(Brasil, 2012) Direção: Breno Silveira. Com Chambinho do Acordeon, Land Vieira, Adélio Lima, Julio Andrade, Cyria Coentro, Cláudio Jaborandy, Giancarlo di Tomazzio, Nanda Costa, Silvia Buarque, Zezé Mota, João Miguel.
Por João Paulo Barreto
Ao transformar a história de Luiz
Gonzaga em filme, o diretor Breno Silveira sabia o desafio que tinha pela
frente. Afinal, o monumento da cultura nordestina apelidado de “Rei do Baião”,
é uma das figuras mais icônicas da música popular brasileira e uma fonte quase
inesgotável de histórias e “causos” que permearam seus quase oitenta anos de
vida. Ao optar pelo enquadramento dramático na conturbada relação de Gonzaga e
seu filho, o cantor e compositor Gonzaguinha, Silveira acerta, uma vez que esse
viés permite que o filme fuja da simples estrutura documental, inserindo,
assim, uma carga dramática das mais eficientes
.
Mesmo optando por esse
enquadramento, o roteiro de Patrícia Andrade (que já havia trabalhado com o
diretor nos seus três filmes anteriores) não foge da estrutura cronológica, que
traz, apesar dos flashbacks, uma forma didática de apresentar a vida do autor
de Asa Branca. Então, logo nas primeiras cenas, já encontramos o idoso Gonzaga
(Adelio Lima), que recebe em Exu, sua cidade natal, o amargurado filho
Gonzaguinha (impressionante atuação de Julio Andrade) que busca convencer o pai
a entrar em turnê novamente para, assim, melhorar as finanças. É, também, uma
forma que seu primogênito tem de se aproximar para que possa, finalmente,
conhecer aquele a quem chama de pai.
Julio Andrade como Gonzaguinha: semelhança impressionante |
Gonzaga – De pai pra Filho, pode ser considerado, desse modo, um
drama familiar dos mais eficientes. O modo lento como a relação entre aqueles
dois estranhos é apresentada nos ajuda a compreender as razões para as
diferenças entre eles. Compreender e nos identificar. Desde suas raízes
familiares, a relação estreita com o pai Januário (Cláudio Jaborandy), de quem
herdou o ofício de sanfoneiro, ou com a rígida mãe Santana (Cyria Coentro),
cuja relação com os filhos oscilava entre o amor incondicional e a necessidade
de manter uma criação severa, o que vemos aqui é um homem inquieto. Alguém que
está disposto a arriscar a própria vida pelo que acha certo. Sendo assim, não é
com surpresa que o vemos desafiar o coronel por cuja filha se apaixona, ou
assumir no futuro a paternidade de uma criança que, provavelmente, não gerou. O
Luiz Gonzaga visto aqui é um homem cujos princípios se confundem com seus
ímpetos.
A partir das fitas com
entrevistas feitas entre pai e filho, o roteiro de Andrade cria uma sensível
relação entre aqueles dois homens. Nesse ponto, Gonzaga – De pai pra filho consegue aprofundar de modo envolvente
aquele embate de personalidades. Porém, é perceptível a fragilidade do texto no
que tange ao desenvolvimento da trajetória de vida pessoal e profissional de
Luiz Gonzaga. O filme não se propõe a contar toda a vida dele, claro, algo que
não seria possível por conta do tempo de projeção. No entanto, alguns momentos
como o artifício clichê da tosse com sangue para indicar a doença de alguém
denunciam certa fragilidade do texto. Além disso, pontos marcantes da vida de
Luiz, como o acidente de carro ou o seu flerte com os militares durante a
ditadura passam quase despercebidos, como se o roteiro os inserisse apenas para
constar.
Gonzaguinha entrevista o Rei: resgate da memória e do amor pelo pai |
Inegavelmente, esse é um filme de
atuações. O trio de atores que interpreta as diferentes fases do sanfoneiro
impressiona pela transição quase imperceptível. O já citado Julio Andrade
apresenta um trabalho impressionante de recriação de Gonzaguinha. Sua postura,
seu tom de voz, tudo remete ao filho de Luiz Gonzaga. Cyria Coentro traz em seu
olhar uma doçura e amor materno que entra em conflito com a dureza que o sertão
lhe impõe. A cena em que ela e Land Vieira, o jovem Luiz, entram em conflito, é
uma das mais belas do filme justamente por percebermos a dor de Santana em
punir seu filho por não querer vê-lo morto.
As canções, sim, são o ponto alto
do longa. Com a inserção de imagens e áudio originais durante a projeção,
Silveira cria uma estrutura documental que dá vazão à grandeza daqueles
artistas. Quando ouvimos e vemos Chambinho do Acordeon cantando na fachada da
Cine Pax, no Rio, com todo o povo gritando o nome de Luiz Gonzaga, lá está o
Rei do Baião. É como se lá víssemos, realmente, aquele sorriso largo do Rei.
Aquela simpatia e carisma que espelha o nordeste. E as imagens reais do homem
indo de encontro ao excelente trabalho de atuação de de Land Vieira, Chambinho
do Acordeon e Adélio Lima dão a real dimensão da grandeza desse artista.
Gonzagão é o nordeste. Sem tirar
nem por.
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