Por João Paulo Barreto
Holly Motors aborda uma realidade na qual se é incapaz de sentir
emoções genuínas. Tudo é plantado. Tudo é encenado. Exatamente por isso, pela
sua abordagem plástica da realidade, podemos colocá-lo como um estudo perfeito
das relações humanas no século XXI. Um período no qual tais relações são muitas
vezes moldadas a partir de uma tela de fundo azul e branco na qual se despeja
lamentações e futilidades na esperança inútil de se ganhar “curtidas”.
O filme abrange a rotina de um
dia de trabalho de um homem inicialmente chamado de “Sr. Oscar” (Denis Lavant,
moldando o conceito da palavra soberbo) que sai para seu lavoro de manhã,
elegante, simpático e sorridente com sua família e chofer. Ao entrar em sua limusine,
algo acontece e passamos a construir junto ao homem uma realidade artificial da
qual ele faz parte e na qual o espectador será intimado a construir um quebra
cabeças de situações e emoções. O que verídico e o que é encenado naquele
universo? Qual é a vida que aquele ser humano leva? Quando ele é ele mesmo e quando
se trata de um personagem? Holy Motors não
vai entregar tão fácil assim as respostas.
Denis Lavant e sua criatura bestial |
Saindo de um personagem para
outro e seguindo uma rotina pré-agendada de serviços (da qual ele possui um
controle rígido de horários), “Oscar” é um ser que aparenta não possuir
uma personalidade própria. No único momento em que parece demonstrar algo intrínseco,
isto acaba por ser uma lamentação relacionada ao seu trabalho de atuação (“sinto
falta da floresta”). Assim, nunca conhecemos quem ele realmente é. E, antes que
essa frase soe como uma crítica negativa, alerto: diferente de outros filmes
nos quais personagens superficiais transbordam de tramas ainda mais carentes de
profundidade, Holy Motors tem em seu mote
justamente essa artificialidade. E é isso que o torna tão fantástico.
“Oscar” é um resumo do ser humano
atual. Carente de emoções, ele busca em uma fachada de personagens algum fio
que conduza sua vida. Dentro do “motor sagrado” que é sua limusine, seu mundo
se completa entre peças de figurino, maquiagem e disfarces cinematográficos. Lá
de dentro, ele observa a ruas da bela Paris através de um monitor (nada mais
pertinente, já que o mundo de muitos é visto somente assim), incapaz de sentir
a cidade, mas faminto por seu calor. Ironicamente, é acometido por um resfriado
quando experimenta a fria noite parisiense em aparentemente mais um serviço
teatral. Uma clara referência à inaptidão social da qual ele parece sofrer.
Homem sem face: de sua limusine, "Oscar" observa seu palco |
O roteiro de Leos Carax brinca de
modo brutal e, por vezes, repugnante com a realidade (e com o surrealismo). Ao
mixar a ficção dentro da ficção com fatos que para aquele universo podem ou não
ser reais, Carax exige do seu publico nada menos que reflexão acerca da metalinguagem. Uma reflexão
chocante acerca daquele mundo no qual assassinatos, suicídios e mutilações
acontecem e as emoções em tais fatos confundem de forma positiva. Sim, isso é
possível. Afinal, qual daquelas vidas é real? E essa pergunta nos leva a outra:
isso importa?
Ao final de Holly Motors, a tristeza que impera nos sentidos do espectador é a
mesma do personagem central. Incapaz de viver em uma única personalidade, “Oscar”
segue, aparentemente de forma forçada, em um universo no qual a artificialidade
das relações é plantada é atuada de forma natural. A vida se confunde com o papel
ou, no caso, com a tela do monitor. Atual e doloroso como a vida dentro de
outros mo(ni)tores sagrados nos quais as pessoas fingem ser quem não são em
busca da aceitação de estranhos.
Na última e surreal cena do filme,
entendemos a razão do título. Mas com os créditos, a constatação foi de que o
motor sagrado do longa era o próprio “Oscar”: uma máquina de representação
incapaz de sentir.
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