sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Panorama 2012 - O Que se Move


(Brasil, 2012) Direção: Caetano Gotardo. Com Cida Moreira, Wandré Gouveia, Ane Rodrigues, Marina Corazza, Andrea Marquee, Rômulo Braga.



Por João Paulo Barreto

Ao assistir a O Que se Move, filme de Caetano Gotardo, um pensamento recorrente me vinha à mente. A ideia de que a dor de perder um filho pode ser considerada a mais excruciante de todas. Algo tão inimaginável que chega ao ponto de não possuir palavra que defina um pai ou mãe que tenha passado por isso. Enquanto a película progredia em dolorosos minutos e atuações brilhantes que permitiam ao espectador partilhar de todo aquele sentimento, uma lembrança de um texto da série A Sete Palmos me ocorreu. Acontece quando dois personagens conversam sobre o fato de que não há adjetivo que classifique pais que perderam algum filho. Filhos, quando perdem os pais, são órfãos; mas e quando a situação se inverte? Na série, o personagem diz achar que essa deve ser uma dor tão grande que não há palavra que a defina.

É justamente a análise dessa dor que Gotardo se propõe a fazer em seu longa de estreia. A imobilidade emocional, a tristeza que acompanhará aquelas pessoas para sempre, a vontade de tentar mudar algum detalhe ínfimo que impedisse que aquela tragédia acontecesse. Todos os “se” que bombardeiam a mente na tentativa de evitar que aquele acontecimento viesse à tona. Tudo em vão. A perda é impossível de se evitar. O que resta é tentar viver com aquele peso, é tentar conceber tamanha desgraça e se equilibrar com aquilo durante os longos anos que se seguirão.

A dor de uma perda sem sentido é trazida em forma de canção 
No filme, três histórias são contadas. A primeira envolve um adolescente no seu último dia de férias e as conversas que tem com uma amiga no parque e com os pais em casa. Uma relação palpável de carinho envolve aquela família. A mãe, que dá aulas no mesmo colégio onde estuda o filho, é de uma paciência tenra e atenção única para com o jovem. Gotardo desenha essa relação de um modo doce, mas sem pieguice. O jovem demonstra seu amor pela mãe de forma natural. A conversa dos dois não parece ser um papo entre mãe e filho, mas, sim, entre dois amigos. Curioso como o roteiro não cede à tentação de desenhar o rapaz como um jovem revoltado ou sempre disposto a brigar com os pais. É uma relação saudável. O garoto, porém, esconde algo que mudará a vida de todos.

Na segunda, a mais pesada emocionalmente, envolve um jovem casal pais de um bebê. Nesse episódio, o roteiro de Gotardo enquadra o sentimento de afeto dos pais. A conversa entre duas mães amigas sobre futuros planos de viagens e a esperanças que os seus filhos cresçam e se tornem amigos é vista pelo espectador com o quadro sempre voltado para a criança presente em cena. Ao final desse episódio, quando o marido de uma delas percebe a razão para seu mau estar emocional e tragédia que ele parecia prever (“Estou me sentindo mau e não sei a razão. Uma tristeza, uma dor no peito”), entendemos a razão desse longo quadro estático na criança. O choque de sabermos o que acontece com uma delas é muito maior quando lembramos do cativante rostinho daquele ser inocente que nada sofreu ou sofrerá em sua infância. O diretor nos poupa do choque da tragédia que a imagem vista pelo pai no banco de trás de um carro nos fazendo apenas imaginá-la. Sutileza impar, mas não menos impactante.

A mais impactante das histórias: a perda e a percepção do "se"
Por último, o reencontro de um filho perdido 16 anos antes e a dor que nunca cessou, mas que precisa ser revisitada. Em um reencontro dos pais que tiverem seu rebento roubado ainda bebê, o absurdo de ver aquele momento acontecer em um almoço de churrascaria. A mãe que contava os dias desde a última vez que o viu. A necessidade de chamá-lo por outro nome e não o que ela escolheu para batizá-lo. E, por fim, a percepção de que é tarde demais. De que está diante de um estranho.

Em tamanha e absurda dor, Caetano Gotardo opta não pelo diálogo expositivo, mas, sim, por uma forma musical de representar o sentimento de perda daqueles pais órfãos. Sim, como disse no começo desse texto, não há adjetivo capaz de classificar aquelas pessoas que terão que conviver diariamente com a tristeza. A solução é chamá-los de órfãos na esperança que uma dor semelhante sirva para definir a que eles sentem.

Em vão, creio. 

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