Os Miseráveis (Les Misérables, Inglaterra, 2012) Direção:
Tom Hooper. Com Hugh Jackman,
Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham
Carter.
Por João Paulo Barreto
Baseado na obra escrita por
Victor Hugo em 1862, Les Misérables chega
ao cinema em mais uma adaptação (a mais famosa e recente foi estrelada por Liam
Neeson em 1998). Diferente da produção lançada há 15 anos, essa nova versão
segue a estrutura do musical lançado em Paris em 1980 e em Londres em 1985
(onde permanece em cartaz desde então).
Dirigido pelo mesmo Tom Hooper de
O Discurso do Rei, o filme possui uma
quantidade bem menor de vícios de câmera que o cineasta abusou no seu trabalho
anterior. Se antes eram constantes as utilizações de câmeras “olho de peixe” e
enquadramentos inusitados como que para querer afirmar certa pretensa identidade,
dessa vez o diretor londrino preferiu a sobriedade e entrega um trabalho à
altura do material teatral que tinha em mãos.
Quando digo isso, não quero afirmar
que Hooper deixou-se levar pelo simplismo. Não. O filme é um espetáculo visual
que respeita sua origem nos palcos trazendo para aqueles que nunca viram a peça
uma real dimensão do que Victor Hugo possivelmente imaginava ao escrever sobre
as batalhas e sobre as grandiosas cenas em estaleiros (a abertura impressiona!)
e em visões aéreas da França do século 19. Já para quem teve a experiência de Les Mis nos palcos, a obra complementa o
espetáculo visual, tornando a experiência ainda mais grandiosa para o
espectador.
Valjean (Jackman) cumpre sua pena: expressão de ódio e resignação |
A história, simples e dotada de heroísmo
romântico, conta com todos os perdoáveis clichês do maniqueísmo humano que o
texto teatral possui. Jean Valjean (Jackman) é um condenado escravizado em um
estaleiro sob a rígida vigilância do inspetor de polícia Javert (Crowe). Ao
receber sua liberdade condicional após 19 anos de pena por ter roubado um pão,
Valjean (ou prisioneiro 24601) é acolhido por um padre bondoso que lhe dá
abrigo e perdoa sua traição ao saber que Javert roubou sua prataria.
Arrependido, este decide violar sua condicional, mudar de identidade e seguir
uma nova e generosa vida que logo descobriremos ser bem próspera. No entanto,
Javert segue em seu encalço e a história dos dois homens repercutirá por muito
tempo em suas vidas.
De fato, a direção de Hooper
parece bem mais segura e menos exibicionista do que em seu trabalho anterior.
Se antes era perceptível uma desnecessária utilização de ângulos e imagens
pretensamente inusitadas (presente aqui apenas em uma cena específica onde
Valjean faz um importante pedido a outro personagem), agora a grandiosidade se
justifica pelo texto de Hugo. E desde a já citada cena do estaleiro, quando
vemos Jackman e seu impactante olhar cantando de forma resignada sob uma chuva
torrencial, já se percebe o quão visual será a experiência de assistir a Les Misérables. Hooper abusa de
travellings, plongées e consegue se sair bem na intenção de emocionar o
público. Uma pena que os acertos em sua direção não tenham sido suficientes para disfarçar sua inaptidão como diretor, o que é perceptível pela repetição de ângulos em diversos momentos do trabalho.
A trágica Fantine (Hathaway): fragilidade se destaca em todos os sentidos |
Mas, claro, um musical se
constrói com bons atores e cantores. Nisso, Les
Mis mostra a que veio. A expressão dura e presença corporal de Jackman criam
um equilíbrio perfeito com a sensibilidade e fragilidade de Anne Hathaway. Ela,
aliás, chama atenção em seus números musicais. Em sua canção solo, na qual ela
apresenta todo o seu sofrimento, Hooper acerta por manter uma câmera quase
estática em seu rosto (outra prova da direção menos afetada do cineasta nesse
trabalho). O diretor acerta, inclusive, ao colocar sua personagem de modo a se
destacar até mesmo pelo figurino em sua primeira aparição, quando a fragilidade
de sua personalidade é entregue pela cor de seu vestido. E a entrega da atriz à
personagem torna sua indicação ao Oscar totalmente justificada.
