(Brasil, 2012) Direção: Caetano Gotardo. Com Cida Moreira, Wandré Gouveia, Ane Rodrigues, Marina Corazza, Andrea Marquee, Rômulo Braga.
Por João Paulo Barreto
Ao assistir a O Que se Move, filme de Caetano Gotardo,
um pensamento recorrente me vinha à mente. A ideia de que a dor de perder um
filho pode ser considerada a mais excruciante de todas. Algo tão inimaginável
que chega ao ponto de não possuir palavra que defina um pai ou mãe que tenha
passado por isso. Enquanto a película progredia em dolorosos minutos e atuações
brilhantes que permitiam ao espectador partilhar de todo aquele sentimento, uma
lembrança de um texto da série A Sete
Palmos me ocorreu. Acontece quando
dois personagens conversam sobre o fato de que não há adjetivo que classifique
pais que perderam algum filho. Filhos, quando perdem os pais, são órfãos; mas e
quando a situação se inverte? Na série, o personagem diz achar que essa deve
ser uma dor tão grande que não há palavra que a defina.
É justamente a análise dessa dor
que Gotardo se propõe a fazer em seu longa de estreia. A imobilidade emocional,
a tristeza que acompanhará aquelas pessoas para sempre, a vontade de tentar
mudar algum detalhe ínfimo que impedisse que aquela tragédia acontecesse. Todos
os “se” que bombardeiam a mente na tentativa de evitar que aquele acontecimento
viesse à tona. Tudo em vão. A perda é impossível de se evitar. O que resta é
tentar viver com aquele peso, é tentar conceber tamanha desgraça e se
equilibrar com aquilo durante os longos anos que se seguirão.
A dor de uma perda sem sentido é trazida em forma de canção |
No filme, três histórias são
contadas. A primeira envolve um adolescente no seu último dia de férias e as
conversas que tem com uma amiga no parque e com os pais em casa. Uma relação palpável
de carinho envolve aquela família. A mãe, que dá aulas no mesmo colégio onde estuda
o filho, é de uma paciência tenra e atenção única para com o jovem. Gotardo
desenha essa relação de um modo doce, mas sem pieguice. O jovem demonstra seu
amor pela mãe de forma natural. A conversa dos dois não parece ser um papo
entre mãe e filho, mas, sim, entre dois amigos. Curioso como o roteiro não cede
à tentação de desenhar o rapaz como um jovem revoltado ou sempre disposto a
brigar com os pais. É uma relação saudável. O garoto, porém, esconde algo que
mudará a vida de todos.
Na segunda, a mais pesada
emocionalmente, envolve um jovem casal pais de um bebê. Nesse episódio, o
roteiro de Gotardo enquadra o sentimento de afeto dos pais. A conversa entre
duas mães amigas sobre futuros planos de viagens e a esperanças que os seus
filhos cresçam e se tornem amigos é vista pelo espectador com o quadro sempre
voltado para a criança presente em cena. Ao final desse episódio, quando o
marido de uma delas percebe a razão para seu mau estar emocional e tragédia que
ele parecia prever (“Estou me sentindo mau e não sei a razão. Uma tristeza, uma
dor no peito”), entendemos a razão desse longo quadro estático na criança. O
choque de sabermos o que acontece com uma delas é muito maior quando lembramos do cativante rostinho daquele ser inocente que nada sofreu ou sofrerá em sua
infância. O diretor nos poupa do choque da tragédia que a imagem vista pelo pai
no banco de trás de um carro nos fazendo apenas imaginá-la. Sutileza impar, mas não menos impactante.
A mais impactante das histórias: a perda e a percepção do "se" |
Por último, o reencontro de um
filho perdido 16 anos antes e a dor que nunca cessou, mas que precisa ser revisitada.
Em um reencontro dos pais que tiverem seu rebento roubado ainda bebê, o absurdo
de ver aquele momento acontecer em um almoço de churrascaria. A mãe que contava
os dias desde a última vez que o viu. A necessidade de chamá-lo por outro nome
e não o que ela escolheu para batizá-lo. E, por fim, a percepção de que é tarde
demais. De que está diante de um estranho.
Em tamanha e absurda dor, Caetano
Gotardo opta não pelo diálogo expositivo, mas, sim, por uma forma musical de
representar o sentimento de perda daqueles pais órfãos. Sim, como disse no
começo desse texto, não há adjetivo capaz de classificar aquelas pessoas que
terão que conviver diariamente com a tristeza. A solução é chamá-los de órfãos
na esperança que uma dor semelhante sirva para definir a que eles sentem.
Em
vão, creio.
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