Por João Paulo Barreto
Ter seu primeiro filme de ficção
aclamado em Gramado com três prêmios de Melhor Curta Metragem, prêmio de Melhor
Roteiro e um prêmio duplo de Melhor Ator não foi algo que Marcelo Matos
assimilou muito bem. “Ainda bem que minha timidez me resguarda um pouco desse
negócio de glamour”, diz, entre risos, o rapaz de voz calma. No entanto, não há
como não perceber o êxito por trás de um roteiro tão bem resolvido como o de Menino do Cinco. Repleto de simbolismos
que remetem às questões sociais que o curta ilustra de forma pertinente, o
trabalho que dirigiu em parceira com Wallace Nogueira é o típico filme que não
permite ao espectador deixá-lo para trás após o término da sessão. Em um
crescente emocional, o filme dessa dupla talentosa te deixa preso a reflexões
de um modo que poucos diretores veteranos conseguem. E tudo a partir de um
argumento simples: a história de dois garotinhos, um de classe média, outro de
rua, que brigam pela posse de um cãozinho. Ao observar os créditos finais, o
espectador ainda vai ficar alguns segundos sentado olhando para a tela escura e
refletindo acerca do que acabou de ver.
Nessa conversa, durante a oitava
edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, no qual o seu curta estava
indicado na Competitiva Nacional, Marcelo falou sobre o trabalho com atores
mirins, a questão social inerente ao seu roteiro e sobre esse negócio de
arrebentar em Gramado logo no primeiro trabalho com cinema de ficção.
Confira o papo!
Marcelo, a ideia da discussão social presente em Menino do Cinco já começou como algo central no roteiro?
Durante toda a minha trajetória, eu
trabalhei em projetos sociais. Trabalhei em ONGs e criei outras voltadas para
projetos sociais. A minha formação de vida está muito ligada a esse trabalho de
frente, uma vez que eu sempre estive ligado a projetos sociais. Por isso,
acabou sendo algo natural que, mesmo de forma inconsciente, isso aparecesse na
primeira história que eu escrevesse. Porque essa é a minha vida.
Como foi o trabalho com o elenco mirim? O processo de seleção e a ideia
de trabalhar com atores não profissionais.
Nós escolhemos nove crianças de
classe média e nove crianças de periferia. Foram selecionadas nove que tivessem
um perfil da classe média de Salvador e outras nove que seguissem a ideia do
perfil de meninos de periferia. Passamos uma semana em oficina fazendo, pela
manhã, os testes com os meninos que fariam um personagem e, de tarde, os testes
com aqueles que fariam o outro. Foi a Maryvonne (Coutrot, uma atriz e preparadora de elenco francesa), quem fez o
trabalho com os meninos. Ela tem uma formação em teatro e trabalhou muito com Clown (técnica artística teatral conhecida por ampliar as características
físicas mais marcantes do ator e utilizá-las no espetáculo. Chaplin e Rowan
Atkinson são exemplos). E como nós não tínhamos muita experiência com
cinema de ficção, uma vez que eu vinha do documentário e ela do teatro, a gente
adaptou esses exercícios que ela usava de clown
para fazer a preparação de elenco com esses dois grupos. Na época nós tínhamos
medo de ficar uma coisa exagerada, afinal, clown
em cinema só Chaplin, mesmo. Mas ao decorrer da oficina, a gente foi
ajustando as coisas. O importante era trabalhar como a criança acessa o sentimento
que ela vai dar na cena. Quem é de teatro tem um repertório de exercícios de
construção do ator que é muito interessante e que no cinema não temos. No caso
da escolha do Thomas (o ator Thomas Vinicius
de Oliveira, protagonista do filme) que vive o menino de classe média, eu
estava apostando somente nele. Foi um garoto que eu conheci no shopping e eu
estava com receio de que a oficina viesse a estragar a atuação dele. Foi o
Wallace (Nogueira, co-diretor) e a
Maryvonne que me aconselharam que seria legal para a construção dele como ator
participar da oficina. Acabou sendo muito importante para ele essa experiência.
E ele acabou dividindo o prêmio de Melhor Ator em Gramado com o Emanuel
de Sena, que interpreta o garoto de rua.
Sim. O festival alterou sua
premiação. Tiraram o prêmio de ator coadjuvante e ambos ganharam na categoria
Melhor Ator.
Durante o processo de gravação, você teve a preocupação de trabalhar o psicológico
dos garotos para poderem lidar com a possível fama que eles teriam com o filme?
E após a aclamação, como foi esse trabalho?
Para eles, foi algo bem
tranquilo, uma vez que os dois não tinham essa dimensão do que é o Festival de
Gramado. Eu também fiz questão de não alardear muito. Eu apenas disse que eles
ganharam o prêmio porque fizeram um bom trabalho. Nada mais do que isso. E eu falava
isso para eles dizendo isso para mim, também (risos). Gramado, afinal, é complicado. Há uma ilusão, um fetiche
ali que se o cara comer a pilha, ele se estrebucha. Como eu tenho uma
experiência na área pedagógica por ter feito mestrado em educação, tive a ideia
de entregar o prêmio para eles em um ambiente escolar, pois eu imaginei que as pessoas
iam saber tratar essa questão. Afinal, eles são educadores, são professores. Inclusive, antes do filme entrar em
Gramado, eu queria que ele estreasse lá no campus com um grupo de professores e
alunos. Eu queria o filme mais voltado para esse público das escolas, crianças
de periferia, professores. Eu realmente pensei muito em usá-lo no âmbito
educacional. Então, entregar o prêmio ao Thomas e ao Emanuel foi interessante
porque lá estavam meus professores e também os professores deles vendo o filme.