Equilibrando-se muito bem entre o
drama e a comédia (Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen roubam a cena como
hilário um casal de vigaristas), o filme traz um encantamento ao público comum aos
bons musicais. Ao nos despirmos de qualquer resistência inicial de vermos os
personagens cantando em meio ao sofrimento, dor ou risos, acabamos por ser arrebatados.
Não foi com surpresa que me peguei pensando horas depois da sessão nos ideais
de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, pertencentes à Revolução Francesa tão
bem retratada em Les Misérables e,
claro, no quão românticos e idealizados eles podem parecer. Tão idealizados quanto o pretenso talento de Tom Hooper.
Crítica muito bem escrita como sempre, entretanto venho informar divergências de percepção que tive em relação à direção de Tom Hooper, em "Os Miseráveis" minha sensação de incômodo com seus planos repetitivos e fora de lugar foram maiores que em "O Discurso do Rei", o abuso que ele faz do ângulo holândes me fez lembrar do mesmo vício que Kenneth Branagh teve em "Thor", e o excessivo uso de close-ups (e de planos um pouco mais abertos, mas filmados com baixa profundidade de campo), além de ter desvalorizado um pouco a excelente direção de arte do longa, deixaram algumas cenas, como a que Jean Valjean ajuda Fantine, com a ação um tanto confusa, pois o modo como Hooper pula de close para close serve de contraexemplo ao que vemos ser executado com maestria por Sergio Leone.
ResponderExcluirAo começar a sessão, fiquei esperando uma sucessiva reutilização dos hábitos óbvios de câmera de O DISCURSO DO REI. Hábitos estes que não se justificavam pela simplicidade da história. Ora, era apenas a história de um cara que precisava se adaptar ao que lhe exigia a sociedade. Pedia-se por algo simples, sem nenhum pretenso rebuscamento. No entanto, a obra de Victor Hugo é um épico. Nesse sentido, a utilização de travellings e tomadas com maior rebuscamento se adequa bem pela grandiosidade da história e pelo fato de ser interpretada como um musical. Creio que até o uso do ângulo holandês seja compreensível. Assim como em THOR, temos personagens querendo se adaptar a novos ambientes e essa utilização é justificada por isso. Obviamente, não é algo mandatório para se representar essa emoção e nem sempre essa técnica de câmera vai denotar isso. Mas como você citou THOR, eu acabei me lembrando dessa razão para o Branagh abusar dessa opção. Aqui, acho que é toda uma soma de fatores que faz com que o filme tenha esses artifícios, sendo que os principais são os que citei em relação à estética teatral e musical, tudo levando a algo que pede-se que seja grandioso. No que se refere aos close ups, não acho que tenham sido de todo exagerados, uma vez que estamos presenciando personagens passando emoção pela música. A aproximação deles para com o espectador explica essa opção. Estou tentando me lembrar se tive alguma estranheza com a pouca profundidade de campo do longa. Ao que me lembro, as cenas abertas (de batalhas nas ruas e a do estaleiro no começo, por exemplo), tinham suas profundidades adequadas ao momento. Fechando, acho que teria de rever o filme para tentar encontrar comparações com Leone, já que os close ups entre Valjean e Fantine se diferem bastante dos apresentados pelo italiano com Van Cleef e Eastwood, por exemplo, uma vez que as circunstâncias aqui são outras (excetuando-se, claro, Valjean vs Javert). Abração!
ExcluirBom, em relação à baixa profundidade de campo, ela acontece mais nas cenas em ambientes internos. Quanto à comparação que fiz com Leone, concordo que são bastante diferentes sim, em situações também muito diferentes, e é aí que entra o problema para mim, nessa cena específica, Hooper grava os close-ups com "câmera na mão" e diferente de Leone, os personagens aqui estão realizando ações, não apenas parados em cena, e para mim, essa soma de fatores só me causou confusão visual. Em relação ao uso do ângulo holandês, em certos momentos ele é sim justificável, mas para mim houve um exagero, ele o usa por todo o filme, pode ser que ele queira passar que Valjean está sempre desconfortável e tal, mas me incomodou durante a projeção, em especial no terceiro ato. Mas cinema é isso, de objetivo não tem nada. Abraço!
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