segunda-feira, 20 de julho de 2015

Bikes vs. Carros

(Bikes vs. Cars, Diversos países, 2015) Direção: Fredrik Gertten.



Por João Paulo Barreto

Sendo um ciclista em uma cidade do terceiro mundo onde os carros sempre foram priorizados em detrimento de qualquer outro meio de transporte, foi com surpresa que constatei os fatos apresentados no documentário Bike vs. Carros, produção conjunta entre diversos países, como Brasil, Estados Unidos, Dinamarca, Inglaterra, Holanda, Canadá e Colômbia.

O mais chocante de todos foi a postura do prefeito de Toronto, que assumiu publicamente que sua gestão não demonstraria nenhum apoio a construção de ciclovias, mas que, indo de encontro a todas as tendências desse século no aspecto urbanização, retiraria todas as ciclovias da cidade. O argumento? A culpa das mortes de ciclistas é deles, mesmos. Não haveria tantas fatalidades se não houvesse bicicletas no trânsito.
      
Se podemos encontrar claros sinais de um retrocesso cultural, político e organizacional em um país como o Canadá, o que esperar das soluções apresentadas no Brasil? Por incrível que pareça, em um país como o nosso, onde discursos plantados por uma mídia manipuladora fomenta pensamentos rasteiros e cegos de uma massa mal informada, as soluções no quesito incentivo ao uso das bikes vêm sendo apresentadas de modo crescente e, dada às devidas proporções, até satisfatório. Mas muitos avanços ainda precisam ser feitos.

A ciclista Aline Cavalcante nas ruas de Sâo Paulo
Em São Paulo, um dos principais grupos de ciclistas lutou durante muito tempo pela construção de uma ciclovia na Av. Paulista. Após a morte de um de seus membros no local (prensada por um ônibus), o atual prefeito da cidade que havia se comprometido com pautas acerca da mobilidade urbana, reestruturou toda a avenida para que pudessem ser instaladas faixas exclusivas para aqueles que usam as bicicletas para locomover.

Trazendo depoimentos de diversos personagens ligados direta ou indiretamente ao assunto, o documentário apresenta depoimentos pertinentes, como o da ativista Aline Cavalcante, responsável, juntamente com outros ciclistas, por diversas ações de conscientização pelo uso das bicicletas na capital paulistana. A mais importante foi o já citado alcance do projeto de ciclovia na Av. Paulista. Em uma de suas falas, Aline aborda tópicos como o tempo que perdia presa no trânsito durante o translado de casa ao trabalho/faculdade, sendo este um dos pontos principais na argumentação pelo uso prioritário das bikes no caótico e permanentemente parado tráfego paulistano.

Um dos trunfos do longa reside na apresentação de comparações entre os países visitados pela produção e na pesquisa relacionada com o uso de bicicletas em cada um deles. Notórias pela prioridade das magrelas, cidades como Copenhagen e Amsterdã se destacam, claro, nestas comparações. Na primeira, a produção acerta ao exibir o olhar de um morador que, não adepto às bikes, precisa conviver com a enxurrada de ciclistas que o “impedem” de circular tranquilamente com seu taxi pelas ruas. Outro ponto é o levantamento da atuação de lobistas em governos como o da Alemanha, em que Angela Merkel foi acusada de receber doações de veículos de luxo para que barrasse leis de incentivo ao uso das bikes em detrimento dos carros.

Copenhagen e suas prioridades em duas rodas no trânsito

Há, no entanto, faltas quando o filme não apresenta os mesmo dados referentes a situação das duas cidades européias como foi feito em Los Angeles ou São Paulo, locais onde o aumento de problemas de saúde no quesito doenças respiratórias é evidenciado na produção. Em relação a cidade da Califórnia, inclusive, impressiona o momento em que a quantidade de vias expressas e o número de veículos é levantado pelo documentário. Cidade que na primeira metade do século XX possuía a então maior ciclovia do mundo, hoje tem menos de 1% de sua população como usuários de bicicletas. Os Estados Unidos, aliás, possui menos ciclistas em todo o seu território do que a Dinamarca possui apenas em Copenhagen.

Na América Latina, um dos exemplos de cidades atuantes na inclusão do ciclismo como opção para resolver os problemas do trânsito caótico é Bogotá, na Colômbia. Após a gestão do prefeito Enrique Peñalosa, no começo dos anos 2000, houve a inserção de 300 quilômetros de ciclovias na cidade. Hoje, esse número alcança um total de quase 400 quilômetros. A personagem escolhida para ilustrar o ativismo no sentido de uma maior mobilidade urbana com bikes é uma professora que leva seus alunos em passeios assistidos pela cidade. Todos devidamente equipados com capacetes e monitorados pelos organizadores. Um hábito que, inserido na infância, vai refletir positivamente na vida de toda uma geração no futuro.

Momento de protesto contra a morte de um ciclista em Los Angeles
Curiosamente, ao ver a professora em seu discurso relevante e ações exemplares, foi impossível não pensar na falta de tato da produção nacional ao não orientar a paulistana Aline Cavalcante no exemplo do uso do capacete, da direção defensiva na necessidade de guiar a bicicleta no acostamento ao invés de entre os carros e nos riscos da utilização de fones de ouvido durante seu translado pela cidade.


Ao final, Bikes vs. Carros acaba sendo um documento de reflexão exemplar para uma sociedade que precisa parar de enxergar os carros como símbolos de status e tornar a utilização de bicicletas como algo básico.

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