sábado, 30 de maio de 2015

Mad Max - Estrada da Fúria

(Mad Max - Fury Road, EUA, 2015) Direção: George Miller. Com Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hout, Hugh Keays-Byrne.


Por João Paulo Barreto 

Poucos filmes conseguem a proeza alcançada por Mad Max: Estrada da Fúria. Trata-se de uma obra literalmente insana. Com um processo de filmagem conturbado, com atrasos constantes e problemas no set, o longa tinha todas as prerrogativas para fracassar em seu resultado final. No entanto, o nível de estresse da produção foi diretamente proporcional a qualidade do que se vê na tela.

Seu veterano diretor, George Miller, parece ter treinado nos três longas iniciais de sua carreira durante os anos 1980 (no caso, as aventuras iniciais do personagem Max naquele mundo pós-apocaliptico) para alcançar a perfeição neste mais recente trabalho. Neste enxuto filme, não há (perda de) tempo para introduções, prólogos ou resumos prévios acerca de quem são os habitantes daquele mundo árido e violento. São 120 minutos de pura ação e movimento em cena. 

No fiapo de história, a Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) decide sabotar um comboio liderado por ela em direção a Gasoline Town e a Bullet Farm, locais onde, como os nomes já dizem, serão coletados munição e combustível para Immortan Joe, chefe tirano e espécie de líder religioso de um grupo de sobreviventes no local conhecido como The Citadel. Levando consigo os tesouros do vilão (no caso, beldades com o único propósito de reprodução), Furiosa parte em direção a terra prometida de Vale Verde, algo que provoca a ira de Joe, que segue em seu encalço juntamente com seu exército composto pelos “aprendizes de guerra”, jovens de vida curta e total devoção religiosa a Joe. 

E é isso. Essa é a história. 

Furiosa e sua cicatrizes de guerra
Mas o que Mad Max: Estrada da Fúria tem de tão especial? Justamente essa capacidade de transformar um roteiro simples em algo soberbo, cujo desenvolvimento de seus personagens se dá de modo natural, integrando a obrigatoriedade de nos apresentar suas essências em algo que se encaixa de forma orgânica ao filme, sem a necessidade de interromper a ação e o seu ritmo frenético, tópicos que são, justamente, suas marcas. Ao observarmos o braço mecânico e a marca cravada a ferro quente em sua nuca, sabermos que o passado de Furiosa não foi dos mais felizes, algo que justificará suas ações dali para frente. Sua pintura de guerra e olhar severo mesclam sofrimento e determinação, reafirmando sua postura como principal protagonista da trama.

Mas o nome do filme ainda é Mad Max, certo? Tom Hardy faz por merecer o lugar de Mel Gibson na trama, apesar de não tê-la centrada em seu personagem. Tratado como apenas uma bolsa de sangue utilizada para alimentar as transfusões dos garotos de guerra (no caso, Nux, a hipnótica criatura encarnada por um irreconhecível Nicholas Hoult), Max tenta escapar de seu destino trágico enquanto é preso à lataria do carro em movimento durante a perseguição no deserto. É somente com a interação junto a personagem de Theron que vemos, realmente, o filme se tornar seu. Ou, pelo menos, de ambos. 

O equilíbrio de Theron e Hardy na tela é notável. A primeira interação real entre os dois, no momento em que Max, algemado a uma porta de carro e preso por uma corrente a um desacordado Nux, sai no braço com Furiosa em um balé orquestrado, termina com os dois personagens reconhecendo a importância de cada um naquela fuga frenética. 

Balé violento resume bem a briga de Max e Furiosa
Aqui, Max parece ter virado o maníaco que sua alcunha prega. Seja em sua aparência inicial, o hábito de comer répteis vivos, passando pelas visões de mortos a torturá-lo, o louco Max teve aquele universo incrustado em sua psique, sendo que seu senso de sobrevivência importa mais que qualquer traço de civilidade. E Tom Hardy consegue transmitir à perfeição todo o sofrimento de seu personagem. Sua voz gutural ao exigir ajuda de um grupo de pessoas, seu olhar triste e expressão cansada denotam o modo como ele se tornou uma vitima daquele futuro trágico. 

Em seu roteiro, George Miller conseguiu apresentar um universo totalmente novo para aqueles personagens. Ouvimos falar da Fazenda da Bala e da Cidade da Gasolina e a curiosidade pelo desenvolvimento dessas locações nas já certas continuações se atiça. Ao que vimos pelas terras devastadas, onde criaturas mutantes caminham em charcos pantanosos e corvos gralham naquele ambiente desolado e hostil, as possibilidades de transformar essa nova trilogia em um épico moderno são concretas. 

Nux (Nicholas Hoult): "What a day! What a loveely day!"
Além disso, a profundidade que sua trama conseguiu inserir torna esse filme um exemplo que o cinema de ação tido como descerebrado terá a perseguir. Suas discussões sociais em torno da posição tirânica de Joe perante seu povo dominado pela necessidade de água; as questões sexistas que o roteiro apresenta ao inserir personagens femininas vitimas de cintos de castidade e da posição social como simples objetos para reprodução ou produção de leite coloca Mad Max – Estrada da Fúria em um patamar superior em relação a qualquer um de seus pares no que se refere a obras que têm a velocidade e carros envenenados como bases. 

George Miller trouxe para sua trama mais do que o habitual espetáculo visual que filmes sobre perseguições automobilísticas trazem. Claro, aqui também há as sequências que marcam esse tipo de proposta. No entanto, o que vemos é algo com um cuidado maior em sua produção. No momento em que os pares de Nux se balançam em gangorras enquanto atiram lançam explosivas em cima dos carros que perseguem, ou quando vemos motos que parecem dançar no ar quando cruzam o caminho do comboio de Max e Furiosa, percebemos que, longe de simples apuros visuais, essas cenas complementam um todo muito mais complexo que prefere inserir válidos subtextos que tratam de fanatismo religioso, sociedades patriarcais e tiranias governamentais a se ater somente a visuais que, apesar de fantásticos, poderiam refletir o vazio de roteiro pobre.

O que, ainda bem, não é o caso de Mad Max – Estrada da Fúria. 

Utilizando uma das falas de Nux durante o longa e ao lembrar do insano guitarrista a tocar ao vivo a trilha sonora das perseguições, posso dizer que foi um dia adorável esse em que topei com o novo trabalho de George Miller.

Um comentário:

  1. Olá, João Paulo! Começando a acompanhar o seu blog!

    Aproveito para te apresentar o meu blog sobre Análise Crítica, focando na construção do roteiro cinematográfico.
    Fique à vontade para passear por ele!

    https://roteiroecinema.wordpress.com/

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