Foi, para mim, a melhor sessão onde o filme foi exibido. De todas! Foi lá que
eles aprenderam a importância do Festival de Gramado para o cinema brasileiro.
Isso através das palavras de um professor deles e da minha professora. Eu tinha
muita preocupação com esse impacto na vida dos dois.
E para você e Wallace? A ficha de Gramado caiu como?
(risos) Foi tranquilo. Eu acho que o fato de eu ser muito tímido é
algo que me preserva, me resguarda desse glamour. Eu não acredito no glamour,
sabe? Eu acho legal, claro, o reconhecimento do prêmio. E a gente contou com a
sorte, também. Afinal, esse era meu primeiro filme de ficção e acabou ganhando
em Gramado. Isso abre as portas, claro. Porque ele poderia ter passado despercebido.
Seria bem capaz, aliás. Mas esse ano, em Gramado, a curadoria dos curtas foi
muito interessante. E a galera queria era provar para Gramado o que é um bom
cinema. E isso eles conseguiram fazer. E é um orgulho saber que o filme da
gente serviu para isso. Muito mais do que qualquer vaidade de dizer: “Ah, olha,
meu filme ganhou” ou algo do tipo. Claro, a gente pensou em festivais, mas,
como já disse, pensamos esse filme para passar em escolas. Ainda mais que minha
experiência em cinema é passando filmes em ambientes educacionais. Três anos de
minha vida foram dentro de escolas passando filmes nacionais.
Marcelo e o co-diretor Wallace Nogueira no Festival de Gramado |
Uma coisa que eu acho bacana em Menino
do Cinco é a discussão social que o filme insere de modo subliminar. Um
detalhe curioso é o fato do playground do prédio onde vive o Ricardo ser em um nível acima da área externa, onde
brincam os meninos de rua. Foi proposital?
Aquele é um prédio onde eu vivi
vinte anos de minha vida. Eu não quis rodar aquela cena em nenhum outro lugar
justamente por essa desigualdade. O playground fica acima do solo. De modo que
isso é quase um conto de fadas, né? O rei e os plebeus. O cara que rapta a
princesa e leva para o alto da torre. E isso, claro, expressado dentro de uma
metáfora social. Eu não abri mão porque eu não achei em nenhum outro prédio
aquele desnível. Engraçado você citar isso, uma vez que ninguém havia comentado
antes.
Menino do Cinco concorre esse
ano ao prêmio de Melhor Curta na oitava edição do Panorama Internacional Coisa
de Cinema. Após passar por festivais em outros Estados brasileiros, como você
se sente concorrendo em sua cidade?
Esse ano, eu acho que o Panorama
conseguiu se firmar como um dos festivais mais interessantes do Brasil.
Primeiro pela curadoria do festival, que é superselecionada. O importante aqui
não é o diretor ou o glamour, mas, sim, o filme. Nós estamos aqui para ver
filmes. Isso é importante. E isso acaba faltando em outros lugares do Brasil.
Eu costumo brincar com o Wallace dizendo que não são os grandes festivais que
estão em crise, mas, sim, os pequenos que já estão nascendo mais maduros. Nós
temos aqui em Salvador o Panorama, em BH, o Festival Internacional de Curtas,
que já está na 14ª edição, em Recife, o Janela Internacional de Cinema, que já
está na quinta edição. Esses são festivais que apostam em outro cinema e em outra
maneira de se fazer festivais. Aqui, você tem um espaço de relação que é muito
importante. Em outros lugares, a questão é centrada mais na competição. Eu até
acho a competição bacana, afinal, é um incentivo para quem ganha. Mas não é o
foco da coisa. O importante é a discussão de cinema que esse evento gera. Fico
feliz por estar participando.
Você já tem projetos de novos trabalhos?
No momento, eu estou ocupado com
um argumento de um longa metragem. Eu quero ver se eu consigo captar para o ano
que vem e me dedicar a escrever esse roteiro. O tempo é escasso porque a
produtora na qual eu e Wallace trabalhamos (a Vogal Imagem) vai rodar um curta agora no início de 2013, o Carranca, que é um roteiro cujo primeiro
tratamento é do Wallace. Nesse trabalho, nós invertemos. O Menino do Cinco fui eu quem propôs e agora esse novo surgiu de uma ideia dele. Então, os
planos são esses. O desenvolvimento do roteiro para um longa, um novo curta com
Emanuel e Thomas e a produção de Carranca.
Essa falta de tempo me preocupa um pouco uma vez que eu gosto de me dedicar
100% aos roteiros que escrevo no sentido de alcançar uma profundidade na
criação. Planos a longo prazo, claro.
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