Promovidas pelo BFI Southbank,
complexo de cinemas localizado no centro Londres, as exibições de versões
restauradas e/ou estendidas de clássicos como Lawrence da Arábia, de David Lean, e O Iluminado, de
Stanley Kubrick, é uma das principais razões para o salivar desse cinéfilo que
vos escreve.
A sessão de ontem de O Iluminado apresentou a versão
americana que ainda era inédita em solo inglês. Com 144 minutos de duração, o
filme traz o mesmo impactante inicio com a imagem aérea dos lagos do Maine
(terra natal de Stephen King, autor do livro original, e local onde se passam
quase todos seus romances) e a ida de Jack Torrance em direção às montanhas
onde está localizado o amaldiçoado hotel Overlook. A música de Krzysztof
Penderecki,The Dies Irae of the Auschwitz
Cantata, tem, na tela grande, seu impacto elevado criando um ambiente cuja claustrofobia se
torna inversa devido à imponência e grandiosidade dos cenários. Observar o diminuto automóvel passar por aquela
estrada em um ambiente tão exuberante e já conhecendo o horror que se acometerá
sobre aquele homem e sua família, é ainda mais angustiante por conta da
inserção musical que ajuda a criar uma impressão pós-apocalíptica na cena.
Remontada pelo próprio Stanley
Kubrick após o original ter sido criticado por King devido à falta de
fidelidade com a narrativa do seu livro, essa inédita versão traz cenas que, de
fato, tornam o desenvolvimento da psicopatia de Jack Torrance mais perceptível.
Nela, ficamos sabendo do comportamento violento de Jack através das palavras de
Wendy (Shelley Duvall), em uma pista que tem sua recompensa na cena em que Jack
é servido por Lloyd, o garçom fantasma. Após ver pela primeira vez os
elevadores do hotel jorrando sangue e os cadáveres esquartejados das gêmeas,
Danny desmaia e é examinado por uma médica em seu quarto. A doutora quer saber
detalhes sobre a relação do garoto com os pais, no que Wendy explica sobre a
ocasião em que Jack deslocou o ombro do filho em um ataque de fúria, cena que
vai remeter ao momento em que o pai explica ao bartender sua inocência.
Outro momento que difere do
original é a apresentação do chef Dick
Hallorann (Scatman Crothers), cuja entrada em cena torna-se mais fluída devido
ao desenvolvimento da relação dele com a família Torrance. E se a relação de
Jack com o hotel na versão original só é revelada no decorrer do filme, nessa
versão estendida já vemos desde o inicio esse estreito déjà vu que o homem parece sentir, algo comprovado pelo momento de
inserção no qual ele admite ter a sensação de já ter estado no Overlook
anteriormente.
Com o desenvolvimento da trama e
da gradativa entrega de Jack à loucura, percebe-se a razão para Kubrick não ter
mantido todas essas cenas na versão final lançada em 1980. Claro, sem elas o
filme soa mais direto, algo que a proposta de um longa de horror segue à risca:
trazer o espectador para seu clímax de terror de forma mais rápida. Mas
inegavelmente momentos como o que Wendy encontra esqueletos no salão de festas
ou os rápidos flashes sanguinolentos e somados à expressão de terror de Danny
nos segundos que precedem o golpe de Wendy com um taco de beisebol, aumentam
exponencialmente a tensão de uma obra que parecia já ter alcançado seu grau
máximo de tormenta.
E se a atuação de Nicholson já é
famosa por seu impacto, a de Shelley Duvall impressiona sempre. Ter um já
prévio conhecimento das técnicas usadas pelo perfeccionista Kubrick para tornar
mais intensa a interpretação da atriz (técnicas que beiravam à crueldade e o
sadismo), faz com que a observação do modo visceral com que ela desenvolve seu
papel se torne louvável. Lidar com Kubrick não devia ser fácil. As lágrimas de
Wendy no filme se misturam com as de Duvall. E uma personagem de personalidade
fraca que parece não querer enxergar nada de errado em seu frágil mundo e que finge
não perceber a falsidade de seu casamento acaba por crescer em meio ao pânico e
ao terror.
Os momentos de horror
proporcionados por O Iluminado na
tela grande não serão esquecidos tão cedo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário