(Bikes vs. Cars, Diversos países, 2015) Direção: Fredrik Gertten.
Por João Paulo Barreto
Sendo um ciclista em uma cidade
do terceiro mundo onde os carros sempre foram priorizados em detrimento de
qualquer outro meio de transporte, foi com surpresa que constatei os fatos
apresentados no documentário Bike vs. Carros, produção conjunta entre
diversos países, como Brasil, Estados Unidos, Dinamarca, Inglaterra, Holanda,
Canadá e Colômbia.
O mais chocante de todos foi a
postura do prefeito de Toronto, que assumiu publicamente que sua gestão não
demonstraria nenhum apoio a construção de ciclovias, mas que, indo de encontro
a todas as tendências desse século no aspecto urbanização, retiraria todas as ciclovias
da cidade. O argumento? A culpa das mortes de ciclistas é deles, mesmos. Não
haveria tantas fatalidades se não houvesse bicicletas no trânsito.
Se podemos encontrar claros
sinais de um retrocesso cultural, político e organizacional em um país como o
Canadá, o que esperar das soluções apresentadas no Brasil? Por incrível que
pareça, em um país como o nosso, onde discursos plantados por uma mídia
manipuladora fomenta pensamentos rasteiros e cegos de uma massa mal informada,
as soluções no quesito incentivo ao uso das bikes vêm sendo apresentadas de
modo crescente e, dada às devidas proporções, até satisfatório. Mas muitos
avanços ainda precisam ser feitos.
A ciclista Aline Cavalcante nas ruas de Sâo Paulo |
Em São Paulo, um dos principais
grupos de ciclistas lutou durante muito tempo pela construção de uma ciclovia
na Av. Paulista. Após a morte de um de seus membros no local (prensada por um
ônibus), o atual prefeito da cidade que havia se comprometido com pautas acerca
da mobilidade urbana, reestruturou toda a avenida para que pudessem ser instaladas
faixas exclusivas para aqueles que usam as bicicletas para locomover.
Trazendo depoimentos de diversos
personagens ligados direta ou indiretamente ao assunto, o documentário
apresenta depoimentos pertinentes, como o da ativista Aline Cavalcante, responsável,
juntamente com outros ciclistas, por diversas ações de conscientização pelo uso
das bicicletas na capital paulistana. A mais importante foi o já citado alcance
do projeto de ciclovia na Av. Paulista. Em uma de suas falas, Aline aborda
tópicos como o tempo que perdia presa no trânsito durante o translado de casa
ao trabalho/faculdade, sendo este um dos pontos principais na argumentação pelo
uso prioritário das bikes no caótico e permanentemente parado tráfego
paulistano.
Um dos trunfos do longa reside na
apresentação de comparações entre os países visitados pela produção e na
pesquisa relacionada com o uso de bicicletas em cada um deles. Notórias pela
prioridade das magrelas, cidades como Copenhagen e Amsterdã se destacam, claro,
nestas comparações. Na primeira, a produção acerta ao exibir o olhar de um
morador que, não adepto às bikes, precisa conviver com a enxurrada de ciclistas
que o “impedem” de circular tranquilamente com seu taxi pelas ruas. Outro ponto é o levantamento da atuação de lobistas em governos como o da Alemanha, em que Angela Merkel foi acusada de receber doações de veículos de luxo para que barrasse leis de incentivo ao uso das bikes em detrimento dos carros.
Copenhagen e suas prioridades em duas rodas no trânsito |
Há, no entanto, faltas quando o
filme não apresenta os mesmo dados referentes a situação das duas cidades
européias como foi feito em Los Angeles ou São Paulo, locais onde o aumento de
problemas de saúde no quesito doenças respiratórias é evidenciado na produção.
Em relação a cidade da Califórnia, inclusive, impressiona o momento em que a
quantidade de vias expressas e o número de veículos é levantado pelo
documentário. Cidade que na primeira metade do século XX possuía a então maior
ciclovia do mundo, hoje tem menos de 1% de sua população como usuários de
bicicletas. Os Estados Unidos, aliás, possui menos ciclistas em todo o seu
território do que a Dinamarca possui apenas em Copenhagen.
Na América Latina, um dos
exemplos de cidades atuantes na inclusão do ciclismo como opção para resolver
os problemas do trânsito caótico é Bogotá, na Colômbia. Após a gestão do
prefeito Enrique Peñalosa, no começo dos anos 2000, houve a inserção de 300 quilômetros de
ciclovias na cidade. Hoje, esse número alcança um total de quase 400 quilômetros . A
personagem escolhida para ilustrar o ativismo no sentido de uma maior
mobilidade urbana com bikes é uma professora que leva seus alunos em passeios
assistidos pela cidade. Todos devidamente equipados com capacetes e monitorados
pelos organizadores. Um hábito que, inserido na infância, vai refletir
positivamente na vida de toda uma geração no futuro.
Momento de protesto contra a morte de um ciclista em Los Angeles |
Curiosamente, ao ver a professora
em seu discurso relevante e ações exemplares, foi impossível não pensar na falta
de tato da produção nacional ao não orientar a paulistana Aline Cavalcante no
exemplo do uso do capacete, da direção defensiva na necessidade de guiar a
bicicleta no acostamento ao invés de entre os carros e nos riscos da utilização
de fones de ouvido durante seu translado pela cidade.
Ao final, Bikes vs. Carros acaba
sendo um documento de reflexão exemplar para uma sociedade que precisa parar de
enxergar os carros como símbolos de status e tornar a utilização de bicicletas
como algo básico.
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