "É uma das formas de
lidarmos com esse material (do site). Inclusive, estrategicamente. Para fazer
com que aquelas as pessoas reconheçam um valor existente, também, muitas vezes
vem por essa afetividade. E o recôncavo baiano é um lugar onde há muito olhar
afetivo para esse local. Seja de quem vem aqui uma vez por ano, seja de quem
mora aqui, seja de quem ouve aqui através de música, da literatura, da poesia. E
vai além do romântico. Acho que é um lugar que pode, até de uma forma meio pedagógica,
nos atrair, e atrair a defesa da importância dessa memória, através dessa
afetividade. E fora, também, o que eu defendo muito é a paixão que temos por esse
lugar, de trabalhar com esse material, com essas imagens. É o que nos trouxe
aqui. E. entre todas as coisas que poderíamos estar fazendo na nossa
vida, decidimos fazer isso, assim. E olhar com mais carinho, também, para isso",
finaliza Camila.
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