Para quem tem filhos, não há angústia maior do que aquela representada pela possibilidade de ser privado da presença deles. Passar pelo trauma de vê-los desaparecer sem que nada possa ser feito para evitar é uma das situações de maior terror que um pai ou uma mãe pode experimentar. O curta Uma Primavera, de Gabriela Almeida, livremente adaptado de uma história de William Blake, traz, justamente, essa sensação. E o modo como a diretora consegue transmitir para o espectador a tensão da perda de uma criança impressiona justamente pela simplicidade como os elementos da trama nos são apresentados.
Lara (Natalia Paes Parnes) é uma pré-adolescente que, no seu aniversário de 13 anos, é levada a um parque por sua mãe (Lucia Romano) para um piquenique. Como toda criança que começa a perceber que está crescendo, Lara é vaidosa. Na cena inicial, vemos a menina, inexperiente nessa área, cortar a perna no banheiro, enquanto se depila. Vemos em Lara todos os sinais de uma menina que está se tornando uma adolescente que passa a negar os hábitos de sua infância. Desde a preocupação em não querer usar bermuda ao invés de saia, mesmo sabendo do desconforto de se sentar no chão, até a negação de que o rosa é sua cor preferida, Lara personifica a adolescência de forma singular, com todos os seus anseios e incômodos.
A relação da menina com sua mãe reflete bastante o cuidado da mulher para com a criança. Há um apego de Lara com ela que, mesmo com toda a suposta independência que a pré-adolescência traz, a menina não consegue deixar de transparecer. Os traços de sua ainda infância, como chamar a mãe de “mamãe”, por exemplo, ou, ainda, na conversa ao telefone com o pai, chamá-lo de “papai”, enfim, os sinais estão todos ali. Há uma sutileza no modo como essa cena é mostrada. Até aquele momento, o espectador não sabe que o casamento dos pais de Lara acabou. Enquanto a menina conversa com o pai, vemos um claro desconforto por parte da mãe ao ouvi-la aceitar um convite para jantar na noite do aniversário. É quando se nota que a relação dos progenitores não é das melhores.
Sutileza é, na realidade, o instrumento principal no contar da história de Uma Primavera. Na citada cena do corte da depilação, vemos um band-aid amarelo ser aplicado por Lara ao ferimento. Em uma elipse ao mesmo tempo sutil e eficaz, a imagem já coloca a menina no carro, junto à sua mãe, enquanto esta manobra para sair da garagem em direção ao parque. Sendo uma ótima rima visual, a cor amarela do curativo vai representar, em outro momento, a relação de cuidado da mãe para com a menina, quando as duas encontram, durante o piquenique, um pássaro (também) amarelo morto no parque. E quando a menina desaparece após um cochilo da mãe, essa relação de cuidado ganha contornos psicológicos extremos, que a diretora utiliza de forma a manipular a sensação de desconforto do público.
A palavra manipulação aqui não possui contornos pejorativos. Pelo contrário. Almeida utiliza o silêncio, a respiração, os sons da floresta, as árvores, tudo para causar na mãe e, por conseqüência, no público, uma sensação claustrofóbica de perda. Ao acordar e perceber o celular da criança próximo ao local e sem sinal dela, a mãe vai perdendo a calma. Vemos uma expressão racional no começo passar a ser substituída por sorrisos nervosos e, finalmente, gritos de desespero. Tudo acompanhado pelo canto de pássaros, barulhos dos ventos nas folhas e o som da casca do caule de uma das árvores sendo arrancada por ela em um gesto involuntário de inércia. Algo que, diga-se de passagem, amplia ainda mais a sensação de nervosismo e claustrofobia do personagem e, claro, do espectador.
A calma dando lugar ao desespero: a mãe de Lara começa a perder a esperança |
A diretora insere elementos na trama que aumentam a sensação de desespero do público com toda aquela situação. Desde a pergunta feita pela mãe a um suspeito e sinistro vigia do parque até a busca pelo nome da menina na lista de locatários de bicicletas do local, todos os sinais levam a crer que algo pode ter acontecido à garota. O sentimento sufocante é palpável.
Em uma bela cena, por exemplo, vemos, a partir de uma imagem do alto, a mãe caminhar entre troncos imensos de árvores. A sensação de isolamento e claustrofobia torna aquela paisagem bucólica insuportável. É como se toda aquela grandiosidade do local esmagasse ainda mais a esperança de que a menina poderá ser encontrada. E a atuação de Lucia Romano merece destaque pelo modo como a atriz conseguiu transmitir o desespero da busca de modo tão impactante com a perda gradativa de sua calma.
Até o seu desfecho redentor, Uma Primavera cumpre o papel de nos levar a momentos de tensão que faz com que todos os elementos vistos em cena nos façam refletir de algum modo. No clímax do curta é que se percebe a intenção do nome do filme. Em poucos minutos, a sensação de perda da mãe atrelada ao local onde ela passou por aquele terror pôde ser alongada para algo que pareceu uma longa, triste e agonizante primavera.
Filme exibido na Mostra Competitiva do Panorama Internacional Coisa de Cinema, Salvador, 2011.
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